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A condição do negro no Brasil

por Flávia Dourado - publicado 15/05/2004 00:00 - última modificação 02/06/2015 17:55

Dossiê da "Estudos Avançados" 50 analisa as lutas e contribuições dos negros brasileiros a partir de uma perspectiva multidisciplinar.

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Octavio Ianni é um dos participantes do dossiê

Com 29 textos, de 31 autores, o dossiê "O Negro no Brasil", do nº 50 da revista "Estudos Avançados", apresenta um extenso e diversificado painel com análises e dados socioeconômicos, históricos, culturais e genéticos sobre a população negra brasileira. As lutas contra a discriminação e as medidas de ação afirmativa também são debatidas. O lançamento da edição aconteceu no dia 13 de maio, na Sala do Conselho Universitário da USP, com palestra de Arany Santana, secretária de Reparação de Salvador, e participação de José de Souza Martins (FFLCH/USP), que prestou homenagem à memória do sociólogo Octavio Ianni, recentemente falecido e colaborador do dossiê. O conjunto de textos é aberto com uma das últimas entrevistas concedidas por Ianni, seguida de seu artigo "Dialética das Relações Socias".

Um principais colaboradores de Roger Bastide e Florestan Fernandes, Ianni participou ativamente da chamada escola de sociologia paulista, que traçou um novo panorama analítico sobre a situação do negro e o preconceito racial no País. De acordo com Ianni, havia na ideologia brasileira e no ambiente cultural acadêmico um certo compromisso com a tese da democracia racial: "Com os trabalhos de Roger Bastide e Florestan Fernandes é que foi revelada a realidade do preconceito racial de par em par com o preconceito de classe".

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Um dos temas polêmicos da atualidade é o da implantação de cotas para negros em universidades públicas. Para o sociólogo, "numa primeira avaliação, o estabelecimento de cotas aparececomo uma conquisa positiva; mas, simultaneamente, é a reiteração de uma sociedade injusta, fundada no preconceito".

O antropólogo Luís Roberto Cardoso de Oliveira, da Unicamp, diz em seu artigo que é positiva a adoção de um percentual mínimo de alunos negros em todos os cursos (e não cotas correspondentes à participação dos negros na composição da sociedade) pelo "potencial transformador" da medida no plano simbólico, como instrumento de combate ao racismo.

Ivonne Maggie e Peter Fry, professores de antropologia da UFRJ, tratam em seu artigo sobre a adoção – via lei estadual – de cotas na Uerj e na Uenf em 2001. O artigo analisa as cartas de leitores sobre a medida legal enviadas ao jornal "O Globo" em 2001 e 2002: "Os leitores que as escreveram sugerem que a introdução de cotas raciais talvez não alcance o que pretende e terá efeitos que irão muito além das finalidades explícitas nos pronunciamentos dos governantes, em particular uma bipolarização racial e um aumento de tensão inter-racial, sobretudo nas camadas menos favorecidas da população".

capa51.jpgOs geneticistas Sérgio Danilo Junho Pena (UFMG) e Maria Catira Bortolini (UFRS) colaboram indiretamente com o debate por meio de artigo sobre a contribuição africana no genoma dos brasileiros. Segundos eles, 30% dos brasileiros autoclassificados como brancos e 80% dos negros apresentam linhagens maternas características da África subsaariana. Em razão disso, estimam que pelo menos 89 milhões de brasileiros são afrodescendentes. Números mais expressivos surgem ao serem utilizadas determinadas técnicas de pesquisa genética: cerca de 146 milhões de brasileiros (86% da população) apresentam mais de 10% de contribuição africana em seu genoma.

Outra parte do dossiê reúne cinco entrevistas que o editor executivo Marco Antônio Coelho realizou com pesquisadores baianos. Um deles é o antropólogo Júlio Santana Braga, professor da UFBa e uma das personalidades mais expressivas do candomblé em Salvador. Os outros entrevistados são o antropólogo Jocélio Teles, diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao) da UFBa; o geógrafo Waldir Freitas Oliveira; Arany Santana, secretária da Reparação de Salvador; e Sérgio Passarinho, da Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Econômico da Bahia.

O dossiê traz também textos de Domício Proença Filho e Alfredo Bosi sobre os negros na literatura, de Abdias Nascimento sobre o teatro experimental do negro, do Emanoel Araújo sobre os negros e as artes plásticas e de Bruno Zeni sobre o rap em São Paulo, entrevista com Kabengele Munanga e artigo de Alberto da Costa e Silva sobre o comércio de exemplares do Alcorão entre os negros muçulmanos no Rio de Janeiro durante o século 19.