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Agroecologia como projeto de futuro

por Sylvia Miguel - publicado 23/09/2015 13:35 - última modificação 24/09/2015 14:44

Cenário institucional ainda é nebuloso para a educação em agroecologia. Mas avanços do setor são visíveis com o desenvolvimento de técnicas e o crescimento do número de produtores de produtos sem agrotóxicos.
Wilon Mazalla Neto, Sônia Maria Bergamasco, Beatriz Stamato e Valdemar Arl
A partir da esq.:Wilon Mazala Neto; Sônia Maria Bergamasco; Beatriz Stamato; e Waldemar Arl

A agricultura familiar representa no Brasil 84,4% da produção agrícola. O segmento teve grande incentivo com a criação da Lei 12.888, de 2010, que instituiu a política e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (Pronater). Porém, a vinculação dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) representa um retrocesso, pois reforça a visão de extensionismo agrícola feito com tecnologias centralizadas nos centros de pesquisa.

Essas ideias foram apresentadas pela professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Sônia Maria Bergamasco, durante seminário Diálogos sobre Educação em Agroecologia, realizado no dia 16 de setembro no IEA.

A modernização excludente da tecnologia agrícola propagada desde a chamada Revolução Verde da década de 1970 busca aumentos crescentes de produtividade. A agricultura convencional produz efeitos deletérios ao ambiente e mantém os produtores rurais dependentes de insumos, de tecnologias e de saberes externos ao seu meio, lembrou Bergamasco .

O modelo tradicional, baseado entre outros fatores na monocultura e uso intensivo de agrotóxicos, levou o Brasil a ocupar o primeiro lugar no ranking de uso de agrotóxicos, segundo dados da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela vida.

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Ao contrário disso, a agroecologia promove a sustentabilidade dos sistemas produtivos, inúmeros benefícios ao ambiente físico e social e a independência econômica do produtor, mostraram os expositores a partir de experiências de sucesso que vêm se expandindo em todo o país.

“Apesar dos avanços, o cenário institucional ainda é nebuloso no que se refere à educação em agroecologia”, disse Bergamasco.

Normatização dos cursos

Diversos arranjos institucionais vêm ajudando a promover a agroecologia no Brasil, especialmente nos meios acadêmicos, mostrou Fernando Silveira Franco, professor do curso de engenharia florestal da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de Sorocaba.

“A extensão rural convencional é mais difícil e mais cara. Por outro lado, há editais que proporcionam a possibilidade de implementar projetos acadêmicos e atender a demandas locais. Com isto, há centenas de famílias querendo trabalhar com agroecologia”, disse Franco.

O professor lembrou que a maioria dos sistemas florestais estudados nos cursos de engenharia florestal é voltada para eucaliptos. Há poucos cursos de agronomia com ênfase em agroecologia, devido a questões do credenciamento profissional, disse.

“Ainda é um desafio sistematizar e institucionalizar os cursos com ênfase em agroecologia e desenvolvimento rural”, afirmou. Ele citou os cursos de pedagogia da terra e agronomia para assentados com ênfase em agroecologia, oferecidos pela UFSCar desde 2009. Mas ressaltou que programas nessa modalidade existem por ações afirmativas de algumas instituições.

Beatriz Stamato, professora do curso de graduação em agroecologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), disse que une os conhecimentos em psicologia social e agroecologia na formação de “um novo profissional capaz de trabalhar na terra e de construir uma sociedade mais autônoma”.

“A ciência e a universidade são grandes aliados nos processos de transformação. Mas a ciência também está por trás da crise socioambiental, pois o desenvolvimento tecnológico atende ao capital. Queremos superar esse paradoxo e acredito que a agroecologia, com seu olhar transdisciplinar e plurimetodológico, é um caminho para conquistar isso”, afirmou Stamato.

Mirelle Gonçalves, Fernando Silveira franco e Rosiéle Cristiane Ludtke
A partir da esq.: Mirelle Gonçalves, Fernando Silveira Franco e Rosiélle Cristiane Ludtke

Experiência

Rosiéle Cristiane Ludtke, camponesa e mestranda no Programa de Pós Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural na Universidade Federal Fronteira Sul, mostrou como a agroecologia vem desenvolvendo propostas de desenvolvimento sustentável.

É uma visão que desafia superar a lógica do “técnico repassador” e cria a lógica da construção coletiva, colocando os agricultores como sujeitos principais do processo. O desenvolvimento de novas técnicas acontece horizontalmente. Os conhecimentos são repassados de produtor para produtor, disse Ludtke.

Militante no Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), onde coordena o coletivo de mulheres, Ludtke apresentou a experiência da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), localizada a 60 quilômetros de Curitiba (PR) e primeira escola de agroecologia de nível universitário no Brasil.

Em seu método pedagógico, a escola propõe alternâncias do educando entre escola e comunidade. Seus processos de autogestão buscam o preparo técnico de um novo profissional, disse.

“Os educandos e funcionários organizam e gerem a escola, que tem o trabalho como princípio educativo. A educação é voltada para a transformação social e cooperação e engloba as diversas dimensões do ser humano. Não visa a simplesmente formar técnicos, mas um militante técnico pedagogo educador”, disse.

Semente criola
Sementes crioulas: conquista dos saberes populares

Agrônomo e consultor na área de agroecologia, Valdemar Arl levou as experiências desenvolvidas com famílias do Sul e os desafios da metodologia participativa.  Nos diagnósticos para implantação de sistemas agroecológicos, constata demandas e objetivos bastante comuns em variadas regiões. Por exemplo, os altos custos de produção com insumos agrícolas, o baixo preço na venda do produto final e, ainda, a burocracia para financiamento de pequenos produtores.  Como objetivos, o desejo de autonomia econômica, social e cultural.

A implantação dos sistemas agroflorestais vem trazendo qualidade de vida para muitas famílias, atesta, e vem aumentando os espaços de comércios de produtos sem agrotóxicos, bem como a venda e troca de sementes crioulas.

“A transição agroecológica precisa aliar conhecimento acadêmico com o saber acumulado na prática dos agricultores”, disse.

O debate foi organizado pelo Grupo de Trabalho em Agroecologia e pelo Grupo de Pesquisa Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia.

Fotos (a partir do alto): Leonor Calazans e Cecília Bastos/USP Imagem