Precisamos seguir o exemplo dos países que conseguiram frear o coronavírus, dizem pesquisadores da USP
A reunião, organizada pelo Programa USP Cidades Globais, foi restrita a convidados, mas transmitida ao vivo pelo site do IEA [assista a gravação completa]. Entre os participantes, estavam Paulo Saldiva, diretor do IEA e professor da Faculdade de Medicina; Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências, e Arlindo Philippi Jr, da Faculdade de Saúde Pública, coordenadores do Cidades Globais; Guilherme Ary Plonski, vice-diretor do IEA e eleito diretor para a próxima gestão; Paolo Zanotto e Marília Seelaender, ambos do Instituto de Ciências Biomédicas da USP; Hernan Chaimovich e Walter Colli, ambos do Instituto de Química da USP; Jorge Kalil e Edecio Cunha Neto, ambos da Faculdade de Medicina; e Carlos Andrés Hernández Arriagada, arquiteto e pesquisador do Cidades Globais.
Reunião sobre medidas de mitigação do covid-19 |
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O vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, foi identificado no início de janeiro na China e espalhou-se por mais de 120 países. Até agora, causou a morte de cerca de 7 mil pessoas. “Como os sintomas podem demorar até 15 dias para aparecerem, ele se torna um vírus muito associado a fatores demográficos e ao transporte coletivo”, disse Paulo Saldiva, que participou da reunião via Skype. “Uma pessoa contaminada pode embarcar em um avião e descer no aeroporto sem apresentar sintomas, mas está trazendo o vírus de fora”.
Paolo Zanotto, que há décadas pesquisa vírus emergentes como zika, dengue, chikungunya e febre amarela, defendeu que para lidar com esse risco o Brasil precisa agir como o Japão e Cingapura, onde as intervenções não farmacêuticas limitaram a taxa de crescimento da doença, mantendo-a abaixo do limite operacional do sistema de saúde.
Nesses países, Zanotto explicou, as decisões foram tomadas com rapidez, quando os casos de infecção ainda eram pontuais. Na Itália, onde o governo demorou muito para agir, a reação começou quando já havia epicentros de infecção, e a doença passou a crescer exponencialmente. É o que o pesquisador chamou de “case, case, cluster, cluster, boom!”. Após a fase de epicentros de contaminação — os “clusters” —, o sistema de saúde de um país pode entrar em colapso por conta do número muito grande de casos para lidar — o “boom”. Foi o que ocorreu na Itália.
As duas principais intervenções não farmacêuticas são a testagem molecular intensa e o isolamento de portadores e seus contatos. “Trata-se de uma testagem rigorosa, e em caso positivo, isolar imediatamente o paciente”, disse Zanotto. “O distanciamento social também é importante, evitando aglomerações, fechando escolas, ou pelo menos tornando a presença dos alunos facultativa, e incentivando o trabalho em casa quando isso é possível”.
Jorge Kalil, da Faculdade de Medicina, também reforçou a necessidade do distanciamento social. “Nós precisamos parar, dar uma janela. Ontem (quarta-feira), o São Paulo não poderia ter jogado com 40 mil pessoas no estádio. Hoje (quinta-feira) à noite, não deveria ter o jogo do Grêmio contra o Internacional no Rio Grande do Sul. Temos que tomar a precaução de isolamento agora, porque depois não vai adiantar”.
Zanotto disse que há uma percepção, para o governo, de que as medidas preventivas interromperiam todas as atividades do estado de São Paulo. “Não estamos falando de um botão de ligar e desligar, que ‘fecharia’ o estado. Não seriam decisões simplórias. É mais complexo que isso. É uma questão de ‘desadensar’ as atividades”, disse.
No caso da USP, por exemplo, o virologista sugeriu que cada instituto poderia analisar suas particularidades e, com base nas informações divulgadas das formas de transmissão da doença, tomar a decisão que considerasse mais adequada. Entre essas particularidades, estão, por exemplo, o número de pessoas que circulam diariamente no espaço e a necessidade, ou não, da presença dos alunos nas salas de aulas. “Com presença facultativa e transmissão ao vivo, já poderíamos diminuir o número de pessoas no mesmo ambiente. Sem o cancelamento da aula”.
Isolamento social
Marcos Buckeridge, que divide a coordenação do Programa USP Cidades Globais com Arlindo Philippi Jr, ponderou que colocar em prática um esquema rigoroso de isolamento social em uma cidade como São Paulo não será uma tarefa simples. “O Cidades Globais sugeriu este debate porque estamos tratando de um ambiente urbano com sistemas muito complexos”, disse. “Por isso, a discussão vai além da medicina e do vírus em si. Há uma multiplicidade de efeitos a se considerar”.
Philippi complementou que um desses efeitos é o econômico, ao citar o caso de brasileiros que não têm um emprego com renda fixa e dependem de um esforço diário para garantir seu sustento. “Se esse indivíduo não sair na rua para ganhar a renda do dia, ele não comerá à noite. Há uma quantidade imensa de pessoas assim no país. Isso também precisa ser pensado quando falamos do isolamento social, porque dependendo da decisão tomada, o sofrimento destas pessoas pode ser ainda maior”.
Para ilustrar a complexidade e os riscos de transmissão da capital paulista, o arquiteto Carlos Andrés Hernández Arriagada, pesquisador do Cidades Globais, mostrou aos pesquisadores um estudo de caso que fez sobre o bairro paulistano do Brás.
Segundo ele, em média 25 mil pessoas frequentam a “feirinha da madrugada”, uma feira de roupas a céu aberto que ocorre no bairro semanalmente. Arriagada calculou que, em seis horas, todas essas pessoas poderiam ser expostas ao vírus — bastaria que apenas 2 ou 3 pessoas contaminadas fossem à feira.
Outro caso estudado foi da favela de Paraisópolis, onde moram hoje cerca de 100 mil pessoas. Pelo adensamento característico de comunidades carentes, a transmissão ali seria ainda mais rápida e, segundo Arriagada, o sistema de saúde da região — incluindo o Hospital Albert Einstein, no Morumbi — não conseguiria dar conta de atender pacientes no caso de uma transmissão sem controle.
Ao encerrar o debate, Guilherme Ary Plonski, vice-diretor do IEA e eleito diretor para a próxima gestão, lembrou que, no momento, já passamos de um nível de risco para um nível de incerteza. “O risco nós conseguimos dimensionar. A incerteza, não. É uma situação menos tranquila. Por isso, a nossa abordagem precisa ser diferente”.
Fotos: Leonor de Calasans/IEA-USP