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XXV Seminário Internacional de Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia

por Cláudia Regina - publicado 19/02/2014 11:20 - última modificação 06/01/2015 16:11

Detalhes do evento

Quando

de 13/03/2014 - 09:30
a 13/03/2014 - 12:30

Onde

Sala de Eventos do IEA, Rua Praça do Relógio, 109, bl. K, 5º andar Cidade Universitária

Nome do Contato

Telefone do Contato

(11) 3091 1681

Participantes

Conferencista: Helena Mateus Jerónimo (ISEG - Universidade de Lisboa / Pesquisadora Visitante FAPESP).
Coordenador: Pablo Mariconda (IEA).

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Conferencista: Helena Mateus Jerónimo

Coordenador: Pablo Rúben Mariconda

 

Questionando os conceitos de risco e incerteza em problemas de base científico-tecnológica

Em finais do século XX, o conceito de risco, com uma importante tradição teórica nas ciências sociais, foi chamado a definir a atual fase da sociedade moderna em confronto com as consequências ambíguas do seu próprio triunfo. Simultaneamente, o conceito de risco é também utilizado, como parte decisiva do trabalho dos peritos, na delicada área de explicação e predição de impactos ambientais e de fenômenos de base técnico-científica. Mas será o conceito de risco suficientemente inequívoco para caracterizar as atuais sociedades e os problemas ambientais, que têm, regra geral, um caráter extensivo, duradouro e global? Poderá constituir o instrumento-chave para um modelo de avaliação e orientação desses novos problemas ambientais? E, quanto à avaliação e resolução dos problemas, poderemos confiar tais tarefas apenas aos peritos da ciência e da tecnologia, bem como aos meios de controlo que possam propor?

Reconceitualizado por autores como Patrick Lagadec (1981) ou Ulrich Beck (1992 [1986]), circunscrito a desenvolvimentos tecnológicos com impactos potencialmente catastróficos no autor francês ou estendido à caracterização das sociedades dos nossos dias como no sociólogo alemão, o conceito de risco tem o engenho de ter trazido para as ciências sociais os novos perigos ambientais introduzidos pela tecnologia. Tal como foi popularizado pela obra Risk Society de Beck, o conceito de risco tem igualmente o mérito de analisar as mudanças na natureza das ameaças atuais: são qualitativamente diferentes das existentes em épocas históricas anteriores quanto à sua capacidade de impacto no ecossistema e de aniquilamento da espécie humana, envolvem dinâmicas até agora desconhecidas e são o produto das ações e decisões humanas que se concretizam através do complexo científico-tecnológico-industrial.

Porém, a expansão do conceito de risco em termos macrosociológicos foi feita à custa de uma ausência de delimitação analítica clara entre aquele conceito e outras noções próximas, tais como incerteza, ignorância, perigo e ameaça. Assistimos hoje à mescla quase indiferenciada de todos estes conceitos e sua absorção pela genérica e institucionalizada categoria do risco. Ficou esquecida a distinção clássica entre risco e incerteza, oriunda da economia desde o início do século XX, em que uma situação de risco era entendida como podendo ser avaliada e calculada em termos das suas probabilidades numéricas, a passo que uma situação de incerteza não podia ser avaliada mediante um cálculo racional (Knight, 1921; Keynes 1921). A prevalência actual da linguagem do risco reforça e surge reforçada numa “cultura institucional de recusa da imprevisibilidade e da falta de controlo” (Leach, Scoones e Wynne 2005). Numa cultura preocupada em gerir, com segurança, os eventos futuros, o carácter probabilístico do conceito de risco dá a imagem de supremacia do controlo científico sobre o aleatório, as contingências, os acidentes e o acaso.

