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Como chegamos às notações de anos, meses, horas e dias

por Sylvia Miguel - publicado 22/03/2016 16:10 - última modificação 24/03/2016 14:39

A prudência nos registros e na articulação do tempo era algo indispensável na criação de narrativas históricas, numa época em que não havia um calendário unificado.
Yoshiyuki Suto

Yoshiyuki Suto, da Nagoya City University.

O mundo helenístico, tido como a era mais antiga de globalização na história da humanidade, foi abordado na conferência Articulating Time in the Hellenistic World, ministrada pelo professor de história antiga e docente do Centro do Patrimônio Cultural e de Textos da Nagoya University, Yoshiyuki Suto.

Foi durante o florescimento de uma sociedade multicultural que se impôs a necessidade de sincronizar calendários, bem como padronizar registros documentais e a datação de eventos históricos. “O ajuste do tempo esteve estreitamente relacionado com o senso de estabilidade social”, disse Suto, durante a  Intercontinental Academia (ICA).

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Realizada de 6 a 18 de março em Nagoya, Japão, a segunda fase da ICA reuniu cientistas de diversas áreas e 13 jovens pesquisadores selecionados para desenvolver estudos sobre o tema “tempo”. O conteúdo das pesquisas subsidiará os estudos dos jovens participantes da ICA na criação de um Massive Open Online Course (Mooc).

Suto participou das exposições do dia 10 de março, dedicadas à área de Humanidades e Ciência Sociais. Nesse dia também participaram Yasuhira Kanayama, da Nagoya City University, Sami Pihlström, da University of Helsinki, Chun-chieh Huang, da National Taiwan University, Kirill O. Thompson, da National Taiwan University. As mesas foram presididas por Takaho Ando, Chubu University.

“Convencionamos usar unidades de tempo como horas, minutos, segundos, dias, para expressar o tempo. Mas nem sempre paramos para pensar sobre a origem desses marcadores”, disse Suto.

A partir da observação das estrelas, os egípcios foram os primeiros a contar períodos anuais e também pioneiros em criar 12 subdivisões de tempo baseadas nas estações. O historiador e geógrafo grego Heródoto escreveu no ano 3 a.C. sobre essa habilidade dos chamados “mestres do tempo”.

“Seus cálculos são mais precisos que os dos gregos; os gregos adicionaram um mês intercalar a cada dois anos, de modo que as estações coincidissem. Mas os egípcios contaram 30 dias para cada um dos 12 meses, adicionando cinco dias ao total de cada ano e, assim, o círculo completo das estações coincide com o calendário”, escreveu Heródoto.

Estudioso da Grécia e Egito antigos, o palestrante vem se especializando na história do Egito sob o domínio ptolomaico. “Chama a atenção não apenas os conhecimentos avançados dos egípcios, mas também a característica única daquele momento. Durante o helenismo aconteceu a primeira era da globalização na história da humanidade.  A criação dos enormes impérios e a divisão em grandes reinos caracteriza um momento totalmente diferente do anterior”, lembrou.

Durante esse período, marcado pelas expedições de Alexandre, o Grande, para a Ásia, ou pela primeira invasão de Roma na Grécia do Leste, bem como pela difusão da língua grega, os anúncios públicos e eventos históricos precisavam ser registrados, muitas vezes, em mais de um tipo de grafia ou língua e com os calendários adotados por diferentes povos, disse Suto.

Eram comuns documentos públicos referenciando reinados, bispados e outros fatos históricos, e trazendo notações de calendários sumério e egípcio, ou grego e egípcio, por exemplo, para que não houvesse engano sobre a data ou o fato que se queria retratar.

Assim, a sincronização do tempo se impunha. Para datar documentos, alguns pontos de referência importantes foram usados, como a Guerra de Troia, o Dilúvio de Deucalião (o Noé grego), ou o Retorno dos Heráclidas. Uma série cronológica mais explícita foi criada a partir dos Jogos Olímpicos de Atenas.  “O novo benchmark era baseado na lista dos vencedores olímpicos”, disse Suto.

Para mostrar como evoluiu a sincronização do tempo entre os diferentes povos da antiguidade, Suto introduziu dois conceitos básicos relacionados ao tempo na história. O primeiro conceito contrapõe tempo progressivo e tempo recorrente, sendo o primeiro ligado a uma cadeia linear de eventos entre o passado, o presente e o futuro; o outro, marcado por um ciclo de eventos repetidos de períodos em períodos, como as colheitas, as celebrações e assim por diante, disse.

O segundo conceito de tempo contrapõe tempo natural e tempo humano, sendo o primeiro relacionado aos fenômenos astronômicos e da natureza e o outro, às articulações culturais e à própria interpretação do tempo natural.

Mesmo nas sociedades antigas, o tempo natural coincidia com as celebrações e necessidades humanas como colheita e plantio, por exemplo. Mas foi durante o período helenístico que ocorreu a definição do começo e do fim de unidades cronológicas básicas, bem como a sincronização dos diversos tempos humanos e a formas de denotar o tempo humano na vida diária, disse.

Não havia uma forma de articular uma unidade de tempo que compreendesse mais de um ano. Além disso, havia dificuldades de diferenciar um ano do outro num tempo cronologicamente progressivo. Inicialmente, a forma que os antigos encontraram de fazer isso foi dando a determinado ano o nome de um magistrado ou de um padre eleito. “Isso certamente evitou muitas confusões, mas não era prático, pois essas referências não davam uma noção de sequência relativa em relação aos fatos”, contou.

Mas essa notação felizmente progrediu nos reinos helenísticos e em especial no Egito ptolomaico, o mais próspero e duradouro dos reinos helenísticos. Um sistema alternativo se tornou mais conhecido, que  convencionou contar o ano a partir da sucessão do trono de cada rei. Por exemplo, o ano da coroação de Ptolomeu I (305-4 AC) ficou chamado de Ano I de Ptolomeu do Egito.

O estabelecimento do conceito de anos regulares não apenas contribuiu para a identificação de um determinado ano, mas também para a articulação de períodos mais longos. “Permitiu articular o tempo progressivo com o respectivo período dominado por cada rei”, disse.

Isso ficou demonstrado na lista de reis grafada sobre um longo papiro, com os nomes de 300 reis. O documento, intitulado Turin Royal Canon, data da época de Ramses II e traz o exato período de duração de cada reino. Mas não se sabe por que, trata-se da única lista de reis do período faraônico.

Ptolomeu II, co-regente do pai, Ptolomeu I Sóter, introduziu mudanças no calendário de então. Tentou prolongar o ano de seu reinado, considerando o período que foi co-regente. “A razão disso é desconhecida, mas acredita-se que foi uma tentativa de prolongar também a sua autoridade sobre os legisladores de outros reinados”, disse Suto.

Afinal, o sistema de anos regulares contados a partir do ano em que um novo rei sucedia o anterior  resultou numa forma conveniente de determinar o início e o final de cada período, disse Suto.

A característica marcante da fase helenística, portanto, não foi só a integração estrutural e cultural do reino. Houve também a importante sincronização do tempo que, em períodos anteriores, era localmente separado nas diversas partes do reino, disse.