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O papel das experiências inovadoras na transformação da educação básica

por Mauro Bellesa - publicado 19/03/2018 11:10 - última modificação 11/06/2020 05:57

No dia 12 de março, foi realizado o seminário "Escolas e Experiências Inovadoras: O Que se Pode Admirar, apesar de Tudo?", quinto e último encontro do ciclo ciclo sobre a qualidade da educação básica pública organizado pelo Grupo de Estudos Educação Básica Pública: Dificuldades Aparentes e Desafios Reais.
Nílson José Machado - 12/3/2018
Nílson José Machado: "É preciso integrar projetos e valores"

As experiências inovadoras de sucesso na educação caracterizam-se pela integração de projetos e valores, segundo Nílson José Machado, professor da Faculdade de Educação (FE) da USP e coordenador do Grupo de Estudos Educação Básica Pública: Dificuldades Aparentes e Desafios Reais.

Os casos que não servem de referência ou têm “projetos interessantes com valores ralos ou possuem coisas valiosas sem uma arquitetura de projeto”. Machado destaca a importância de articulação entre conteúdo e metodologia, teoria e prática, escola e comunidade, liderança do diretor acompanhada de trabalho em equipe na gestão da escola.

Discutir essas articulações a partir de exemplos concretos foi o objetivo do seminário Escolas e Experiências Inovadoras:  O Que se Pode Admirar, apesar de Tudo?, no dia 12 de março, quinto e último encontro do ciclo sobre a qualidade da educação básica pública organizado pelo grupo de estudos.

“Ao discutir as boas experiências, o objetivo do grupo de estudos não é propor sua replicação ou explorar suas particularidades e idiossincrasias, nem promover o ‘bestismo’, do que pode ser o melhor", comentou Machado. "A preocupação é com a rede de educação básica pública. As boas experiências interessam na medida em que possam contaminar outras escolas.” Elas servem de inspiração para o combate ao “maior flagelo do sistema": a fragmentação disciplinar, que leva à "perda do significado do que é estudado e ao desinteresse", afirmou.

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Coordenado pela socióloga Helena Singer, integrante do grupo de estudos e vice-presidente para a Juventude da Ashoka América Latina, o seminário tratou das transformações ocorridas na Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Manaus, Amazonas, a partir de 2015, detalhadas pela titular da pasta, Kátia Schweickardt, e do projeto Paranoá Parque, em implantação num grande conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida no Distrito Federal, o qual foi exposto por um de seus idealizadores, o educador José Pacheco, um dos fundadores da  Escola da Ponte, em Portugal, e consultor em diversos projetos no Brasil.

Kátia Cruz Schweickardt
Kátia Schweickardt: "Foi implantada uma estrutura participativa, com valorização da gestão educacional"

A rede de Manaus

Ao assumir a Semed em março de 2015, Kátia definiu com sua equipe que a primeira ação seria procurar entender a herança do trabalho feito anteriormente e qual era a razão de existir da secretaria, sem esquecer que ela “é feita de gente, não apenas uma entidade”.

A Semed atende a crianças em idade de creche, pré-escola e ensino fundamental. Conta com 499 escolas, 242 mil alunos, 12.360 professores e 1.200 técnicos administrativos.

Feito o diagnóstico inicial da rede, os integrantes da secretaria definiram a missão: "Garantir educação básica de qualidade, assegurando o acesso, a inclusão, a permanência e a formação dos estudantes, desenvolvendo competências e habilidades adequadas às transformações sociais, bem como a valorização dos profissionais de educação".

De acordo com Kátia, das 499 escolas, 230 estão em zonas violentas e vulneráveis e 84 são escolas rurais. As comunidades ribeirinhas do rio Negro são atendidas por 29 escolas e as dez etnias indígenas presentes no município por outras quatro. Há também dez centros culturais.

