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O início da arte concreta e neoconcreta no Brasil

por Mauro Bellesa - publicado 30/11/2017 14:09 - última modificação 30/11/2017 14:09

O crítico de arte, curador, poeta e musico João Bandeira foi o expositor do encontro "Exposições 6: '1ª Exposição Nacional de Arte Concreta' e '1ª Exposição Nacional de Arte Neoconcreta', realizado no dia 28 de novembro, no IEA.
João Bandeira - 28/11/17
João Bandeira

A segunda metade do século 20 presenciou dois dos mais importantes movimentos das artes visuais e da poesia do país: o concretismo e o neoconcretismo. A origem comum teve início na 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, em dezembro de 1956, em São Paulo, repetida no Rio de Janeiro em fevereiro de 1957. A dissidência neoconcreta se consolidou em 1959, na 1ª Exposição Nacional de Arte Neoconcreta, no Rio de Janeiro.

As duas exposições foram o tema do sexto encontro sobre mostras de artes visuais que marcaram o panorama artístico brasileiro a partir dos anos 50. O evento fez parte do ciclo Cultura, Institucionalidade e Gestão, organizado pela Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, parceria entre o IEA e o Itaú Cultural, patrocinador da iniciativa.

Para falar sobre as duas exposições, a cátedra convidou o crítico de arte, curador, poeta e músico João Bandeira, atual coordenador do Espaço das Artes da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Ele tem se aprofundado no estudo dos dois movimentos e seus artistas há 15 anos. Martin Grossmann, coordenador do evento e da cátedra, lembrou que em 2006 Bandeira foi um dos curadores, ao lado de Lorenzo Mammì e André Stolarski, da exposição "Concreta 56 - A Raiz da Forma", que procurou reproduzir a mostra de 1956 cinquenta anos depois.

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Bandeira explicou que, por ser poeta, já lidava com o tema da arte concreta, mas em 2002, ao organizar um ciclo com quatro exposições sobre essa corrente artística, passou a pesquisar mais a fundo o tema, utilizando uma perspectiva histórico-analítica.

"Ao falar das exposições de arte concreta e de arte neoconcreta nos anos 50, estamos falando do mundo pós-Segunda Guerra, quando a geopolítica e as linhas de força culturais se dividiam entre os Estados Unidos e a União Soviética".

Com o processo de industrialização da segunda metade dos anos 40 e na virada para os anos 50, a classe média tornou-se relevante numericamente e é dela que vão sair os atores e consumidores da arte concreta e neoconcreto, comentou Bandeira.

"Em 47, tinha sido criado o Museu de Arte de São Paulo [Masp]. No ano seguinte surgiram o MAM [Museu de Arte Moderna] de São Paulo e o MAM do Rio. E em 51 é realizada, em São Paulo, a 1ª Bienal Internacional de Arte. Fora desses espaços, o circuito de arte era muito tímido, quase inexistente. Do mercado nem se falava."

1ª Exposição Nacional de Arte Concreta
Uma das salas da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo

Os dois MAMs e o Masp, mais do que armazenar e expor obras de arte, tinham a missão de educar o público sobre a arte contemporânea, disse Bandeira. "Os três promoviam cursos, mostras de cinema, recebiam artistas e intelectuais estrangeiros para conferências e mantinham intercâmbio com os Estados Unidos e a Europa."

A fermentação de ideias era continua e as discussões se davam em nível elevado, de acordo com ele. "Depois de cada bienal já se começa a falar da seguinte. As três primeiras apresentaram obras internacionais impressionantes, inclusive 'Guernica', de Pablo Picasso, na primeira."

"Em dez anos, o panorama artístico brasileiro mudou radicalmente", graças à atualização proporcionada pelo intercâmbio promovido pelos museus e pela bienal.

Em 1955, Juscelino Kubitschek assume a Presidência do país e o processo de industrialização se acelera. Nesse cenário, jovens artistas de São Paulo e Rio de Janeiro começam a se agrupar e tem início uma discussão acirrada entre figurativistas e abstracionistas, com o tema sendo debatido nos jornais, exposições e pontos de encontro de artistas, disse Bandeira.

O O figurativismo era defendido por artistas da velha guarda com enorme prestígio, como Portinari e Di Cavalcanti, vinculados ao Partido Comunista do Brasil (PCB), de acordo com o expositor. "Os jovens estavam mais interessados no novo, que era a arte abstrata, sobretudo a geométrica. Entre estes figuravam Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Hermelindo Fiaminghi e Luiz Sacilotto."

Os jovens de São Paulo, que ainda não eram um grupo concretista, fizeram uma exposição em 1952 chamada "Ruptura", na qual lançaram um manifesto contra o figurativismo. Os jovens do Rio de Janeiro, "boa parte deles alunos de Ivan Serpa no MAM-RJ", formaram o Grupo Frente. "Nos dois lugares os artistas atuavam como grupo mesmo, ao estilo das vanguardas europeias do início do século 20."

"Em São Paulo o grupo se associa aos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e a Décio Pignatari, que alguns anos depois vão passar a produzir o que chamaram de poesia concreta. No Rio de Janeiro, o Grupo Frente recebe o apoio de alguns jornalistas da área cultural."

