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Coautora de estudo, pesquisadora do IEA fala sobre artigo que prevê possível colapso da Amazônia em 2050

por Breno Queiroz - publicado 19/02/2024 14:40 - última modificação 26/02/2024 11:17

Volume 626 da revista Nature
Capa da revista Nature ilustrando o estudo liderado por cientistas brasileiros sobre a devastação na Amazônia.

Um estudo liderado por cientistas brasileiros, publicado no dia 14 de fevereiro na revista Nature, aponta que nos próximos 25 anos a floresta amazônica pode perder sua capacidade de regeneração. Mesmo em cenários mais otimistas, a tendência é de uma catástrofe ambiental.

Carlos Nobre, pesquisador colaborador do IEA e coautor desta pesquisa, estabeleceu em 2018 o “ponto de não retorno” em 20%-25%. Nesta pesquisa, os autores projetam que com um desmatamento de apenas mais 10% do território amazônico (somados aos 15% atualmente desmatados) e com o volume de chuvas previstos para a próxima década, o colapso da floresta pode ser atingido já em 2050.

Nathália Nascimento, pós-doutoranda do IEA, doutora em Ciência do Sistema Terrestre (CST) no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), é outra coautora do estudo. Como uma amazônica que acompanhou de perto a elaboração dos resultados, ela acredita que os produtos da pesquisa vão “muito além de um trabalho científico”, compreendem com integridade “uma ameaça real à nossa sobrevivência”.

Acompanhe uma explicação em detalhes desse estudo, na entrevista com Nathália Nascimento a seguir:

IEA | Pode detalhar e contextualizar como é a dinâmica do ecossistema amazônico?

NN | Para compreender isso, é crucial considerar a floresta como um sistema no qual seus elementos estão altamente interconectados. Por exemplo, embora os solos da Amazônia não sejam geralmente considerados os mais férteis do mundo, ainda assim, ela abriga uma das florestas mais exuberantes do planeta. Isso se deve ao processo de ciclagem de nutrientes, no qual o material proveniente da vegetação, como folhas e galhos, se decompõe e fornece matéria orgânica que enriquece o solo. Por sua vez, esse solo nutrido alimenta a vegetação em um ciclo que sustenta a floresta, mantendo-a viva e saudável.

Outro exemplo significativo, talvez o mais conhecido quando se trata da Amazônia, diz respeito à ciclagem da água. Nesse processo, a água absorvida do solo pelas árvores é transferida para a atmosfera através da evapotranspiração, que ocorre durante a fotossíntese. A água evaporada contribui para manter a alta umidade no interior da floresta, parte da qual se condensa em nuvens nas camadas superiores da atmosfera, retornando à floresta na forma de chuva. Outra parte da água é transportada para outras regiões do continente sul-americano. Além da água, fundamental para a manutenção da floresta, a precipitação carrega nutrientes atmosféricos importantes para o solo e, consequentemente, para o crescimento das árvores.

Esses ciclos funcionam devido a uma combinação de fatores que criam condições ideais para a continuidade desses processos, representando feedbacks que alimentam o sistema. Entre esses fatores, destacam-se a temperatura, a frequência de chuvas, a umidade e a estrutura da floresta, entre outros.

IEA | Quais mudanças esses processos sofrem? Quais fatores estão associados para contribuir nessa mudança?

NN | Esses processos ou ciclos são perturbados quando algum dos seus feedbacks ou fatores que contribuem para a sua manutenção é alterado. Por exemplo, as árvores altas na Amazônia possuem raízes muito profundas, o que garante o fornecimento de água e a produção de umidade mesmo em períodos secos. No entanto, quando a duração desse período é prolongada (o que é esperado como efeito das mudanças climáticas), as árvores não conseguem manter esse processo e podem morrer. Outro feedback está relacionado à estrutura da floresta: florestas fragmentadas são mais vulneráveis aos efeitos das bordas, aumento da temperatura e diminuição da umidade, tornando-se mais inflamáveis. Esse novo ambiente, mais quente e seco, tende a favorecer espécies mais adaptadas, iniciando um processo de mudança nas características dessa floresta. O ponto de não retorno é o que ocorre quando a floresta não consegue mais retornar ao seu status anterior.

