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Apesar de crescimento, pesquisa e investimento em anticorpos monoclonais no Brasil ainda se concentram na academia

por Vinícius Sayão - publicado 02/10/2017 16:20 - última modificação 03/10/2017 13:33

Segundo pesquisa de pós-doutorado da Faculdade de Medicina da USP, no Brasil, 56% das produções sobre monoclonais são concentradas no estado de São Paulo, seguido de Rio de Janeiro, com 30%. A maior parte é acadêmica, desenvolvida em universidades e institutos de pesquisa públicos

O gasto anual do governo federal com medicamentos, por meio do Ministério da Saúde, superou os R$ 7 bilhões em 2013, segundo pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz. Desse valor, 60% são destinados para medicamentos imunobiológicos, como anticorpos monoclonais e proteínas de fusão. Em 2006, o gasto com medicamentos foi de R$ 2,6 bilhões, enquanto que em 2010 já estava em R$ 4,1 bilhões.

Renan Leonel
Renan Leonel: “A produção brasileira está concentrada em áreas com histórico de excelência científica – imunologia, parasitologia, microbiologia, medicina tropical e doenças infecciosas”

Os anticorpos monoclonais (mAbs) são estudados por Renan Leonel em sua pesquisa de pós-doutorado na Faculdade de Medicina da USP, apresentada no IEA no dia 27 de setembro. Para ele, o crescimento do gasto está relacionado também com o papel do Brasil como importador. “Um quarto do déficit da balança comercial de alta tecnologia está concentrado na indústria farmacêutica", disse.

Entre os principais usos dos monoclonais está o tratamento de doenças como esclerose múltipla, linfomas, leucemia, doenças autoimunes, entre outras. Os mAbs são classificados como medicamentos imunobiológicos, juntamente com vacinas, alérgenos, hemoderivados, probióticos e biomedicamentos.

No encontro organizado pelo Observatório de Inovação e Competitividade (OIC), Leonel mostrou que, apesar do déficit na balança comercial do setor farmacêutico, a pesquisa sobre o assunto cresceu no Brasil ao longo das últimas duas décadas, baseado em dados do Web of Science. Em 1989, o país teve menos de 10 publicações sobre mAbs, número que em dois anos subiu para 50. O crescimento continuou até 2016, quando o número de publicações brasileiras sobre mAbs foi de 90.

Apesar disso, quando comparado ao mundo, o Brasil ainda está bem atrás. No ranking do número de publicações no mundo, por país e ainda de acordo com o Web of Science, entre 1983 e 2016, o país ocupa apenas a 19ª posição, contribuindo com menos de 1% das publicações totais. Os Estados Unidos lideram com 40,4% dos artigos, cerca de 85 mil. Não à toa, são dos americanos a maior parte dos lucros neste segmento: os EUA concentram 45% do total gerado a partir das vendas de mAbs, enquanto toda a Europa tem 40%. A Ásia ocupa o distante terceiro lugar, com apenas 10%, e os outros 5% são divididos por todo o resto do mundo.

Segundo a pesquisa, no Brasil, 56% das produções sobre monoclonais são concentradas no estado de São Paulo, seguido de Rio de Janeiro, com 30%. A maior parte é acadêmica, desenvolvida em universidades e institutos de pesquisa públicos. “A produção brasileira está concentrada em áreas com histórico de excelência científica – imunologia, parasitologia, microbiologia, medicina tropical e doenças infecciosas”, explica.

"Os dados mostram que temos áreas de expertise em mAbs que não eram previstas no início da pesquisa. Essa expertise pode indicar uma trajetória tecnológica viável para o Brasil, dada a tradição das instituições de pesquisa em saúde pública”, afirma o pesquisador.

Sobre os anticorpos monoclonais

Anticorpos monoclonais são imunoglobulinas derivadas de um mesmo clone de linfócito B, cuja clonagem e replicação acontecem diversas vezes, criando uma linhagem celular capaz de produzir uma fonte contínua do mesmo anticorpo para um antígeno específico. As respostas imunológicas a partir dos mAbs são mais eficientes do que as respostas geradas a anticorpos diferentes.

"Os medicamentos biológicos trazem um desafio enorme. As cadeias são gigantescas. Não são medicamentos vendidos em farmácia, possuem certo controle de órgãos de saúde para serem usados em hospitais e centros de saúde”, explica Leonel. Em comparação, os fármacos sintéticos possuem cadeias pequenas, mais fáceis de serem manipuladas.

Um ponto negativo é que os monoclonais têm alto custo de desenvolvimento, daí resultam seus altos preços. Exemplo disso é o Adalimumabe, um anticorpo monoclonal fornecido pelo SUS. Se adquirida no comércio, a embalagem com duas ampolas de 40 mg, suficientes para um mês de tratamento artrite reumatoide severa, custaria em torno de R$ 8.500,00.

"Os monoclonais já representam metade dos lucros da indústria farmacêutica global, justamente porque são voltados para o tratamento de câncer, artrite reumatoide, doenças neurológicas, ou seja, um espectro amplo de doenças consideradas complexas".

Dos 25 medicamentos mais vendidos no mundo, considerando todos os fármacos, nove são anticorpos monoclonais. Humira (nome comercial do Adalimumabe), um monoclonal, ocupa a primeira posição. Segundo Leonel, 80% dos lucros das empresas farmacêuticas foram com mAbs em 2014.

Foto: Leonor Calasans / IEA-USP