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Edição 92 da revista 'Estudos Avançados' tem a política como tema principal

por Mauro Bellesa - publicado 04/05/2018 10:20 - última modificação 15/05/2018 16:16

A edição 92 da revista "Estudos Avançados", lançada no final de abril, traz o dossiê "Política e Dinheiro".

Capa Estudos Avançados 92A política está presente em dois conjuntos de textos da edição 92 da revista “Estudos Avançados”, lançada no final de abril. Os dossiês trazem artigos sobre representação política, democracia representativa, fundamentos da sociedade brasileira, políticas públicas, atual fase do capitalismo, uso de recursos públicos e militância por justiça de dois personagens da história brasileira [veja o sumário abaixo].

A edição é dedicada à memória da vereadora Marielle Franco, assassinada - assim como o motorista que a acompanhava, Anderson Gomes - no dia 14 de março, no Rio de Janeiro.

O editor da revista, Alfredo Bosi, comenta que as medidas para a construção de uma legítima política democrática presentes no dossiê “Política e Dinheiro”, que abre a edição, constituem "uma equação complexa de várias incógnitas, cuja resolução não deve ser adiada indefinidamente". Entre as medidas, destaca-se a necessidade de "os partidos não serem meros rótulos ou soma de interesses, mas agremiações civis dotadas de valores e princípios coerentes".

Não basta isso, adverte Bosi: "É preciso livrar a nação dos fantasmas do passado colonial e escravista e, ao mesmo tempo, projetar um regime econômico que limite os abusos do capitalismo financeiro-rentista sem ceder ao estatismo dirigista".

A associação entre política e dinheiro não deve necessariamente levar a resultados funestos, mas, ao contrário, "aliar-se com vistas ao bem comum, como se demonstra no texto sobre gastos aplicados à melhora da saúde pública", afirma o editor.

No artigo de abertura do dossiê, "Como Salvar a Política?", Jacques Marcovitch, professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, defende dois conjuntos de propostas favorecedoras do surgimento de lideranças "capazes de apresentar resultados e contribuir para o bem-estar da comunidade".

O primeiro conjunto trata da governança dos partidos, da hipótese de uma reinvenção da mídia e do papel da academia como espaço de debate. O outro conjunto contempla o esperado "protagonismo da sociedade civil e possíveis contribuições para mudanças substantivas na agenda partidária e na política em sua percepção mais ampla".

Ex-reitor da USP e ex-diretor do IEA, Marcovitch propõe que as instituições acadêmicas, meios de comunicação e organizações não-governamentais protagonizem ações para essa transformação, de forma a "salvar a política de seus descaminhos".

Segundo o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, capitalismo financeiro-rentista é a denominação adequada para o caráter misto da organização social capitalista no pós-guerra, principalmente a partir dos anos 80. Trata-se de uma sociedade em que "os capitalistas são predominantemente rentistas, enquanto os altos tecnoburocratas são ou os mais altos executivos das companhias ou os financistas".

No artigo "Capitalismo Financeiro-Rentista", Bresser Pereira analisa o desenvolvimento dessa organização social no século 20 e conclui que "a nova importância dos rentistas e financistas representa uma grave armadilha para o capitalismo contemporâneo. Em sua opinião, embora as finanças tenham um papel importante a representar no financiamento do investimento, os financistas não estão interessados nesse papel. "Nem eles, nem os rentistas estão comprometidos com o crescimento do país ou com o bem-estar do povo; ambos representam mais um passivo do que um ativo social". O economista finaliza com uma pergunta para a qual diz não ter resposta: "Haverá no capitalismo e na democracia mecanismos endógenos capazes de mudar essa situação?".

A abordagem de Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, parte de elementos históricos da formação da Nação. No artigo "Resta Ainda, Porventura, Alguma Esperança?", ele comenta fatos do período colonial e do Império que, no seu entender, moldaram a sociedade brasileira. Esses "vícios congênitos" são, de acordo com Comparato: o predomínio absoluto do interesse privado sobre o bem público; o Brasil como destino de criminosos degradados por Portugal; o vício endêmico da corrupção por agentes públicos; e a dominação oligárquica.

Para o jurista, a história brasileira "não se repete, permanece sempre a mesma". Diante dessa realidade, ele finaliza com duas perguntas: "Resta ainda alguma esperança de que a soberania ou poder supremo venha no futuro a pertencer efetivamente, e não de maneira puramente simbólica, ao povo brasileiro? Quanto tempo haveremos de aguardar até que o conjunto dos cidadãos brasileiros, incluindo os mais pobres, passe a ser constituído por pessoas 'livres e iguais em dignidade e direitos', como proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos?".

