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Campo de ação de prefeitos é limitado por centralização do poder

por Vinícius Sayão - publicado 14/08/2017 15:55 - última modificação 16/08/2017 17:30

Com a concentração de autoridade e de arrecadação nas mãos da União, ação dos gestores municipais se restringe apenas a execução de políticas já estabelecidas pelo governo federal
Marta Arretche
Marta Arretche: "Qualquer nova política pública tem que ser feita com a receita que já existe"

O modelo político atual adotado no Brasil favorece a concentração do poder na esfera nacional, ou seja, nas mãos da União. O reflexo disso nas cidades é que o campo de ação dos prefeitos fica limitado apenas à execução das políticas já estabelecidas pelo governo federal, inibindo a capacidade de inovação dos gestores. Os municípios não podem, por exemplo, atribuir taxas:  “Qualquer nova política pública tem que ser feita com a receita que já existe”, explica Marta Arretche, do Departamento de Ciência Política da USP e diretora do Centro de Estudos da Metrópole.

Convidada pelo USP Cidades Globais a falar no IEA no dia 10 de agosto, Marta explicou que, no modelo brasileiro, a União concentra a autoridade para legislar e a maior parte da arrecadação, como o Imposto de Renda (IR) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). Em seguida, redistribui para estados e municípios em determinadas fatias. Segundo Marta, esse modelo desfavorece as regiões metropolitanas e suas cidades dormitórios, “já que as verbas federais não são redistribuídas conforme as necessidades de cada município”.

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Os impostos municipais se resumem ao Imposto Sobre Serviços (ISS), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) – contra um total de 12 impostos federais. Pela Constituição de 88, uma cidade não pode atribuir outra taxa. Não pode, por exemplo, cobrar determinado valor para destinar à educação, “mesmo que, hipoteticamente, toda a população esteja disposta a pagar, pois isso é inconstitucional”, explica Marta.

Além disso, é privativo à União legislar sobre alguns setores, como a energia e saúde. No caso da energia, as companhias são estaduais, porém elas devem cumprir a legislação federal. Em relação à saúde, a lei estabelece que 15% da receita do município seja utilizada na saúde, mas, como exemplifica Marta, cada cidade tem necessidades diferentes: São Caetano do Sul, por exemplo, possui mais de 80% da população com plano de saúde particular, ou seja, a grande maioria dos habitantes não utiliza o sistema público. Assim, caso tivesse autonomia, o município poderia dedicar ao Sistema Único de Saúde menos que os 15% obrigatórios por lei, sem prejuízos à qualidade, e usar o restante da verba para outras áreas críticas.

Apesar do poder limitado, Marta ressalta que os gestores têm responsabilidades importantes e que podem ser decisivas para o sucesso ou fracasso de um programa. Cabem aos prefeitos as decisões de como utilizar os recursos disponíveis, de escolher os locais onde serão construídos hospitais, escolas, entre outras instalações municipais. Mesmo assim, conforme averiguou uma pesquisa feita pela equipe de Marta, 54% dos brasileiros acredita que as ações federais são as que mais afetam sua vida. Na mesma pesquisa, um terço dos entrevistados afirmou preferir que a tomada de decisões continue em um poder centralizado.

A dificuldade de se encontrar um meio-termo entre o poder das cidades e da União é o trade-off entre igualdade e autonomia. Marta explica que ao centralizar a decisão, a União pretende manter os municípios com o mesmo padrão e, consequentemente, diminuir a desigualdade entre eles. Caso eles tivessem mais autonomia, a tendência seria o crescimento da desigualdade entre as cidades. “O modelo atual faz com que sistemas básicos sejam desenvolvidos de maneira mais igual. Reduz a desigualdade, embora não alinhe as necessidades”, diz a cientista política.

Foto: Leonor Calasans / IEA-USP