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Em julgamentos de casos de aborto, violação de direitos é mais frequente entre mulheres negras e de baixa renda

por Beatriz Herminio - publicado 20/07/2022 16:25 - última modificação 26/07/2022 12:14

Pesquisa analisou 167 decisões judiciais envolvendo a acusação de aborto de 12 tribunais brasileiros. Resultado foi publicado no relatório do TrialWatch, coordenado por pesquisadoras do IEA

Capa do Relatório Aborto no BrasilNo Brasil, mulheres negras e de baixa renda apresentam maior probabilidade de serem acusadas pelo crime de aborto. Quando julgadas, são frequentemente violados seus direitos à privacidade, a igualdade de tratamento perante a lei e a não discriminação de gênero e raça, de acordo com uma pesquisa que teve seus resultados publicados no relatório do TrialWatch em julho deste ano.

Coordenado por Gislene Aparecida dos Santos, coordenadora do grupo de pesquisa nPeriferias do IEA, e Fabiana Cristina Severi, que participou do Programa Ano Sabático do IEA em 2021 e é professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, o projeto é uma iniciativa da Clooney Foundation for Justice e foi realizado em parceria com o Human Rights Institute da Columbia Law School.

Para realizar o estudo, a Clínica de Direitos Humanos das Mulheres (CDHM) da USP analisou 167 decisões judiciais envolvendo a acusação de aborto de 12 tribunais brasileiros, entre janeiro e outubro de 2021.

Na análise, apesar de os documentos legais não revelarem dados demográficos, constatou-se que em diversos julgamentos as mulheres eram descritas como de "origem humilde", enfrentando "dificuldades financeiras", "prostituta" e "viciada em drogas". Estereótipos de gênero e difamação, como "mãe cruel", "insensível" e "fria", por vezes utilizados por juízes na descrição das acusadas, violam seus direitos à presunção de inocência e o direito de serem julgadas por um tribunal imparcial, de acordo com os pesquisadores.

Gislene Aparecida dos Santos - Perfil
Gislene Aparecida dos Santos, coordenadora do grupo nPeriferias
Em muitos dos processos, constatou-se que as mulheres eram denunciadas pelos profissionais de saúde a quem recorriam após procedimentos malsucedidos. A pesquisa descobriu ainda que as confissões das mulheres – para médicos ou policiais – às vezes eram as únicas provas ou as provas primárias nos casos contra elas.


De acordo com o relatório, o uso dessa informação não só prejudicaria a legitimidade das decisões do tribunal, como também violaria os direitos da acusada. Ao serem entrevistadas pela polícia sem assistência jurídica, as mulheres podem se sentir coagidas a confessar, além de que, quando buscam cuidados médicos, esperam que a confidencialidade seja respeitada.

Os dados analisados pelos pesquisadores revelam que, nos últimos cinco anos, foram registrados cerca de 400 novos processos judiciais relativos ao crime do autoaborto ou aborto consentido, nos termos dos artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro.

Fabiana Cristina Severi - Perfil
Fabiana Cristina Severi, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP
No Brasil, o aborto inseguro leva à morte de mais de 200 mulheres a cada ano, e aproximadamente 50% das mulheres submetidas ao procedimento de forma insegura precisam ser hospitalizadas. Com a maior frequência estimada de abortos no mundo – feito por 44 a cada 1000 mulheres – o país apresentava, em 2020, 42 hospitais que realizavam abortos legais, ou seja, em casos de estupro, para evitar a morte da mulher e quando o feto é anencéfalo.

Autores

O relatório foi escrito pelos alunos Isabelle Fernanda dos Santos, Júlia Marçal Silva, Juliana Fontana Moyses, Luiza Barroso Pereira e Silva, Maria Eduarda Souza Porfírio, Patrícia Oliveira de Carvalho, Rebeka Lima Cavalcante, Renata Gonçalves Queiroz, Robert Augusto de Souza, Thaís Becker Henriques Silveira e Thainara Saiane da Silva José.

Gabriel Teixeira Alves, Jessica Suruagy Amaral Borges e a diretora do Projeto TrialWatch, Sarah Mehta, do Instituto de Direitos Humanos da Columbia Law School, prestaram assistência adicional em pesquisa, edição e na elaboração do relatório.

O Grupo de Pesquisa nPeriferias, do IEA, participou da pesquisa por meio de seu apoio à CDHM, uma parceria entre o Grupo de Pesquisas GEPPIS, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e o Laboratório de Direitos Humanos, da FDRP.

A TrialWatch tem como missão expor a injustiça, monitorando os julgamentos criminais contra as pessoas mais vulneráveis e defendendo os direitos de pessoas condenadas injustamente. O projeto tem o objetivo de utilizar os dados que recolhe para publicar um ranking de justiça global futuramente.