O dossiê se encerra com a discussão de um exemplo prático sobre a importância de melhoria da gestão de recursos públicos em benefício da população. Em "Gastos Público com Saúde: Breve Histórico, Situação Atual e Perspectivas Futuras", Paulo Saldiva, professor titular de patologia da Faculdade de Medicina da USP e diretor do IEA, e Mariana Veras, especialista em políticas públicas e planejamento estratégico e pesquisadora no mesmo departamento, tratam do Sistema Único de Saúde (SUS) em seus quase 30 anos de funcionamento.

Os autores reconhecem que o sistema promoveu avanços no atendimento à população, mas também apresenta "mazelas de financiamento e má gestão". O artigo discute também os desafios futuros e princípios que devem nortear as ações para o país "alcançar um patamar mais eficiente na atenção à saúde".

Outros temas

Exemplos de democracia participativa e de práticas culturais são retratados em cinco textos do segundo bloco da edição, intitulado “Política”. Nele e em seção com mais dois artigos, há também contribuições que “aprofundam o significado das lutas de grandes militantes pela justiça, Tiradentes e Luiz Gama”, destaca o editor da publicação.

O terceiro conjunto de textos contém artigos sobre ficcionistas e poetas brasileiros. Além do poeta e ensaísta Augusto Meyer, são analisados aspectos da obra de ficcionistas e poetas modernos e contemporâneos (Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Fonseca e Raduan Nassar) e da narrativa romântica (José de Alencar).

A edição traz ainda artigos sobre as contradições da pesquisa e da pós-graduação no Brasil e sobre o Mosaico do Gurupi, a região mais ameada da Amazônia, além de quatro resenhas de livros recentemente publicados sobre o marxismo universitário paulista, Machado de Assis, Nise da Silveira e José Murilo de Carvalho.

Revista "Estudos Avançados" 92, 368 páginas, R$ 30,00 (assinatura anual com três edições: R$ 80,00). Informações sobre como assinar a publicação ou adquirir exemplares avulsos: www.iea.usp.br/revista ou com Edilma Martins (edilma@usp.br), tel. (11) 3091-1675.

 


 

Sumário

Política e Dinheiro

  • Como Salvar a Política? - Jacques Marcovitch
  • Capitalismo Financeiro-Rentista - Luiz Carlos Bresser-Pereira
  • Resta Ainda, Porventura, Alguma Esperança? - Fábio Konder Comparato
  • Gastos Públicos em Saúde: Breve Histórico, Situação Atual e Perspectivas Futuras - Paulo Hilário Nascimento Saldiva e Mariana Veras

Política

  • Democracia Participativa e Experimentalismo Democrático em Tempos Sombrios - Murilo Gaspardo
  • O Momento Tancredo-Mitterrand - Daniel Afonso da Silva
  • Movimentos Artísticos e Política Cultural - Celso Frederico
  • Política Cultural e Trabalho nas Artes: O Percurso e o Lugar do Estado no Campo da Cultura - Amanda Patrycia Coutinho de Cerqueira
  • O Código Tiradentes - José Murilo de Carvalho

Luiz Gama

  • Luiz Gama - A Vida como Prova Inconcussa da História - Diego A. Molina
  • "Um Retumbante Orfeu de Carapinha" no Centro de São Paulo: A Luta pela Construção do Monumento a Luiz Gama - Lúcia Klück Stumpf e Júlio César de Oliveira Vellozo

Leitura de Ficção

  • Augusto Meyer: Crítica Machadiana e Memória - Alfredo Bosi
  • Mário de Andrade Leitor de Goethe e as Formas do Amor em "Amar, Verbo Intransitivo" - Cristiane Rodrigues de Souza
  • Rubem Fonseca: Modaliadades de Encarceramento - José Feres Sabino
  • Na Lavoura Arcaica - Belinda Mandelbaum
  • De "Resíduo" a "Caso do Vestido": Formas da Memória entre o Contemporâneo e o Arcaico - Simone Rossinetti Rufinoni
  • Ecos da "Bíblia" em "Iracema", de José de Alencar - Fernando Paixão
  • "A Paixão de Jesus" - Machado de Assis

Textos

  • Contradições na Pesquisa e Pós-Graduação no Brasil - Paulo César Soares
  • Desmatamento, Degradação e Violência no "Mosaico do Gurupi" - A Região Mais Ameaçada da Amazônia - Danielle Celentano, Magda V. C. Miranda, Eloisa Neves Mendonça, Guillaume X. Rousseau, Francisca Helena Muniz, Vivian do Carmo Loch, István van Deursen Varga, Luciana Freitas, Patrícia Araújo, Igor da Silva Narvaes, Marcos Adami, Alessandra Rodrigues Gomes, Jane C. Rodrigues, Cláudia Kahwage, Marcos Pinheiro e Marlúcia B. Martins

Resenhas

  • Veredas e Labirintos de uma História -  Cecília Helena L. de Salles Oliveira
  • Sem Medo do Inconsciente - Yudith Rosenbaum
  • Machado de Assis e sua Crítica - Pedro Meira Monteiro
  • Às Voltas com o Marxismo Universitário Paulista - Deni Alfaro Rubbo