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Perfil demográfico da AL exige políticas para o desenvolvimento, indica painel

por Mauro Bellesa - publicado 19/06/2018 12:20 - última modificação 27/06/2018 10:00

Seminário "Bônus Demográfico na América Latina", realizado no dia 13 de junho, teve como expositores: Silvia Giorguli, presidente do Colégio do México; Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco Mundial; e Bernadette Waldvogel, da Fundação Seade.
Silvia Giorguli - 13/6/2018
Silvia Giorguli: "O que se passa nos mercados de trabalho da América Latina aponta o que vem pela frente"

Os países latino-americanos estão vivenciando o chamado bônus demográfico, situação em que o número de indivíduos com menos de 15 anos para de crescer, possibilitando a ampliação da população economicamente ativa, o que pode resultar em condições para maior desenvolvimento econômico.

No entanto, "o bônus demográfico não é automático, depende das condições do mercado de trabalho, empregos que permitam desenvolvimento individual e social, produtividade, investimento e, também, das condições macroeconômicas", alerta a socióloga e demógrafa Silvia Giorguli, presidente do Colégio do México (Colmex).

Ela fez essa ressalva no painel Bônus Demográfico na América Latina, realizado no dia 13 de junho. O evento também teve exposições da demógrafa Bernadette Waldvogel, da Fundação Seade, e do economista Otaviano Canuto, integrante do Conselho de Diretores Executivos do Banco Mundial, que participou via rede a partir de seu escritório em Washington, EUA.

Foi a segunda atividade do convênio firmado entre a USP e o Colmex em dezembro de 2017, o qual tem o IEA e a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani) como executores pela Universidade. No dia anterior, a pesquisadora mexicana proferiu a conferência Migração e Educação. Os dois eventos tiveram o apoio do Consulado Geral do México em São Paulo.

Incertezas

Silvia lembrou o acontecido em países asiáticos, "onde houve uma boa sinergia entre as mudanças demográficas e o crescimento econômico", e apresentou as dúvidas quanto ao processo latino-americano: "A região aproveitará o bônus ou ele se tornará um passivo? Como antecipar as necessidades em pensões e atendimento à saúde para uma maior população idosa?"

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Segundo ela, a América Latina já alcançou o seu máximo de população e o número de jovens já atingiu seu pico também, fazendo com que a perspectiva da taxa de dependência na próxima década seja a mais baixa da região em toda sua história. "Com o fim do crescimento no número de jovens, a desigualdade no acesso à educação fica mais fácil de resolver. Isso também fará crescer a população economicamente ativa até 2030/2040."

Criar a sinergia entre o bônus e o crescimento econômico depende de como se dará a participação econômica da população, afirmou. "O México está mal nesse aspecto. Uma das opções é incentivar a inserção de mulheres no mercado de trabalho e isso tem a ver com promover a educação, boas condições de vida, relação família-trabalho, horários flexíveis e responsabilidades domésticas compartilhadas." Para Silvia, um "bônus de gênero" pode refletir, em 2050, melhores condições para o país do que o próprio bônus demográfico.

Ela explicou que a América Latina tem um comportamento muito diferenciado em relação à ocorrência do bônus. "O Uruguai fez a transição primeiro, o México está na média da região e a Guatemala em último, mas mais num processo mais intenso do que os outros dois. Em 2030, os três países terão perfil demográfico similar." Um dos problemas mexicanos é que parte do bônus vai para os Estados Unidos. "Agora a migração diminuiu e temos condições de aproveitá-lo".

Silvia comentou que há outros fatores que podem interferir no bom aproveitamento do bônus, como a universalização e melhoria da educação, mas acredita que o fator mais importante são as características do mercado de trabalho na América Latina, caracterizado pelo alto grau de informalidade e rotatividade nos postos de trabalho. "O que se passa nos mercados de trabalho atualmente aponta o que vem pela frente."

Estado de São Paulo

Em contraponto à exposição de Silvia sobre a transição demográfica nos países latino-americanos, especialmente no México, Bernadette apresentou estudos sobre as perspectivas da dinâmica demográfica paulista para 2050 produzidos pela Grupo de Demografia da Fundação Seade.

