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As medidas adotadas pela Austrália diante da Seca do Milênio

por Mauro Bellesa - publicado 14/04/2015 11:40 - última modificação 14/04/2015 13:44

A bióloga brasileira Silvia Serrao-Neumann fez conferência no dia 7 de abril sobre as medidas implantadas na Austrália em razão da Seca do Milênio.
Seca na Austrália - 07 de abril 2015
Os participantes do encontro (a partir da esq.): Maria da Penha Vasconcelos (debatedora), Wagner Costa Ribeiro, (coordenador), Silvia Serrao-Neumann (expositora) e Gabriela Marques Di Giulio (debatedora)

Assim como o sudeste brasileiro, que vive uma das piores secas de sua história, outras regiões do planeta têm apresentado eventos climáticos extremos nas duas últimas décadas. O estado da Califórnia, nos Estados Unidos, vive o quarto ano consecutivo de seca, situação que levou o governo a decretar a redução drástica de 25% do abastecimento de água, e o sul e o leste da Austrália padeceram de 1997 a 2009 com a Millennium Drought (Seca do Milênio), pior estiagem desde que as medições pluviométricas começaram a ser realizadas na região no início do século 20.

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A Austrália passa com regularidade por períodos de seca (que acarretam inclusive inúmeros incêndios florestais) e de inundação, sobretudo por influência do El Niño e da La Niña, fenômenos caracterizados pela alteração na distribuição da temperatura na superfície do Oceano Pacífico. O norte do país, por sua vez, é afetado todo ano pela temporada de ciclones. Essa frequência fez com que o país se acostumasse a dedicar especial atenção à medidas preventivas e mitigadoras das consequências dos fenômenos climáticos.

No entanto, a severidade inédita da Seca do Milênio  fez com que medidas usuais fossem reforçadas ou alteradas e novas medidas fossem implantadas. Essas mudanças foram particularmente necessárias na Região Metropolitana de Brisbane (capital do Estado de Queensland), que reúne 11 municípios e possui de 2,3 milhões de habitantes.

No dia 7 de abril, o IEA recebeu a visita da bióloga brasileira Silvia Serrao-Neumann, que mora há anos em Brisbane, para falar sobre como a região lidou com a Seca do Milênio e que procedimentos definiu para futuros eventos desse tipo. Silvia é professora visitante da Griffith University e pesquisadora do Cooperative Research Centre for Water Sensitive Cities, uma iniciativa interinstitucional e interdisciplinar do governo australiano para pesquisas sobre o gerenciamento da água.

As debatedoras do encontro foram Gabriela Marques Di Giulio e Maria da Penha Vasconcellos, professoras da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e pesquisadoras do Laboratório Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas Sociais em Saúde Pública (Liesp) da faculdade. A coordenação foi de Wagner Costa Ribeiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e integrante do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA. O evento foi uma iniciativa do grupo de pesquisa e do Projeto Fapesp Clima, Ambiente Urbano e Qualidade de Vida", com apoio do Liesp.

Peculiaridades

A expositora explicou que Brisbane é abastecida por três reservatórios, sendo que um deles tinha como função original não o abastecimento, mas sim a contenção da água que atinge a região em períodos de inundação. Outra peculiaridade local é o fato de os moradores preferirem morar em casas com jardins gramados na frente, que consomem muita água para manutenção, por isso uma das medidas das autoridades foi incentivar a troca da grama e espécies exóticas por plantas nativas, mais adaptadas a regimes de seca.

Do ponto de vista da gestão do abastecimento, durante a Seca do Milênio houve uma reformulação na administração das agências produtoras e distribuidoras de água. De acordo com Sílvia, antes, cada um dos 11 municípios tinha sua empresa de água, que foram agrupadas em apenas uma, para melhoria do gerenciamento do recurso em toda a região.

As autoridades determinaram que todas as novas casas a serem construídas deviam possuir uma reservatório de até 10 mil litros para coleta de água da chuva, a ser usada em vasos sanitários, lavagem de roupa e uso externo, como a rega de plantas e lavagens de quintal. A construção desses reservatórios contou com incentivos governamentais, bem como a troca de descargas de banheiros por outras com sistemas de 3 litros (líquido) e 6 litros (sólido), além de outros equipamentos para redução de consumo.

Silvia disse que algumas dessas medidas adotadas durante a seca estão sendo revertidas aos poucos, com alguns municípios voltando a ser responsáveis pela venda da água ou a desobrigação de construção de reservatórios para captação de água da chuva. No entanto, o resultado de todo o esforço resultou em posturas e programas permanentes, que incluem a concepção de gerenciamento de todo o ciclo da água, redução do consumo per capita diário para 140 litros e a importância de diversificação das fontes de água (subterrânea, chuva, reciclagem e dessalinização) e a adoção de seis níveis de restrição do consumo, o primeiro deles devendo ser adotado assim que o nível dos reservatórios baixe para 45% da capacidade.

Outras medidas incluem a construção de tubulações para reabastecimento de rios, instalação de reservatórios para manutenção de parques, clubes, escolas e outros espaços públicos, redução compulsória por parte da indústria e do comércio, benefícios para quem economiza água etc.

A debatedora Maria da Penha Vasconcelos afirmou que as condições de acesso à água no Brasil são marcadas pela desigualdade social e diferenças de classe e perguntou à expositora se essas questões eram um problema na Austrália. Silvia respondeu que nesse ponto não havia termo de comparação, pois "90% da população são de classe média", ainda que haja relativo aumento do empobrecimento de algumas parcelas da sociedade e o custo de vida esteja subindo.

Outra pergunta feita por Maria da Penha foi se a mobilidade migratória em função das mudanças climáticas é discutida na Austrália. A expositora disse que como o sul do país sofrerá mais, alguns defendem que a população deva migrar para o norte: "Pensa-se na mudança das capitais e atividades econômicas, só que no norte há o risco dos ciclones".  Em relação às condições futuras de vida da população, há ainda outro componente preocupante, segundo ela, que é a concepção do governo de que a população da Austrália deveria dobrar.

Gabriela Marques De Giuglio, a outra debatedora, quis saber de Silvia como a população de Brisbane e região foi convencida a mudar seu comportamento em relação ao consumo da água. Silvia respondeu que foram fundamentais não só as campanhas na mídia, mas também as ações na área administrativa, envolvendo lideranças políticas, escolas, feiras de conscientização e outras iniciativas. Além disso, disse que havia uma natural vigilância de grupo, com vizinhos monitorando o uso da água uns dos outros.

Foto: Leonor Calazans