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Conscientização sobre riscos globais deve ser componente da educação científica, diz pesquisador

por Mauro Bellesa - publicado 10/05/2019 13:25 - última modificação 25/07/2019 10:31

Maurício Pietrocola, professor da Faculdade de Educação da USP participante do Programa Ano Sabático do IEA em 2019, desenvolve no Instituto a pesquisa Educação Científica e Sociedade de Risco.

Maurício Pietrocola Pinto de Oliveira - 10/5/19
Maurício Pietrocola: ''A conscientização sobre riscos deve passar do nível local para o global''

Apesar das carências e desigualdades em muitas sociedades no acesso aos benefícios propiciados pelo desenvolvimento científico e tecnológico, grandes parcelas da humanidade desfrutam, em graus diversos, de melhorias significativas na qualidade de vida. Muitas dessas melhorias, no entanto, dão-se a custos elevados em termos ambientais, sociais e até culturais.

Isso sem falar em consequências muito mais sérias. A pesquisa sobre o núcleo atômico e o consumo de combustíveis fósseis, por exemplo, levaram a dois riscos civilizatórios: a possibilidade sempre presente de um conflito nuclear e as mudanças climáticas devido ao aquecimento global provocado pelos gases efeito estufa.

É notório também que a consciência sobre as implicações negativas de muitos dos hábitos de consumo e comportamento, como o uso indiscriminado de plásticos e automóveis ou o consumo exagerado de carne, tem crescido em parcelas significativas da população nas últimas décadas.

“O problema é que as pessoas ainda se preocupam basicamente com os impactos negativos no plano individual e local, sem considerar a inter-relação de todos os fatores em escala global”, afirma o educador Maurício Pietrocola, professor da Faculdade de Educação da USP participante do Programa Ano Sabático do IEA em 2019.

Educação científica

Pietrocola desenvolve no IEA o projeto Educação Científica na Sociedade de Risco. O objetivo é identificar como os estudantes do ensino básico podem ser despertados para a percepção dos riscos inerentes ao desenvolvimento científico e tecnológico, não só do ponto de vista local, mas também em conexão com aspectos globais. “Os jovens devem ser capazes de perceber os riscos, ter consciência de suas causas e implicações e estar aptos a adotar ações que contribuam para minimização desses riscos, não só no plano do indivíduo ou local, mas também no âmbito do planeta.”  Para que isso seja atingido, será preciso adequar a formação de professores e os currículos, afirma o pesquisador.

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O arcabouço sociológico utilizado por ele para caracterizar o período atual da humanidade como o de uma “sociedade de risco” baseia-se, sobretudo, nas formulações dos sociólogos Ulrich Beck (1944-2015) e Anthony Giddens.

No prefácio de “Modernização Reflexiva – Política, Tradição e Estética na Ordem Social Moderna”, livro publicado em 1995 pelos dois em parceria com Scott Lash, eles afirmam que, “enquanto espécie, já não temos garantida a nossa sobrevivência, mesmo a curto prazo – e tal é consequência das nossas próprias ações, enquanto humanidade coletiva”. Eles alertam que “novas áreas de imprevisibilidade são muitas vezes criadas pelas próprias tentativas que visavam a seu controle”.

Para eles, a grande relevância adquirida pelas questões ecológicas “deve-se ao fato de o ‘ambiente’ já não ser algo externo à vida social humana, e sim completamente impregnado e reordenado por ela. (...) O que era natural está hoje tão completamente enredado com o que é ‘social’ que, nessa área, já não podemos ter nada por garantido”.

Modernidade tardia

Na concepção de sociedade de risco formulada por Beck, explica Pietrocola, ele considera que a globalização desempenhou um processo fundamental na difusão dos riscos em escala mundial, inclusive pela difusão de tecnologias e industrialização , além de possibilidades e hábitos de consumo, num quadro em que a globalização é um dos motores do que Beck, Giddens e Lash chamam de modernidade tardia ou modernidade reflexiva.

