'Un effort encore!!!'
Caríssimo Diretor Professor Martin Grossmann:
Ao retornar do Exterior, deparei-me com o quadro descrito em sua mensagem e nas de colegas, em que manifestam fortes e bem fundadas preocupações com os rumos da USP.
Não posso deixar de expressar, até pelo fato de ter sido o primeiro Diretor de nosso IEA ("um espaço independente e aberto, mas não neutro"), minha profunda indignação com o que ocorreu. Depredação de patrimônio público sob nossa responsabilidade, desconsideração para com nossa história e nossa presença pública enquanto instituição inovadora e democrática, aviltamento do próprio conceito de UNIVERSIDADE (que de fato aguarda reconceituação, reforma e atualização), recurso à violência, impedimento de nossa livre circulação em local de TRABALHO e PESQUISA, tudo conduz à ideia de que estamos em face de uma CRISE muito mais profunda do que imaginávamos, e de tudo o que a imprensa e diferentes manifestos sugerem. Urge compreendê-la.
Digamos que a crise, do ponto de vista social, ideológico, político e propriamente cultural já vem se arrastando há vários anos. Seria banal dizer que é um "reflexo" do que se passa no País. Digamos que a gangrena que vem matando nossa muito incipiente "sociedade civil" agora atinge órgãos centrais de nossa USP, obrigando-a a tomar conhecimento do que vem se verificando em salas de aula e em Faculdades que deveriam formar novos profissionais (sobretudo professores, urbanistas, economistas, administradores, matemáticos etc.etc) para a rede pública. Digamos que os tais "jacobinos" atuais não têm nada em comum com aqueles da Convention francesa de 1793, e que um lumpesinato político-cultural e mental tomou conta do País, de alto a baixo. Digamos que as lideranças docentes (Congregações, Departamentos etc) deveriam ter previsto e se antecipado no equacionamento desses problemas que agora eclodem. Pois a problemática é deveras complexa e não se restringe apenas ao episódio de eleições diretas ou não para a Reitoria! Como escreveu um dos membros do Conselho "expandido", referindo-se aos agentes do vandalismo: "mas que educação receberam eles em seus lares? em suas escolas? em seus meios sociais? O que será do presente e do futuro do país com essas elites?". Talvez até seja a mesma dos condutores desses automóveis-bunker com vidro negro que circulam em alta velocidade pelos Jardins...Ora, sabemos que o buraco é mais embaixo; ou mais acima!
Hoje, caro Professor Grossmann, até o nosso IEA também foi atropelado. O que é inédito e solicita uma resposta pública vigorosa. Recordo que, quando de uma greve geral à época da gestão Goldemberg, as lideranças souberam negociar e respeitar atividades do Instituto, a atuação deste ex-Diretor e do Reitor, até mesmo aquela conferência ocorrida na própria sala do Conselho Universitário (proferida pelo importante historiador inglês Christopher Hill), entre outras atividades.
Ainda não tenho clareza quanto ao que deveremos fazer, e o que poderia sugerir. Mas, desde logo, penso que o IEA conta no seu Conselho com membros altamente qualificados, firmes e responsáveis, assim como um "Conselho expandido", além do que denominávamos o "Senado invisível", agregando ex-membros de Conselho Diretor, ex-diretores, ex-visitantes e simpatizantes de nosso mundo científico-cultural. Ou seja, uma comunidade variada porém muito crítica e atuante. Como sempre atuou, o IEA deve continuar a funcionar como um espaço de diálogo e negociação, dentro de sua experiência já reconhecida, em casos de impasses como o atual.
Uma fórmula que poderia tornar-se viável seria talvez a constituição de um Fórum dirigido com mão firme por Professores Eméritos ou com "notável saber" e acima de interesses, grupos, chapas, corporações, humores e partidos. Penso em nomes como do próprio ex-Reitor Goldemberg, de Alfredo Bosi, de William Saad Hossne (ex-diretor científico da FAPESP e ex-Reitor da UFSCar, eleito pelo voto direto no começo dos anos 80), do professor e jurista Dalmo de Abreu Dallari, de Jacques Marcovitch (ex-diretor do IEA e ex-Reitor da USP, que teve uma experiência forte no transcurso de seu mandato), e do Emérito e sereno professor Adib Jatene.
Por fim, quero me solidarizar com sua pessoa e com toda a equipe de nosso Instituto, e também com nosso Conselho Diretor. O IEA sempre soube enfrentar desafios fortes, desde sua criação, e foi ao longo de muitos e sucessivos embates que adquiriu a credibilidade que pode ostentar . "Un effort encore!!!"
"Salut et Fraternité!!!"
Carlos Guilherme Mota
P.S. — Nesta época de pragmatismo "irresponsável", tecnocratismo emburrecedor e asfixiante burocratismo, talvez seja um bom momento para revisitarmos as teses do notável educador Anísio Teixeira, sobre a "Universidade de Fins Culturais". Até para tentarmos saber em que ponto de sua caminhada histórica a Universidade se perdeu.