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Os princípios do Neoconcretismo e o pensamento de Mário Pedrosa

por Mauro Bellesa - publicado 25/10/2019 11:05 - última modificação 27/11/2019 11:56

No dia 17 de outubro, realizou-se o encontro , “Muito além de ‘Paulistas e Cariocas’ — Mário Pedrosa e Pontos Extremos da Modernidade no Brasil”, 11° evento da "Jornada Relações do Conhecimento entre Arte e Ciência: Gênero, Neocolonialismo e Espaço Sideral".

Mário Pedrosa - 1975
O crítico Mário Pedrosa em foto de 1975 durante exposição de Frans Krajcberg no Centro Nacional de Arte Contemporânea, em Paris (do livro ''Mário Pedrosa - Primary Documentos'' [veja link para a íntegra abaixo], publicado pelo MoMA em 2015)

O edifício teórico do Neoconcretismo, “primeiro movimento brasileiro a contribuir com o cânone da arte do século 20”, segundo o curador Paulo Herkenhoff, e a atuação do crítico Mario Pedrosa até os anos 60 foram os principais temas discutidos no encontro Muito além de “Paulistas e Cariocas”: Mário Pedrosa e Pontos Extremos da Modernidade no Brasil, no dia 17 de outubro, dentro da Jornada Relações do Conhecimento entre Arte e Ciência: Gênero, Neocolonialismo e Espaço Sideral.

O evento teve também duas visões científicas relacionadas com o Neoconcretismo: o trabalho da psiquiatra Nise da Silveira no Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, na cidade do Rio de Janeiro, e o uso da topologia geométrica na descrição de obras de arte.

Herkenhoff, que é também crítico e historiador da arte, tratou das especificidades e princípios do Neoconcretismo postulados em textos de Mário Pedrosa, Ferreira Goulart, José Guilherme Merchior, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Lygia Pape e Amilcar de Castro.Além de Herkenhoff, foram expositores a curadora  Glória Ferreira, o patologista Paulo Saldiva (diretor do IEA) e o matemático Washington Marar. A coordenação foi da bioquímica Helena Nader. Herkenhoff e Nader são os titulares da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência em 2019.

Segundo ele, o princípio de permanente investigação do movimento está sintetizado no “Manifesto Neoconcreto” e na “Teoria do Não Objeto” (1960), ambos escritos pelo poeta Ferreira Gullar em 1959.

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O aspecto da observação semântica do quadro, do quadro como objeto, também estava presente nas formulações de Gullar, afirmou.  Em 1958, um texto do poeta sobre Lygia Clark foi o primeiro sobre um artista abstrato geométrico que dá conta da especificidade dos meandros do seu pensamento plástico, segundo o curador: “Ele diz que, semanticamente, o quadro de Lýgia permaneceu no oposto da obra de Mondrian, ficando vinculado a um vasto contexto dos sinais”, ao passo que no artista suíço há o “isolamento semântico do quadro, a consciência do quadro como espaço vazio de espaço pictórico”.

Herkenhoff disse discordar de Lorenzo Mammì quanto a ser a posição definitiva de Pedrosa a de que os paulistas seriam artistas da sabença e os cariocas artistas da intuição, manifesta no artigo “Paulistas e Cariocas”, publicado em 1957 no” Jornal do Brasil”. “Essa análise de Pedrosa serviu de alerta para os artistas neoconcretistas, que passaram a escrever.”

“Na 4ª Bienal de São Paulo,  no final de 1957, Pedrosa já está tentando entender os movimentos da arte brasileira e vai operar as alterações que os neoconcretistas já apresentavam, mantendo o luminoso Volpi como uma referência nessas transformações, contra aquilo que mais tarde diria numa avaliação do processo canônico do Concretismo: 'Uma máquina de reproduzir quadros'.”

Outro aspecto fundamental para a caracterização do Neoconcretismo - também presente no Concretismo - comentado por Herkenhoff foi a do princípio da autonomia da arte. “Esse problema foi estudado por Pedrosa. Como bom trotskista, no artigo 'Vicissitudes do Artista Soviético', de 1966, ele considera que o artista na União Soviética precisava produzir uma arte oficial, não havia liberdade de criação; tampouco nos Estados Unidos, onde a arte havia se transformado em demanda do mercado.”

