À comunidade uspiana — Os pingos nos is: predação, não!
Carlos Guilherme Mota*
Tenho recebido muitas mensagens de apoio à minha indignação com o ocorrido com o Instituto de Estudos Avançados, e também algumas outras criticando minha possível postura autoritária, alinhamento com o “sistema” etc. Não, não estou alinhado com o “sistema”, nem poderia estar. Para mim, manifestações estudantis, mesmo que contundentes, e de funcionários e professores, sempre fizeram parte da vida universitária. Predação não; no caso da tomada da Faculdade de Filosofia em 1968, de que participei, não predamos, mas fomos predados pela Polícia e pelo CCC.
Parece-me óbvio: quem fez o que fez no Instituto de Estudos Avançados é meliante, e não estudante. Houve prejuízo material, perda de produção científica e intelectual de alto nível e um grave abalo moral, que atingiu nossa ampla e variada comunidade. O IEA era e continua a ser um espaço aberto, onde se cultiva o pensamento crítico de modo democrático e se publica uma das melhores revistas científico-culturais, e um episódio desses nos fere, nos humilha. E nos enche de indignação. Tem que haver reparo.
A predação foi executada por muita gente, e pode-se supor que havia (quando menos) alguns estudantes (com aspas e sem aspas) entre as quase 200 pessoas. Quando na Carta aos “Estudantes” explicito que me dirijo à banda não podre do alunado, pressuponho (parece-me claro) que exista uma banda sólida e bem intencionada, ou melhor, um segmento crítico e produtivo, democrático e também atuante. Que fique claro! É a estes que me dirijo para levantar a questão das responsabilidades, pois com meliantes não há conversa possível.
Quando no final daquele artigo (a Carta) que traduz toda minha profunda indignação, sugiro a renúncia imediata do Reitor, por incompetente, deixo claro que a ele cabe, ontem e hoje, a culpa maior tanto pelo ocorrido como pelo que vem ocorrendo na USP. Aí estão envolvidas questões como falta de zelo EFETIVO pelo patrimônio público e pelo bem comum, incapacidade de negociar, eventuais utilizações de mecanismos extra-universitários (como o recurso à polícia etc).
Mas a questão permanece. Quem foram os responsáveis diretos pela ação predatória? A quem compete a apuração das responsabilidades para as devidas punições? (Ou não é caso de apuração e punição?). Enfim, saiamos desse clima mental de pseudo-ingenuidade da pré-adolescência, e sejamos adultos.
A meu ver, houve transbordamentosim para além do movimento estudantil autêntico (ou não?), com a intromissão de outros personagens externos à vida universitária, que as fotos permitem supor: foi por tal motivo que me dirigi ao segmento democrático do alunado da USP, que certamente não apoiou essa brutalização de um espaço de pesquisa, estudos e debates livres e civilizados.
Entendo que, após uma tomada por estudantes de um estabelecimento (sobretudo se ele for público, mantido com impostos da população), ele deve ser zelado com rigor. Confesso que até agora não notei qualquer medida nesse sentido, e convido os leitores (as) deste texto a visitar os resultados da ação predatória, em alguns caso irremediável (DVDs, gravações, documentos etc).
No mais, continuo a defender a eleição direta de reitor pela comunidade, embora fazendo parte da minoria dentre meus colegas. Até porque a eleição, tal como se faz atualmente, trouxe-nos para a Reitoria os professores Suely Vilela e Grandino Rodas, com resultados que aí estão. Como vale recordar, eu próprio fui eleito pela comunidade como Diretor da FFLCHUSP e não pude tomar posse, mas o contexto era outro... Era um tempo de ditadura, o que não mudou muito aqui na USP…
O IEA está, agora e novamente, se dispondo a reabrir espaço para a discussão com a comunidade e suas lideranças sobre os últimos tristes acontecimentos, que nos atingiram de modo inusitado. E convidando a universidade a participar desse seu “renascer das cinzas”. Pois não vamos parar, nem mudar nossa rota.
Em tempo: visitem o IEA e participem de sua reconstrução!
* Carlos Guilherme Mota, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, foi o primeiro diretor do IEA (gestão José Goldemberg).