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Abuso de álcool, drogas e anabolizantes reduz a qualidade do sêmen

por Victor Matioli - publicado 10/12/2018 15:30 - última modificação 13/12/2018 15:24

O médico urologista Jorge Hallak defende que o álcool e as drogas têm efeitos potentes e extremamente danosos à saúde reprodutiva e sexual dos homens. O tema foi vastamente explorado no evento "Efeitos do Álcool, Drogas e Anabolizantes Esteroides na Saúde do Homem", realizado no dia 30 de novembro no IEA.

Thiago Afonso Teixeira, Elaine Frade Costa, Jorge Hallak, Gisele Alves e Arthur Guerra

Em um relatório lançado em setembro deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que o álcool é, sozinho, responsável por pelo menos três milhões de mortes todos os anos. Ainda que a nocividade das bebidas alcoólicas — bem como a do cigarro e de outras drogas ilícitas — já tenha sido comprovada pela comunidade científica, é preliminar o conhecimento sobre o efeito que essas substâncias têm em sistemas específicos do corpo humano, como o reprodutor.

O médico urologista Jorge Hallak, professor da Faculdade de Medicina (FM) da USP e coordenador do Grupo de Estudos em Saúde Masculina do IEA-USP, defende que o álcool e as drogas têm efeitos potentes e extremamente danosos à saúde reprodutiva e sexual dos homens. Segundo ele, que conduz pesquisas sobre o tema há 18 anos, a qualidade do sêmen têm caído continuamente nas últimas décadas. Além de fatores ambientais e nutricionais, o médico considera que o fenômeno pode estar relacionado ao consumo de substâncias entorpecentes.

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O tema foi vastamente explorado no evento Efeitos do Álcool, Drogas e Anabolizantes Esteroides na Saúde do Homem, realizado no dia 30 de novembro no IEA. Além de Hallak, participaram Arthur Guerra, médico psiquiatra e professor da FMUSP, e Roxane Ré, apresentadora e editora do programa de rádio Jornal da USP no Ar, que mediou as atividades. Para debater o assunto foram convidados os médicos Elaine Frade Costa e Thiago Afonso Teixeira, e a psicóloga Gisele Alves. O encontro foi organizado em parceria pelo IEA-USP e o laboratório Androscience.

Guerra, que também coordena o Programa Redenção da Prefeitura Municipal de São Paulo — responsável pelo acolhimento e tratamento de usuários de crack — se mostrou especialmente preocupado com os jovens. Uma pesquisa comandada por ele concluiu que 90% dos homens universitários já consumiram álcool na vida e 5% deles apresentam padrão de consumo indicativo de dependência. Segundo ele, esse tipo de “uso agudo” está relacionado a casos de piora do desenvolvimento cognitivo, brigas, lesões, amnésias alcoólicas e mortes.

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Uma droga “especial”

“O álcool é uma droga especial”, afirmou Guerra durante sua exposição. “É usada em larguíssima escala em todo o mundo, apesar de ser depressora do sistema nervoso central, com ação direta em diversos órgãos, como fígado, coração, vasos sanguíneos e paredes do estômago.” Para ele, um dos comportamentos mais nocivos ligados ao consumo de bebidas alcoólicas é o chamado “binge drinking” — ingestão de mais de cinco doses num intervalo de duas horas por homens, ou quatro doses por mulheres. A prática, segundo Hallak, faz parte da rotina de pelo menos 30% dos jovens de 15 a 19 anos no Brasil.

Ele ressaltou que entre os efeitos prejudiciais do álcool para a saúde reprodutiva dos homens está diminuição da motilidade espermática — capacidade de deslocamento dos espermatozoides. Sobre as causas, o urologista afirmou não poder dizer com certeza, mas acredita que estejam relacionadas à diminuição provocada pelo álcool nos índices de testosterona dos testículos, além do aumento de outros hormônios, como a progesterona, e o stress oxidativo das células.

Hallak citou uma pesquisa realizada em 2014 que analisou os padrões de consumo de álcool e os efeitos do uso na qualidade espermática de 1221 homens dinamarqueses. O estudo concluiu que a ingestão de cinco ou mais doses de álcool por semana tem efeitos adversos na qualidade seminal. Os prejuízos foram mais pronunciados, entretanto, nos homens que consumiam mais de 25 doses semanais.

Outro aspecto que preocupa o médico é o aumento do consumo de álcool no Brasil, que, segundo dados da OMS, cresceu 43,5% nos últimos 10 anos. O uso também têm crescido entre os mais jovens. Mais de metade dos meninos do 9º ano do ensino fundamental do estado de São Paulo já provaram álcool, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Apesar disso, Hallak afirmou que as bebidas alcoólicas ainda são consumidas majoritariamente por homens com mais de 26 anos. A maconha, por outro lado, é mais usada por jovens de 12 a 17 anos.

Segundo Hallak, a maconha tem chamado a atenção da comunidade científica justamente por conta do uso precoce, que em grande parte acontece concomitantemente à formação do sistema reprodutivo — entre os 12 e os 22 anos. “É sempre negativo usar esse tipo de substância, mas é pior no início da adolescência”, explicou.

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Os efeitos da maconha

O Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) de 2014 apontou que 7% da população brasileira — cerca de 8,6 milhões de pessoas — já havia usado maconha em algum momento da vida. 37% delas, ou 1,3 milhão de pessoas, usam maconha diariamente, segundo a pesquisa.