Segunda ela, a fundação possui dados estatísticos produzido desde o final do século 19, quando foi criada a Repartição de Estatística e Arquivo do Estado, sua instituição de origem. "Recebemos cópias de todos os atestados de nascimento e óbito de São Paulo. A partir dos dados existentes desde os anos 40, temos desagregado as informações que permitem verificar o saldo vegetativo [nascimentos menos mortes] e o saldo migratório [imigrantes menos emigrantes]."

Bernardette Waldvogel - 15/6/2018
Bernadette Waldvogel: "Estamos em pleno bônus demográfico; precisamos observar o que a sociedade precisa fazer para se beneficiar dele"

Bernadette disse que as maiores taxas de crescimento da população paulista aconteceram nas décadas de 60, 70 e 80, "período em que a imigração teve maior peso". Depois dos anos 80, a taxa de crescimento passou a cair, atingindo apenas 12% na última década". A taxa atual deve-se apenas ao saldo vegetativo, que também vem diminuindo, devido à queda no número de nascimentos e aumento da mortalidade por envelhecimento. "A queda se verifica em todas as regiões administrativas do Estado."

Quanto à taxa de fecundidade paulista, que agora está 1,5 por mulher (menor que a taxa de reposição), a queda foi pronunciada desde 1970, quando era de 4,2, mas de forma descontinua, com períodos de pequena elevação. Em termos de expectativa de vida, o aumento também foi relevante no Estado, com acréscimo de mais nove anos, sendo atualmente de 73 anos para homens e 79 anos para as mulheres, de acordo com os dados da fundação.

Segundo Bernadette, houve uma forte queda na mortalidade infantil entre 1975 e 2016, sendo atualmente de 10,7 óbitos por mil nascidos vivos. Saneamento e queda nas infecções parasitárias e doenças respiratórias contribuíram para isso, explicou.  "No começo, a queda foi mais acentuada entre os pós-natais [depois de quatro semanas até um ano de idade] e depois foi passou a ser maior entre os neonatais [quatro primeiras semanas de vida]." No entanto, 30% das mortes acontecem na primeira semana de vida. "As mortes de neonatais indicam que precisam ser adotadas ações na área de saúde."

As projeções dos pesquisadores indicam que a população do Estado deve aumentar até 2040, atingindo 48 milhões, e depois começar a diminuir, pois o número de óbitos irá superar o de nascimentos, com a base da pirâmide populacional ficando cada vez mais estreita. Em 2050, a taxa de fecundidade será de 1,5, com a expectativa de vida de 79,1 para os homens e 84,2 para as mulheres. A idade média da população adulta será de 44 anos.

Segundo Bernadette, o número de indivíduos com menos de 15 aos vem diminuindo desde 2000 e voltará a ser o que era em 1970. A população com mais de 65 anos deverá superar a com menos de 15 anos na próxima década. A população entre 15 e 64 deverá crescer e passar a diminuir na década de 2040. Isso vai fazer com que a de mais 65 anos atinja seu patamar antes de 2100.

Ela afirmou que a população dependente paulista abaixo de 15 anos atingiu seu pico em 2015, portanto, "estamos em pleno bônus demográfico. É o momento de observarmos o que a sociedade precisa fazer para se beneficiar dele". Atingida a universalização da educação, "é preciso melhorar sua qualidade, o momento é importante para que a sociedade olhe para isso para se preparar para o futuro".

Perguntada por Silvia se a baixa fecundidade no Estado de São Paulo é um problema ou uma oportunidade, Bernadette respondeu que ela "é positiva se for aproveitada para diminuir os problemas, pois reduz a pressões, sobretudo na educação infantil, além de poder resolver problemas de saúde infantil, pois ainda que a mortalidade infantil seja baixa, ainda há muitas mortes de neonatais".