Muitos dos atuais problemas de base técnico-científica e ambientais transbordam a semântica do risco probabilístico e ilustram novas regiões de incerteza, implicando necessariamente uma reorientação da própria ciência e seus procedimentos. Por isso, vários autores têm vindo a recuperar a distinção entre os conceitos de risco e incerteza e salientam a natureza ontológica da incerteza, inerente aos mundos social e natural, através das noções de “ignorância”, “indeterminação”, “catástrofes” e “acidentes” (e.g. Perrow 1984; Funtowicz e Ravetz 1990; Wynne 1992; Dupuy 2002). Certos problemas (os quais aparecem, por vezes, incluídos na noção de risco) seriam mais corretamente descritos pela linguagem da incerteza. Subjacente a este argumento estaria o desconhecimento das probabilidades estatísticas de muitas das consequências possíveis; a insuficiente confiança nas estimativas produzidas pelos peritos; as potenciais margens de erro; e as incertezas aleatórias na natureza e no comportamento humano (Martins 1998).

Defender uma concepção baseada no risco ou uma concepção baseada na incerteza não é uma opção indiferente, principalmente em processos controversos que envolvem perigos sérios, consequências imprevisíveis e uma solução tecnológica. Risco e incerteza apontam para uma interpretação e uma orientação específicas, desencadeando, por isso, diferentes implicações políticas. O risco está associado à prevenção, ao passo que os vários tipos de incerteza estão articulados à precaução. Na cultura do risco probabilístico, por exemplo, procura-se testar os impactos de determinada tecnologia no ambiente e/ou na saúde humana para averiguar se é ou não socialmente aceitável. Quando os impactos são de muito baixa probabilidade, desenvolve-se uma atitude permissiva face a esse risco. Daí que as políticas de prevenção conduzam, em geral, a um processo de mitigação, negociação e aceitação dos riscos com base nos conhecimentos existentes e na natureza, gravidade e probabilidade dos riscos. Já as políticas de precaução apelam a uma orientação de prudência e a acautelar danos de perigosidade incerta, podendo inclusivamente induzir à recusa de certas decisões e ações tecnoeconômicas.

 

Bibliografia

Beck, Ulrich (1992 [1986]), Risk Society. Towards a New Modernity, London, Sage.

Dupuy, Jean-Pierre (2002), Pour un Catastrophisme Éclairé: Quand l’Impossible est Certain, Paris: Seuil.

Funtowicz, Silvio and Jerome Ravetz (1990), Uncertainty and Quality in Science for Policy, Dordrecht: Kluwer Academic Publishers.

Keynes, John Maynard (1921), A Treatise on Probability, London: Macmillan.

Knight, Frank H. (1921), Risk, Uncertainty and Profit, Boston: Houghton Mifflin.

Jerónimo, Helena Mateus (2010), Queimar a Incerteza: Poder e Ambiente no Conflito da Co-Incineração de Resíduos Industriais Perigosos, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa.

Lagadec, Patrick. 1981. La Civilisation du Risque: Catastrophes Technologiques et Responsabilité Sociale. Paris: Seuil.

Leach, Melissa, Ian Scoones e Brian Wynne (2005), “Introduction: science, citizenship and globalization” in Melissa Leach, Ian Scoones e Brian Wynne (eds.), Science and Citizens: Globalization and the Challenge of Engagement, London and New York: Zed Books, pp. 3-14.

Martins, Hermínio (1997-1998). “Risco, incerteza e escatologia: Reflexões sobre o experimentum mundi tecnológico em curso (I)”, Episteme, n.º 1, Dezembro-Janeiro, pp. 99-121.

Martins, Hermínio (1998), “Risco, incerteza e escatologia: Reflexões sobre o experimentum mundi tecnológico em curso (II)”, Episteme, n.º 2, Junho-Julho, pp. 41-75.

Perrow, Charles (1984), Normal Accidents: Living with High-Risk Technologies, New York: Basic Books.

Wynne, Brian (1992), “Uncertainty and environmental learning: reconceiving science and policy in the preventive paradigm”, Global Environmental Change: Human and Policy Dimensions 2, no. 2, June, pp. 111-127.

Inscrições

Através do e-mail leila.costa@usp.br

Evento com transmissão em: http://www.iea.usp.br/aovivo