Guerra explicou que existem duas substâncias principais na maconha: o THC (Tetraidrocanabinol) e o CBD (Canabidiol). Segundo ele, o THC é o mais volumoso e está relacionado à dependência e danos cognitivos, enquanto o CBD é encontrado em menores quantidades e está ligado a propriedades medicinais. O psiquiatra ressaltou, por exemplo, que a maconha pode ser usada no tratamento de doenças como glaucoma, dores crônicas, esclerose múltipla, náuseas, vômitos induzidos por quimioterapia, caquexia e convulsões.

Por outro lado, lembrou que a maconha apresenta uma série de prejuízos à saúde, principalmente a longo prazo: “Os usuários recorrentes podem apresentar diminuição da atenção, problemas respiratórios, síndrome amotivacional, risco de ansiedade e depressão, transtornos psicóticos e sintomas de abstinência”.

O uso de maconha também está relacionado à perda de motilidade espermática e deformações nos espermatozoides, de acordo com um estudo conduzido por Hallak em conjunto com colegas da FMUSP. Os danos, segundo ele, são ainda maiores quando o uso da maconha é associado ao de cigarro.

Os dois médicos afirmaram que os pacientes usuários de maconha são os mais resistentes para deixar o hábito, porque consideram que a droga é pouco prejudicial e tem efeito calmante e relaxante. “São os mais difíceis de estudar, cerca de 75% prefere abandonar o tratamento a deixar de usar a maconha”, ressaltou Hallak.

Thiago Teixeira, professor da Universidade Federal do Amapá (Unifap) e membro do Grupo de Estudo em Saúde Masculina do IEA, também se mostrou especialmente preocupado com os efeitos da maconha. “Em um estudo recente, identificamos que dos cinco hábitos de risco mais comuns na população — uso de álcool, de cigarro, de maconha, obesidade e sedentarismo — talvez o uso da maconha seja o mais lesivo para as funções testiculares e reprodutivas”, alertou.

Hallak fez um apelo: “Após duas décadas de muito estudo, pesquisas e reflexão, como médico e cientista, posso dizer: beba com muita moderação. Pelos mesmo motivos: drogas, nem com moderação”.

Jorge Hallak
Jorge Hallak: "Beba com muita moderação; drogas, nem com moderação"

Anabolizantes e outras drogas

Quanto às drogas ilícitas de forma geral, Hallak acredita que “um ecossistema maléfico” as circunda. “Elas aumentam os chamados ‘comportamentos de risco’, como prostituição, baixos níveis de escolaridade, gravidez precoce, desemprego e encarceramento”, explicou. Um pesquisa realizada na FMUSP para observar os efeitos do crack em ratos demonstrou efeitos devastadores no sistema reprodutivo, particularmente nos ratos jovens, contou o urologista. As principais consequências encontradas foram deformidades morfológicas em diversas estruturas, redução da contagem de espermatozoides em ratos jovens e de testosterona em ratos maduros.

Outra classe de substâncias que pode prejudicar largamente a saúde reprodutiva masculina é a de esteroides e anabolizantes. Segundo Guerra, as consequências mais comuns do uso desses compostos são dependência, prejuízos ao fígado, problemas cardiovasculares, acnes severas, fortes dores de cabeça, agressividade, depressão e alterações de humor. “Em adolescentes, pode causar retardos no crescimento e aceleração da puberdade”, completou o médico.

Especificamente para a saúde sexual e reprodutiva masculina, Guerra garantiu que o uso de esteroides pode trazer uma série de graves consequências. De acordo com ele, “os usuários podem apresentar encolhimento dos testículos, diminuição da produção de espermatozoides, infertilidade e maior risco de desenvolver câncer de próstata”.

Em um artigo publicado em 2010, Hallak demonstrou o impacto negativo que o abuso de esteroides e anabolizantes pode causar na saúde sexual masculina. “Apesar de muitos casos serem irreversíveis, trabalhamos também com a recuperação das funções testiculares”, contou. “Mas mesmo recuperadas, jamais voltam a ser o que eram”.

Diagnósticos e prevenção

Para Hallak, os métodos de acompanhamento dos indicadores de saúde reprodutiva masculina são insuficientes. “Um homem, quando faz um exame, faz só o espermograma”, criticou. “Esse exame é muito superficial e não leva em conta as análises bioquímicas e hormonais necessárias”. Ele acredita que o acompanhamento deveria ser feito de maneira perene, em laboratórios de andrologia, por conta da sensibilidade do sêmen e dos métodos necessários para analisá-lo.

Ao mesmo tempo, o urologista entende que o tempo de gestação das pesquisas científicas é, de certa forma, incompatível com a velocidade da sociedade moderna: “Isso intensifica os ‘achismos’ sobre temas ainda pouco visitados pela ciência”. A combinação entre a falta de acompanhamento médico adequado, o avanço do álcool e das drogas na sociedade e o ritmo da produção de conhecimento científico faz com que a saúde masculina continue em degradação, argumentou Hallak.

Sobre a prevenção do abuso destas substâncias, os expositores e debatedores concordaram que a família tem um papel fundamental tanto na educação primária dos jovens, quanto no acompanhamento de tratamentos médicos e psicológicos relacionados ao consumo de álcool e outras drogas. Thiago Teixeira ressaltou ainda que parte da educação familiar deveria ser acompanhada de perto por um médico, como, segundo ele, é usualmente praticado no Canadá. “Seria muito mais adequado se transferíssemos parte dessa educação sobre o consumo de álcool e drogas para o sistema de atendimento primário de saúde”, defendeu.