A ideia era de que no Terceiro Mundo os artistas teriam mais liberdade, pois não tinham um sistema de arte capaz de determinar o seu modo de produzir, de acordo com Herkenhoff.

Na experiência de Nise da Silveira com a produção artística de doentes mentais, ele vê o princípio da superação da desrazão, que "vai ser um foco importante da diferenciação do Neoconcretismo, com a convivência disso com a forma racional, num processo de desiquilíbrio afetivo" que tem a arte como meio de reequilíbrio.

Paulo Herkenhoff - 17/10/2019
Paulo Herkenhoff

"Estamos nesse momento numa hipótese de que através do entendimento da psicologia, da psiquiatria e da psicanálise seria possível superar a questão da Gestalt, que é uma maneira mecanicista de reação do cérebro aos ditames da forma."

Para Herkenhoff, a defesa de Pedrosa de uma Teoria Afetiva da Forma em 1948 foi uma novidade em relação aos escritos de Nise da Silveira e outros que haviam trabalhado em hospitais psiquiátricos.

"Por sua vez, Lygia, nos trabalhos que chama de 'Descoberta da Linha Orgânica', em 1954, transforma o encontro da moldura e da tela num objeto único, com uma linha virtual de sombra na fresta. Uma linha de separação, mas que também é de encontro. Ela chama de linha orgânica, porque transforma todo o objeto num sistema de órgãos. Ao mesmo tempo, nessa linha de vazio está o ar que respiramos."

Nesse momento, afirma o curador, a arte é tida como uma necessidade vital, em relação com a vida, numa concepção própria de Trotsky, para quem "num momento de justiça, de superação da revolução, não haveria separação alienante entre arte e vida, entre cultura e vida".

Outro salto epistemológico produzido por Pedrosa deu-se a partir da leitura da filósofa americana Suzane Langer, de acordo com Herkenhoff.  "A chave seria entender que as artes não são vasos incomunicantes, mas sistemas de relações. Mais tarde, com a fenomenologia dos sentidos de Merleau-Ponty, vamos entender que os sentidos se comunicam."

Sobre a jornada

A Jornada Relações do Conhecimento entre Arte e Ciência: Gênero, Neocolonialismo e Espaço Sideral é uma disciplina de pós-graduação aberta à participação do público oferecida pela Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência (parceria entre o IEA e o Itaú Cultural) e a Pró-Reitoria de Pós-Graduaçãoda USP.

A iniciativa é uma homenagem ao professor Alfredo Bosi, ex-diretor do IEA, editor da revista do Instituto desde 1989 e estudioso das interseções entre arte e ciência.

A idealização e coordenação é dos titulares da cátedra: o crítico, curador e historiador de arte Paulo Herkenhoff e a biomédica Helena Nader, professora da Unifesp.

A intenção é promover uma discussão profunda sobre as inter-relações arte e ciência ao longo dos tempos, perpassando por aspectos como proeminência cultural de um país sobre outro, questões de gênero, de estilos e formatos.

Ao todo, serão 19 encontros de agosto e dezembro, sempre às quintas e sextas-feiras, das 14h às 17h, com a participação de palestrantes e debatedores de diversos campos do conhecimento, líderes em suas áreas de atuação.

Gullar então diz no Manifesto Neoconcreto que "ninguém ignora que nenhuma experiência humana se limita aos cinco sentidos, uma vez que o homem reage como uma totalidade e na simbólica geral do corpo de Merleau-Ponty os sentidos se decifram uns aos outros".

O Neoconcretismo vai se propor como arte da sensorialidade mais completa, segundo o curador: infrassensorial em Clark, "voltada à interioridade"; suprassensorial em Oiticica, "com abertura para o além que está na vida social e na antropologia da cultura"; e plurissensorial em Lygia Pape, "a primeira que não se restringe ao léxico das artes visuais tradicionais, trabalhando com balé, música e vídeo".

Ele afirmou que a musicalidade da forma já estava presente no século 19 nas reflexões do filósofo britânico Walter Pater, para quem toda arte aspira à condição da música, questão que "reaparecerá em Adorno, Pedrosa e Oiticica.

A questão da música remete ao princípio da temporalidade complexa do Neoconcretismo: "Haveria uma assincronicidade, como também uma diacronia, além da dualidade espaço-tempo, marcada pela física de Einstein, mas vista como duração, a partir da filosofia de Bergson; Oiticica vai falar de trabalho sem tempo".