"Somos uma sociedade que vive a pós-natureza, reflexo de como a tecnociência transformou a natureza em tecnonatureza; nesse tipo de modernidade, as preocupações centrais da sociedade mudam do desenvolvimento e implementação de novas tecnologias para o gerenciamento de riscos associados às tecnologias já existentes", comenta o pesquisador.

Ele explica que, até meados do século 20, pensava-se na educação científica quase que exclusivamente como uma espécie de qualificação para os jovens que pretendiam trilhar uma profissão de natureza científica ou tecnológica, de nível superior ou técnico.

“Depois da Segunda Guerra, passa-se a entender a educação em ciência como algo mais do que formar cientistas e técnicos e que a ciência e a tecnologia estão muito mais ligadas com a sociedade. Surge um movimento para pensar a importâncias da ciência para o cidadão que não vai ser um cientista ou técnico.”

Com isso, os currículos começam a ser reformulados para refletir a educação científica como um dos aspectos da formação para a cidadania. “Nos últimos 30/40 anos, temos trabalhado em currículos e na formação de professores com este fim.” No entanto, diz Pietrocola, essa preocupação ainda reflete uma orientação para boas práticas, “sobre o que se deve fazer ou não, com a ciência sendo uma ferramenta de graduação dessa escala”.

Em seus estudos, Beck vai começar a mostrar que a relação entre ciência e sociedade é tão complexa que não é mais possível distinguir onde começa uma ou outra, explica o pesquisador. "Certas práticas sociais só passaram a existir a partir da ciência e da tecnologia. Um exemplo disso é a comunicação. Até a invenção do telegrafo, a comunicação estava vinculada à velocidade dos cavalos mais rápidos. Hoje ela pode se dar em menos de um segundo." Beck também mostrou que o processo globalização passou a gerar vários tipos de riscos, diferentes daqueles existentes anteriormente, "riscos que a própria ciência e tecnologia criam".

De acordo com Pietrocola, os currículos escolares ainda estão muito voltados para riscos e necessidades individuais ou locais, como a importância de se usar filtro solar, por exemplo. "Mas se alguém resolve comprar um carro para ter maior comodidade de locomoção, não vai apenas contribuir com o congestionamento e poluição de sua cidade, também vai contribuir para o aquecimento global, para o derretimento das calotas polares, e para a submersão das Ilhas Maldivas."

As consequências nefastas "são distribuídas de maneira mais ou menos igual por todo o planeta". Ele explica que isso vai na contramão do que era a própria lógica do capitalismo, que procurava produzir riqueza num lugar e exportar os riscos (ambientais, sobretudo) para outro. "Lucro confinado e riscos também confinados era o padrão, com pneus usados, celulares quebrados e outros produtos e resíduos descartados sendo enviados para países pobres. Esse confinamento do risco desapareceu com a modernidade tardia.”

Metodologia

Pietrocola e seus orientandos estão trabalhando em duas frentes. Uma delas é centrada nos estudantes e primeiro irá mapear a percepção deles sobre os riscos decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico. "A perspectiva é que o nível dessa percepção seja muito baixo." Em seguida, o projeto atuará na conscientização sobre o alcance global de riscos antes tidos como apenas impacto local. A terceira fase será dedicada à identificação de ações educacionais individuais e de grupo que possam contribuir para a redução dos riscos nos âmbitos local e global.

"Se conseguirmos que os alunos trilhem essas três etapas, teremos de trabalhar também em outra frente, que envolve acréscimos curriculares e formação de professores para utilização metodológica." Austrália, Reino Unido e Estados Unidos já tratam da questão do risco em seus currículos, "mas não sei até que pontos os riscos civilizatórios são abordados", comenta. No caso brasileiro, ele considera que é dada ênfase apenas em riscos onde a percepção é de impacto local.

No segundo semestre, Pietrocola pretende iniciar o trabalho com professores de uma escola pública do município de Osasco e realizar um ciclo de seminários sobre o princípio de precaução, desigualdade, aquecimento global e outros temas com especialistas brasileiros e dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Em 2020, o projeto atuará em escolas, ocasião em que será possível verificar o quanto professores e estudantes já estarão sensibilizados para a questão dos riscos globais.

Foto: Leonor Calasans/IEA-USP