Definida a missão e analisadas as demandas de um cenário amplo, diversificado e carente - "quadro agravado com a crise orçamentária dos municípios brasileiros em 2015/2016" -, o primeiro passo foi promover “algumas correções do olhar” e mudanças na estrutura da secretaria, explicou Kátia

“Quando assumi, nem o prefeito sabia quem era a subsecretária de Gestão Educacional, isso num órgão em que está metade do funcionalismo municipal.”

Segundo ela, foi implantada uma estrutura participativa, com gestão estratégica, pedagógica, financeira, dos servidores e de competências e valorizada a gestão educacional: “Quando estou fora, quem responde pela secretaria é a subsecretária de Gestão Educacional, Euzeni Araújo Trajano”.

De acordo com a secretária, as transformações da Semed nos últimos três anos levaram a uma taxa de aprovação de alunos nunca atingida pela rede, a ampliação do aperfeiçoamento de professores, "que receberam reajustes acima da inflação", e o cumprimento de 67% do currículo mínimo, percentual que deve chegar a 95% este anos.

"Com isso, Manaus se tornou umas das capitais que mais cresceram no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado pelo Ministério da Educação em 2007], ao lado de Fortaleza."

As parcerias da secretaria também foram revistas. “Tínhamos parceiros que custavam muito caro, por isso resolvemos valorizar a prata da casa, com seminários periódicos de boas práticas, professores treinando professores e escolas fazendo intercâmbio entre si.”

Kátia afirmou que foram implantados vários projetos, sem deixar de observar o cumprimento do currículo, com uma série de parâmetros para verificar se o aluno está absorvendo o conteúdo mínimo requerido. “Os projetos de professores e de pesquisadores universitários estavam dispersos pela rede e davam pouco retorno para a nossa missão. Agora, todos os projetos têm de ter essa finalidade.”

Foram implantas os Quintais Musicais em algumas escolas, com o trabalho de todo o conteúdo nesses espaços, e as Olimpíadas Municipais, antes preocupadas apenas com as modalidades esportivas, passaram a ser multidisciplinares em 2016 e em 2017 incorporaram os alunos com necessidades especiais, relatou.

A Semed também estabeleceu várias parcerias com organizações não governamentais e empresas. Uma é com a Fundação Telefônica Vivo, destinada à formação de professores em tecnologias digitais e gestão inovadora. Outra é com a Fundação Lemann, com a participação da Khan Academy em cem escolas, o que resultou na melhoria no desempenho em matemática, segundo a secretária. Há parcerias também com o Instituto Ayrton Senna para a recuperação do atraso de estudantes e com o Itaú Social, neste caso para apoio ao Centro de Formação de Professores.

José Pacheco - 12/3/2018
José Pacheco: "Círculos de estudo, projetos e tertúlias são as ferramentas da educação do século 21"

Uma realização que Kátia considera um grande destaque da Semed foi implantar a primeira escola de educação integral e tempo integral sem fazer nenhuma obra física. “Isso foi feito na Escola Municipal Professor Waldir Garcia, num bairro onde há muitos imigrantes haitianos, 28 deles entre os 400 alunos. É um polo formador, com oficinas no contraturno.”

O diferencial da implantação dessa escola foi a atuação do Coletivo Escola Família Fortaleza, uma ONG de pais da classe média que queriam colocar seus filhos numa escola pública, explicou. “É a primeira escola da Região Norte a integrar o Programa Escolas Transformadoras.”

Atualmente já são cinco escolas em tempo integral e há muitas de educação integral (atividades e projetos desenvolvidos foram da escola e do horário tradicional de aulas), informou.

Escola sem prédio

Se coube a Kátia apresentar uma experiência em nível de rede, com muitas inovações de gestão e educacionais, mas tendo como referência práticas-padrão de ensino, José Pacheco, por sua vez, apresentou a experiência da aplicação pontual de suas ideias de “rompimento com o paradigma educacional do século 19.”