O governo JK assume um discurso nacional-desenvolvimentista, dando sequência ao ideário proveniente do getulismo, afirmou Bandeira, que apresentou dados sobre o crescimento no período de vários setores industriais e da renda per capita.

"Esse quadro entusiasma a classes média das duas cidades e começa-se a acreditar que o país passara a ser pelo menos um interlocutor da tradição artística que todos admiravam."

Cartaz da "1ª Exposição Nacional de Arte Concreta", 1956
Cartaz

Na primeira metade dos anos 50 os dois grupos mantêm um intercâmbio considerável, com o compartilhamento de ideias em visitas mútuas e na correspondência. "O Rio ainda era a capital cultural, mas os artistas de lá, que tinham como padrinho ninguém menos que Mario Pedrosa, frequentavam os paulistas e vinham à bienal."

"Em 1956, as duas turmas de artistas visuais se entendem para organizar uma exposição de arte abstrata geométrica, com a preocupação de também exibir poemas de Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Ronaldo Azevedo, Wladimir Dias-Pino e Ferreira Gullar. Dias-Pino tinha uma concepção muito particular da arte concreta. Outro que corria na própria pista e fora colocado na condição de padrinho mais velho era o pintor Alfredo Volpi."

Realizada em dezembro de 1956, em fevereiro do ano seguinte a exposição já estava no MAM-RJ. Até o cartaz da exposição fugia ao convencional, com um trabalho tipográfico, sem firulas, feito com futura bold, uma fonte desenvolvida na esteira das concepções da Bauhaus, segundo Bandeira

Os conceitos da Bauhaus estavam sendo difundidos no Brasil graças a uma retrospectiva no MAM-SP, em 1951, do suíço Max Bill, ganhador no mesmo ano do primeiro prêmio de escultura da bienal. "Bill foi um dos fundadores da Escola de Design de Ulm, Alemanha, seguidora dos conceitos da Bauhaus, e influenciou muito os artistas concretos paulistas." Os artistas do Rio tinham interesse no trabalho desenvolvido pela psiquiatra Nise Silveira no Museu de Imagens do Inconsciente, que ela criará no então Centro Psiquiátrico Nacional, disse Bandeira. "Pedrosa teorizava sobre a relação da arte abstrata com a arte dos loucos e das crianças."

Bandeira frisou que os dois grupos estava juntos programaticamente, mas havia várias diferenças de origem. "Além disso, em cada grupo os integrantes também tinham seus projetos pessoais."

"Artistas e poetas tinham forte relacionamento e uns se inspiravam nos outros. Contavam com o "Suplemento Dominical" do "Jornal do Brasil", inovador, com diagramação moderna, muitos brancos e com conteúdo diversificado e relevante, como as traduções de poetas estrangeiros."

Os irmãos Campos e Pignatari lançaram a coletânea "Noigrandes" em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ferreira também apresenta o poema sequencial "O Formigueiro" nas duas cidades. "Gullar depois ficou escondido, abjurou sua fase concreta, chamou esse tipo de poesia de burguesa e ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB)".

Lígia Clark na 1ª Exposição Nacional de Arte Neoconcreta, 1957
Lígia Clark e sua obra "Unidades" na "1ª Exposição Nacional de Arte Neoconcreta", em 1959, no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro

Seis meses depois da exposição concreta no Rio de Janeiro, o racha entre paulistas e cariocas estava evidente no "Suplemento Dominical", afirmou. Segundo Bandeira, as versões mais disseminadas sobre a cisão dizem que Gullar classificou os paulistas de "cerebrais demais, acrescentando que os princípios matemáticos levariam a um beco sem saída". Para Gullar, "os neoconcretos trabalhavam com outros parâmetros, resolviam a obra de outra forma, de maneira fenomenológica, com o uso dos cinco sentidos".

Bandeira afirmou que 80% da bibliografia sobre a questão repete essa visão altamente parcial:  "Cristalizou-se a ideia de que os cariocas eram mais interessantes e que eles sim tinham se libertado dos parâmetros europeus".

Disse tender a concordar que a arte neoconcreta tem mais originalidade em relação aos parâmetros europeus que a arte concreta, "mas na exposição de arte concreta as obras eram mais bem resolvidas e executadas que as dos artistas cariocas, que ainda patinavam no abstracionismo". Dois ou três anos depois, os cariocas "chegam aonde queriam e prosseguem de forma vigorosíssima nos anos 60, com artistas de relevância como Amílcar de Castro, Lígia Papi, Lígia Clark e Hélio Oiticica".

O essencial para quem se interessa sobre a discussão sobre o início do movimento, a cisão e a influência dos dois grupos nas décadas seguintes é rever todo o aparato crítico, segundo Bandeira. "Não se deve jogar fora o que foi escrito, mas é preciso não se contentar com os textos mais conhecidos e louvados sobre a questão".

Referindo especificamente à poesia, encerrou com afirmação que fizera em 2006, quando da exposição "Concreta 56 - A Raiz da Forma": "Sorte nossa que sejamos descendentes dessas duas turmas".

Fotos (a partir do alto): Matheus Araújo/IEA-USP; Acervo de Hermelindo Fiaminghi; MAM-SP; autor desconhecido