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Martí Peran fala sobre como transformar o sentimento de fadiga numa exposição de arte

por Mauro Bellesa - publicado 27/08/2014 16:55 - última modificação 29/09/2015 22:15

Teórico da arte faz a conferência "Como Converter a Fadiga numa Exposição de Arte?" no dia 8 de agosto, às 15 horas, na FEA-USP
Martí Peran Rafart
O crítico, curador e professor Martí Peran

É possível produzir uma exposição de arte que reflita o sentimento de fadiga que a vida contemporânea produz nos indivíduos? Como isso seria possível? E por que fazê-lo se sua realização seria mais um ato causador de fadiga? Essas dúvidas serão exploradas na conferência Como Converter a Fadiga numa Exposição de Arte?, que o teórico da arte Martí Peran, professor da Universidad de Barcelona, Espanha, faz no dia 8 de setembro, às 15 horas, na Sala Ruy Leme da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.

O evento é uma realização do Grupo de Pesquisa Fórum Permanente: Sistema Cultural entre o Público e o Privado do IEA e será coordenado por Martin Grossmann, diretor do IEA. Os interessados devem se inscrever por meio de mensagem para mlcalaz@usp.br. A conferência será em espanhol, sem tradução, e com transmissão ao vivo pela web. A FEA-USP fica na avenida Prof. Luciano Gualberto, 908, Cidade Universitária, São Paulo.

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AUTOPRODUÇÃO DE IDENTIDADE

Na opinião de Peran, se o capitalismo industrial produzia mercadoria com valor de troca e o capitalismo pós-fordista se deslocou para a produção de subjetividade, hoje a mais valia se concentra na autoprodução de identidade: "Impôs-se a lógica do sujeito da autoexploração. A retórica do empreendedorismo e a publicidade ideologizada são inequívocas: 'Do it yourself'; 'I am what I am'".

A partir disso, ele identifica a existência de um novo lema produtivo, o "faz-te a ti mesmo", que provoca uma hiperatividade nervosa generalizada, uma vez que o indivíduo está a todo momento obrigado a tomar infinitas pequenas decisões em todas as esferas de sua vida (profissional, emocional, social etc.), que se converteram na nova força do trabalho: "Não encerram nada e garantem o benefício gerado pela ação constante da 'in-quietude'. O sujeito se confundiu com o movimento incessante de sua própria alienação".

Para Peran, essa hiperatividade é um paradigma da "pobreza de experiência", já que conduz a excedente deficitário, pois o indivíduo tem muitas experiências, mas quase todas são banais. Ele lembra que a consequência disso tem sido reconhecida nos enunciados de vários autores: vida nua (Giorgio Agamben), vida danificada (S. López Pequeño), sociedade do cansaço (Byung.-Chul Han), corrosão do caráter (Richard Sennett), fábrica de infelicidade (Franco Berardi) e sociedade depressiva (Alain Ehrenberg).

ELOGIO DA FADIGA

Essa autoexploração torna inevitável a dor da fadiga, porém, segundo o conferencista, em vez de representar uma condição patológica que deve ser corrigida a fim de voltar à espiral insensata da produção, a fadiga pode representar a ocasião para o despertar da consciência, o ponto de inflexão a partir do qual se inicia um processo emancipatório. "A fadiga é o ponto de detenção e pausa, o momento do 'cansaço capaz', nas palavras de Peter Handke, com o qual começa a sabotagem. A fadiga se converte assim – na qualidade de revolução molecular – no início de uma folga que politiza o mal-estar."

Se no âmbito da engenharia a fadiga designa a diminuição da resistência dos materiais submetidos a um esforço repetitivo, na esfera da engenharia social, Peran a define por intermédio de uma frase de Roland Barthes: “A reivindicação esgotada do corpo individual que reclama o direito ao descanso social”.

Com a fadiga, explica Peran, a hiperatividade muda em mera produção de detenção, e nessa negativa da fadiga à produção reside o princípio emancipatório da deseducação, ao mesmo tempo que em sua neutralidade descansa a promessa, quieta, de toda a diversidade possível. Ele considera que esse elogio da fadiga (aparentado com as apologias da preguiça, do anonimato, do desaparecimento e da inação) ocupa no horizonte da experiência contemporânea uma posição semelhante – "talvez invertida" – àquela que no passado ocupou a melancolia.

Peran, que é também crítico de arte e curador, indaga como converter esse argumento numa exposição de arte, como articular uma situação que translade esses conteúdos, chegando a levar esse questionamento ao limite ao perguntar se "esses pequenos desafios, próprios de um campo disciplinar cada dia mais empobrecido, não conduzem à pergunta: por que fazer uma exposição?"

PERFIL

Professor titular de teoria da arte da Universidad de Barcelona, Peran dirige o Roundabout. Encounter Program, que promove intercâmbios entre Barcelona e outras cidades do mundo, como Bangkok, Jerusalém, Istambul e Santiago e tem contribuído em diversos livros e catálogos sobre arte contemporânea, além de escrever regularmente para jornais e revistas, impressos e eletrônicos, como BBC e Exitexpres.

Ele integrou o conselho editorial de "Transversal - Jornal da Cultura Contemporânea" (1996-2002) e foi co-editor da revista "Gypsy". Seus mais recentes projetos como curador incluem: "Post-it city. Occasional Cities" (CCCB, Barcelona, 2008; MAC, Santiago de Chile; Centro Cultural São Paulo, 2009); "After Architecture" (Arts Santa Mònica, Barcelona, 2009); “Glaskultur. ¿Qué pasó con la transparencia?”; e (Koldo Mitxelena, San Sebastián,  2006)

Foto: arquivo pessoal de Martí Peran