Indagada por Bernadette sobre o fato de a população mexicana ainda não ter redução de crescimento da população e a taxa de fecundidade ainda não ser tão baixa, Silvia explicou que a taxa de fecundidade atual é de 2,2 e "há problemas que vêm do passado", com a desigualdades entre as taxas rurais e urbanas e entre indígenas e não indígenas, além da gravidez adolescente, que apresentou aumento nos últimos sete anos.

Aposentadoria e saúde

Baseado em estudo sobre o bônus demográfico na América Latina publicado pelo Banco Mundial há dois anos, Canuto tratou das implicações fiscais das mudanças demográficas na região. O processo de rápido envelhecimento da população dos países latino-americanos exerce duas pressões no âmbito fiscal segundo ele: o crescimento das despesas com o sistema de saúde e o custo das aposentadorias do setor público.

Ele vê como distorções na maior parte dos países da região o fato de as pensões serem predefinadas e as contribuições previdenciárias estarem abaixo das tendências internacionais. "Em termo de idade para aposentadoria, os países estão em linha com a realidade internacional, menos o Brasil. Mesmo os países com contribuições predefinidas, as taxas de reposição estão abaixo do que seria socialmente aceitável. Isso vai colocar pressão sobre o sistema."

Canuto disse que o total da despesa brasileira com aposentadorias já equivale a um percentual do PIB (Produto Interno Bruto) semelhante ou superior aos percentuais dos países escandinavos ou do Japão. "Gastamos igual a quem tem, proporcionalmente, o dobro de população acima de 65 anos. Nosso sistema é muito generoso com grupos privilegiados que não têm idade mínima para se aposentar, há acúmulo de pensões de origem diversas, inclusive por morte, e outros benefícios."

Para ele, é natural que a aposentadoria seja menor do que a renda que serve de referência, "inclusive porque algumas despesas deixam de existir para o aposentado, como transporte e cuidados com dependentes". Na média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) a proporção da aposentadoria em relação ao salário da ativa é de 53%, mas no Brasil é de Brasil, 93%, de acordo com o economista.

No caso do sistema de saúde, ele disse que as despesas são elevadas em relação ao praticado em outros países emergentes, mas, ao mesmo tempo, "a cobertura das pensões e do sistema de saúde ainda é limitada, refletindo a baixa participação das mulheres na força de trabalho e a marca registrada do país: a informalidade".

"A América Latina tem de promover a participação na força de trabalho, sobretudo das mulheres, e implantar políticas para reduzir o trabalho informal."

Países como Chile e México, que possuem contribuições predefinidas e taxas de reposição baixa, precisarão elevar as contribuições ao sistema previdenciário, afirmou. "É importante também reduzir os benefícios em países com altíssimas taxas de rendimento, como Venezuela, Equador e Paraguai."

Ele destacou que a maior parte dos países latino-americanos se beneficiaria de aumentos graduais na idade de aposentadoria - em paralelo ao aumento na expectativa de vida -, acompanhado de aumento das contribuições, "sobretudo os casos agudos de Nicarágua, Costa Rica, Honduras e Guatemala".

Silvia apontou a Canuto que a América Latina é muito diversificada em termos de contribuições previdenciárias e acesso a serviços públicos. "Argentina e Uruguai tem os serviços mais universalizados, ao passo que setores do Brasil e México e outros países tem menos acesso a esses serviços."

Ele reconheceu que essa diversidade exigirá padrões diferenciados de reforma. "A agenda deve privilegiar o reajuste de pensões e contribuições de acordo com as circunstâncias de cada país. O desafio é a universalização do acesso aos serviços públicos."

Ainda sobre a exposição de Canuto, Bernadette também enfatizou a importância da formalização do mercado de trabalho para a manutenção do sistema previdenciário e levantou dois impactos do bônus demográfico no sistema de saúde: Pressão menor nos hospitais infantis e pressão menor no atendimento a idosos, que "costuma ser mais demorado e mais caro".

Para Canuto, o bônus é potencialmente positivo, mas se não for bem utilizado, pode virar um passivo demográfico. "No Brasil, estamos na metade do bônus e não estamos utilizando-o de melhor forma possível. Se a qualidade da educação estivesse melhor, a população ativa mais jovem estaria dando saltos de produtividades."

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP