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Seminário analisa os impactos culturais e sociais dos games

por Mauro Bellesa - publicado 06/02/2017 11:55 - última modificação 07/02/2017 15:20

O expositor do seminário "Arquiteturas de Conhecimento: Pesquisa Interdisciplinar sobre Games, Virtualidade e o Museu Global", realizado no dia 2 de fevereiro, foi o pesquisador Christian Stein, da Universidade Humboldt de Berlim, Alemanha.
Christian Stein - 2/2/17
Christian Stein, da Universidade Humboldt de Berlim, Alemanha, foi o expositor no encontro

A indústria de games (jogos digitais) vem crescendo em muitos países, inclusive no Brasil. Além de seu amplo uso como recurso de entretenimento, os games têm sido utilizados também como ferramentas pedagógicas para o ensino escolar e capacitação profissional, para a obtenção de dados e muitas outras atividades.

Essa amplitude de uso propiciou até o surgimento de um nova fenomeno social, a gamificação (gamification em inglês), motivo de inúmeras discussões sobre seus impactos positivos e/ou negativos nas diversas esferas da vida.

O estudo sobre games, sua produção e uso prático em museus e até mesmo como ferramenta de pesquisa foram analisados no seminário Arquiteturas de Conhecimento: Pesquisa Interdisciplinar sobre Games, Virtualidade e o Museu Global, no dia 2 de fevereiro. O expositor foi Christian Stein, da Universidade Humboldt de Berlim, Alemanha.

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Midiateca

O evento foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Forúm Permanente: Sistema Cultural entre o Público e o Privado, cujo coordenador, Martin Grossmann, ex-diretor do IEA e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, atuou como moderador. Os debatedores foram: os docentes da USP Davi Nakano, da Escola Politécnica (EP), Gilson Schwartz, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e pesquisador em período sabático no IEA, Giselle Beiguelman, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), e Wilson Mizutani, do Instituto de Matemática e Estatística (IME), além do diretor teatral especializado em multimídia Ricardo Karman, da Kompanhia do Centro da Terra.

Stein é um jovem pesquisador com uma formação acadêmica e profissional peculiar: fundou uma empresa de software quando ainda estudava, simultaneamente, literatura, linguística e ciência da computação. Depois, tornou-se doutor em literatura alemã. Essa multiplicidade de interesses parece se ajustar perfeitamente às diretrizes do laboratório em que ele atua na universidade berlinense, o Gamelab.berlin, voltado à pesquisa e desenvolvimento interdisciplinar de games.

O Gamelab.berlin integra a área Arquiteturas de Conhecimento, uma das cinco do conglomerado de laboratórios cujo nome pode ser traduzido de forma aproximada como Design de Excelência do Conhecimento via Imagem (Excellence Image Knowledge Gestaltung, no nome internacional que mistura inglês e alemão).

Stein disse que esse agrupamento de laboratórios funciona há quatro anos como um espaço interdisciplinar com mais de 200 pesquisadores, provenientes de 25 disciplinas e envolvidos atualmente em 25 projetos divididos em cinco áreas de concentração.

A área de Arquiteturas de Conhecimento engloba o Gamelab.berlin e mais três linhas de pesquisa: uma ligada à experimentação em colaboração interdisciplinar, outra para a modelagem da interdisciplinaridade como uma rede de atores e a quarta para descrição de objetos de pesquisa física e virtual.

Ele explicou que o laboratório pesquisa games como uma técnica cultural, ou seja, como objetos de pesquisa, ferramentas de pesquisa, mecanismo para crowdsourcing (captação pública de recusos via internet) e transferência de conhecimento.

Um exemplo desse trabalho é o game produzido pelo laboratório de Stein para a exposição científica +ultra no Martin-Gropius Bau Berlin. Os visitantes que decidissem visitar a exposição com o auxílio do game tinham de cumprir “missões”, com a identificação de três objetos presentes em cada sala. O cumprimento das missões fazia o sistema gerar narrativas sobre a experiência de cada participante.

Durante sua exposição e o debate, Stein enfatizou o aspecto motivacional dos games, a importância de relacioná-los a um ambiente físico (com o uso de realidade virtual tradicional ou aumentada) e comentou os processos inadequados de gamificação, como no caso da utilização de elementos estruturais dos games no mercado de ações online, redes sociais ou qualquer trabalho que deva ser feito de forma digital, nos quais a pessoa ganha pontos de acordo com o que faz e deve fazer algumas apostas para obter algo, estimulando a competição entre os usuários.

Gilson Schwartz - 2/2/17
Gilson Schwartz, professor da ECA-USP em período sabático no IEA, defendeu uma análise crítica do design de games

Na opinião de Gilson Schwartz, o problema com as tecnologias digitais -- das quais se considera um "fã" --, é que sempre são apresentadas “não só como virtuais, mas também como virtuosas”.

Em sua opinião, é preciso desenvolver a análise crítica sobre o que esses recursos representam na sociedade e porque, apesar das promessas, ainda não possibilitaram grandes saltos de liberdade, criatividade e cidadania.

Para ele, a primeira questão epistemológica e política a ser discutida é se não seria melhor enfatizar o design de games como uma disciplina ao invés de utilizá-los para reafirmar estruturas e padrões já há muito tempo predominantes na sociedade. A partir dessa perspectiva, Schwartz quis saber de Stein que espécie de impacto  epistemológico pode-se esperar do design de games.

Stein respondeu que em primeiro lugar deve haver uma clara distinção entre o que é o mercado, com seus interesses e regras, e o que é a universidade, que “é ou deveria ser uma fonte de crítica independente”. Ele comentou que todas as críticas à gamificação provêm de estudos acadêmicos e que "se alguém encara a questão seriamente deve ter uma postura crítica, mas não necessariamente uma visão distópica sobre o processo". Ele acredita que as novas tecnologias e usos que surgem constantemente e a infinidade de novos desenvolvedores que entram na área a todo momento resultarão em sistemas de grande utilidade social.

No final do debate, Martin Grossmann destacou que a discussão teve muitas questões conceituais e críticas e disse que ele mesmo tem uma postura "um tanto cética em relação à gamificação". Afirmou que os games não têm contribuído para a expansão da vivência, mas apenas a deslocado para o ambiente virtual: "Não transcendemos nossa reduzida escala de noções de tempo-espaço”.

No entanto, Grossmann afirmou que muitas vezes se sente confortável com a gamificação porque “os games podem ser relacionados com narrativas e, dessa forma, podem ser muito úteis, pois mesmo um pesquisador de matemática pura, se não conseguir construir uma narrativa, não saberá comunicá-la". E ao relacionar os games com narrativas é possível "politizá-los no sentido comentado por Schwartz, em contraste com o efeito que às vezes deles resulta: a produção de um mundo infantilizado".

Fotos: Fernanda Rezende/IEA-USP