Segundo Pacheco, o secretário da Educação do Distrito Federal, o chamou para conhecer o conjunto habitacional Paranoá Parque, criado pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida, com 12 mil famílias, e perguntou o que poderia ser feito em termos educacionais, uma vez que não fora prevista a construção de escolas no local.

“Minha resposta foi: ‘Ótimo que não construíram’. E comecei a definir alguns conceitos. Escolas não são edifícios. A USP [sua estrutura física] não é uma escola. Escolas são pessoas e elas são os seus valores. Quando esses valores viram princípios de ação levam a projetos, sempre coletivos.”

O que está surgindo no Paranoá Parque é, em sua opinião, “a primeira comunidade de aprendizagem do mundo”. Para ele, em algo assim, o edifício escolar “é apenas um dos nós de uma rede que se chama comunidade”. Ele adiantou que pretende colaborar para que em sete anos toda a rede do Distrito Federal seja constituída de comunidades de aprendizagem.

“Eu pensava que tínhamos inovado com a criação da Escola da Ponte há 30 anos, que rompeu com o modelo baseado em aulas. O que fizemos foi passar a centralidade do professor para o aluno e romper com o paradigma de instrução do século 19, baseado em aulas.”

Depois da consolidação da Escola da Ponte, Pacheco começou a questionar o fato de na chamada Terceira Revolução Industrial, com o surgimento da automação, internet e ensino a distância, as escolas continuarem a trabalhar com o paradigma da instrução, com aulas, turmas, séries, níveis, locais e horários definidos.

“Estamos na entrada da Quarta Revolução Industrial. Teremos fábricas produzindo em gravidade zero em estações espaciais, impressão em 3D de objetos e alimentos. A robótica e a inteligência artificial vão se apoderar da escola. Daqui a dez anos, mais de 80% da base curricular estará desatualizada. No entanto, a palavra que ainda mais se repete na educação é ‘aula’.”

Helena Singer - 12/3/2018
Helena Singer: "O ensino privado não envolve só de empresas que vendem negócios"

Numa comunidade de aprendizagem o que há são círculos de estudo, projetos e tertúlias, que são as ferramentas da educação do século 21, segundo Pacheco. No entanto, não serão deixadas de lado vários requisitos do paradigma da instrução, como aprender a escrever, decorar a tabuada, repetir coisas, afirmou.

A proposta é que o currículo seja definido em função das necessidades e desejos da comunidade. Um aspecto que ele julga essencial é capacitar as pessoas para microempreendimentos, de forma a “libertá-las do tráfico de drogas e da prostituição”.

“No Paranoá Parque, trabalhamos com o indivíduo do pré-natal até a morte. Não temos separações entre o jardim da infância e os avós. Não temos EJA [ensino de jovens e adultos]."

Em sua opinião, a realidade de vida da comunidade, os saberes populares, as tradições correspondem a 40% da base educacional a ser assimilada pelos pessoas.

Público e privado

Na parte final do seminário, a coordenadora do seminário fez várias ponderações sobre a contraposição da escola pública à escola privada surgida em algumas questões durante as exposições e os debates.

Para Helena Singer, a reflexão sobre como articular os diversos atores envolvidos para que haja um salto de qualidade na educação básica fica limitada pelo embate entre o que é público e é privado, "considerando-se o primeiro o que é estatal e o segundo o que tem fins lucrativos”.

“Com isso, a parceria com a iniciativa privada gera desconfiança. Estamos falando de um cenário que é muito mais complexo, onde o privado não envolve só empresas vendendo negócios.”

Ela ressaltou que há fundações e institutos ligados a empresas que investem na gestão pública e o privado também inclui iniciativas comunitárias de pais que optam por uma alternativa pedagógica.

É preciso diferenciar o que não é público no próprio setor público, a seu ver: “Não dá para defender em termos gerais a escola pública, pois em alguns casos estaremos defendendo uma gestão estatal que exclui das decisões estudantes, professores e pais.”

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP