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Antropólogo cria campanha de apoio ao funeral de mestre dos cantos bororo

por Mauro Bellesa - publicado 05/08/2014 16:05 - última modificação 08/11/2019 16:36

Recursos serão utilizados em despesas de recepção e estada de outros mestres dos cantos e representantes de outras aldeias na fase final do funeral de José Carlos Kuguri.

ALGUMAS FASES DE UM FUNERAL BORORO

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Cova rasa no centro da aldeia, que será aguada diariamente para acelerar a decomposição do corpo

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Exumação dos ossos para a fase
mais importante do funeral

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Crânio pintado com urucum é preparado para a representação do ser mítico que comporta o espírito do morto

José Carlos Kuguri, último mestre dos cantos bororo da aldeia de Maruri, morreu no dia 20 de junho, com cerca de 70 anos de idade, em consequência de uma pneumonia. Desde então, seu corpo está envolto em esteiras e enterrado em uma cova rasa no centro da aldeia, que fica no sul de Mato Grosso. Todo dia a cova é aguada para acelerar a decomposição do corpo.

Kuguri está tendo um funeral bororo, o mais importante ritual da etnia e considerado um dos funerais mais elaborados do mundo. A parte mais importante acontecerá em outubro, quando o crânio e outros ossos de Kuguri serão retirados da cova, limpos, pintados com urucum e adornados com plumas, transformando-se num ser mítico, uma arara, portadora de seu espírito, que assim purificado poderá ir para a aldeia dos mortos.

"O ritual está conectado com a filosofia bororo, de acordo com a qual o mestre dos cantos desempenha um papel central durante todo processo", comenta o antropólogo Massimo Canevacci, professor visitante do IEA-USP e estudioso da cultura bororo desde 1995, tendo como campo de trabalho as aldeias de Meruri e do Garças.

O antropólogo explica  que "o mestre canta o sagrado em ritmos e melodias" e possui a memoria de todos os cantos que devem ser cantados nos diferentes momentos do ritual. Com os cantos, estabelece uma relação entre os mundos visível e invisível, entre os vivos e os mortos: "Todos os 'mortos' bororo voltam para funeral e, nesse sentido, ninguém está totalmente morto".

"A realização desse ritual é crucial para os bororo, pois os possibilita reproduzir sua instância política no mundo por meio de suas prática de autorrepresentação autônoma. Assim sendo, o funeral bororo é parte e parcela da herança humana contemporânea, logo, importante para todos os outros seres humanos de qualquer parte do mundo."

Em apoio à realização do ritual, Canevacci iniciou uma campanha de crowdfunding pela internet para arrecadar 2,5 mil dólares. Segundo ele, os recursos são necessários para as despesas de recepção e estada de outros mestres de canções e para a participação de representantes de várias outras aldeias bororo, os quais terão a responsabilidade de nomear um sucessor para José Carlos Kuguri.

Quem desejar contribuir com a campanha deve fazê-lo até 15 de setembro, por meio da página www.indiegogo.com/projects/the-master-of-songs-funeral-in-the-bororo-culture.

Fotos: Massimo Canevacci