IEA | Como é possível o estudo estipular uma data específica para a floresta atingir o “ponto de não retorno”?

NN | Na verdade, não se estabelece uma data específica, mas sim as condições que podem levar a esse ponto de inflexão. Em nosso estudo, por exemplo, destacamos que o limiar para a floresta evitar o ponto de inflexão seria manter a temperatura abaixo de 1.5ºC, com precipitação acima de 1.000 mm. Para os ecossistemas de várzea, que cobrem 14% do bioma florestal, esse limiar foi estimado em 1.500 mm de precipitação anual e um déficit hídrico máximo acumulado de 450 mm, com um limite crítico de oito meses de duração da estação seca. Alguns modelos também sugerem que um desmatamento de 20% na bacia amazônica, associado a um cenário de alta emissão de gases de efeito estufa, também desencadearia esse processo. Em nosso estudo, propusemos um limite seguro de desmatamento acumulado de 10% da cobertura original do bioma florestal, o que requer o fim do desmatamento em grande escala e a restauração de pelo menos 5% do bioma. Em resumo, estimamos um cenário de precipitação anual para 2050 e o combinamos com outros feedbacks, como mudanças nas estações secas e ocorrência de secas extremas, além do desmatamento. O resultado foi um panorama que mostra que até 2050, entre 10% e 47% das florestas amazônicas estarão expostas a perturbações agravadas, capazes de desencadear transições inesperadas nos ecossistemas e potencialmente agravar as mudanças climáticas regionais. Isso significa que a intensificação de feedbacks, como desmatamento e secas, pode acelerar esse processo antes de 2050.

Nathália Nascimento
Pesquisadora do IEA, Nathália Nascimento estudou região em que tem vivências e conexões

IEA | Qual foi sua reação com os resultados da pesquisa? Qual reação você espera das pessoas ao lerem esses resultados?

NN | Eu me dediquei bastante à etapa de produção, organização de dados e mapeamento. Portanto, acompanhei de perto a elaboração dos resultados e de cada mapa. Como alguém da Amazônia, fiquei profundamente alarmada porque, enquanto muitas pessoas consideram apenas os valores e as porcentagens das áreas a serem afetadas no futuro, eu conseguia estabelecer conexões entre cada região com alta probabilidade de atingir o ponto de não retorno, com as cidades, com a história de cada região e com as pessoas que lá vivem, reproduzindo seus modos de vida. A perspectiva de uma amazônica diante de um estudo como este é desesperadora, pois vai muito além de um trabalho científico; é uma ameaça real à nossa sobrevivência.

Eu espero que as pessoas, ao lerem este estudo, percebam o quão crucial é ter consciência da gravidade da situação e reconheçam que este é o momento de defender a permanência e a saúde da floresta como essenciais para o próprio bem-estar e das futuras gerações. E isso deve ser feito exigindo que as leis de proteção das florestas sejam cumpridas, que os Povos Indígenas e as populações tradicionais da Amazônia tenham seus direitos territoriais garantidos e que restauremos com urgência as florestas degradadas e as áreas desmatadas na região amazônica.

IEA | Que futuro podemos esperar para a Amazônia se não for possível reverter as tendências atuais?

NN | Estudos já indicam que a região amazônica está emitindo mais carbono do que está sendo sequestrado, o que representa um grande impacto no sistema climático global, considerando que as florestas tropicais são os maiores sumidouros terrestres de carbono.

Além disso, esses estudos apontam para o aumento da estação seca e da temperatura no sudeste da região, especialmente na área de transição entre cerrado e Amazônia. Também tem sido observada uma redução nas chuvas e um aumento na frequência e intensidade de eventos de seca. A seca mais recente colocou a população ribeirinha do estado do Amazonas em uma situação de insegurança alimentar e hídrica. Esses são indícios de que a Amazônia já está enfrentando perturbações significativas. Se essa tendência persistir, espera-se que ocorram impactos significativos não apenas na biodiversidade da região, mas também em mudanças climáticas locais e no ciclo hidrológico, com importantes repercussões econômicas e sociais.

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