Em relação especificamente ao espaço, Herkenhoff afirmou que o movimento foi caracterizado pelo "primado do espaço, mas um espaço ativado".

Outra particularidade muito importante do movimento é a questão do não objeto. Na Teoria do Não Objeto de Gullar, a obra não deixa rastro, ela se configura no tempo da experiência, comentou. O exemplo citado por Herkenhoff é a obra "Caminhando" de Clark, que não é para ser observada, não é um espetáculo, é uma experiencia individual na qual corta-se com uma tesoura, no sentido longitudinal, uma fita de Möbius de papel.

Quanto à historicidade, do ponto de vista do Neoconcretismo, o artista é aquele que se coloca no contexto da história da arte, observando que a cultura é um conjunto de legados irresolutos, disse o curador. "O que vai interessar ao movimento é a história da arte no seu limite. O Mondrian que interessa é o dos problemas que lançou, mas não conseguiu resolver, porque a arte é infinita."

O Neoconcretismo não admite "heróis da forma", destacou Herkenhoff. "A história da arte não é um conjunto de formas a serem citadas, interpretadas, por que provindas de heróis da forma, sejam eles Von Doesburg ou mesmo Picasso." Para Pedrosa, o único herói é o artista inventor, que desdobra arranjos formais dos paradigmas, afirmou.

O princípio da isenção faz com que o movimento "pense a arte como uma episteme", no qual "a invenção não se arrima em padrões já feitos, em artistas consagrados". Pedrosa parece dizer, explicou Herkenhoff, que" a arte não é uma sucessão de ismos, mas um processo de conhecimento sujeito a questões dialéticas, mudanças, avanços, retornos."  O artista deve pensar na essência da criação e levar em consideração que "a noção de estilo foi substituído pela noção de styling, um conceito comercial para marketagem dos objetos".

O vazio também é um tema relevante para o Neoconcretismo. Herkenhoff leu trecho de carta que Clark enviou a Mondrian sobre a questão: "O homem não está só, ele é a forma e o vazio. Vem do vazio para a forma. Vida. E sai desta para o vazio pleno". Segundo o curador, isso é muito próximo de Lacan, "quando ele diz que o oleiro cria o vaso a partir do buraco".

Herkenhoff finalizou sua exposição falando do princípio da pós-modernidade presente no Neoconcretismo. Para ele, Pedrosa, em 1966, antecipou Lyotard em três ou quatro anos na questão do pós-moderno. "Naquele momento, Pedrosa lia Wittgenstein e fala sobre a ruptura do cânone moderno: 'Enquanto essa experiência histórica, estética, cultural pode ser explorada pelos artistas individuais, de modo fecundo, a arte moderna encheu toda nossa época com obras de autêntico valor. Agora, tudo indica que a experiência foi consumada'.”

Pedrosa acrescenta, de acordo com Herkenhoff, que “os artistas que negam a arte começam a nos propor, consciente ou inconscientemente, outra coisa. É um fenômeno cultural e mesmo sociológico inteiramente novo. Não estamos dentro dos parâmetros do que se chamou arte moderna. Chamaria isso de arte pós-moderna, para significar a diferença. Nesse momento de crise e de opção devemos optar pelos artistas”.

Glória Ferreira - 17/10/2019
Glória Ferreira

Visão da crítica

Pedrosa tinha consciência que a crítica é um fenômeno histórico, por isso sempre questionou suas posições e atividade em cada momento histórico, de acordo com a curadora Glória Ferreira, professora da Escola de Belas Artes da UFRJ e da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e organizadora do livro "Mário Pedrosa, Primary Documents", publicado pelo Museu de Arte Moderna ((MoMA). de Nova York, em 2016.

Historiando sobre a carreira do crítico, ela destacou a intensa atividade política de Pedrosa nos anos 20 e 30. "Em 1933, proferiu a célebre conferência 'As Tendências Sociais da Arte e Käthe Kollwitz', onde estabeleceu a relação entre atualidade estética e arte social, não fundamentada em temas, mas nos próprios procedimentos artísticos. Para ele, arte de vanguarda e revolução social são indissociáveis."

Segundo a curadora, os interesses de Pedrosa em arte surgiram no MoMA, nos anos 40, quando esteve exilado nos Estados Unidos. "Ele ficou amigo de Calder [Alexander Calder, escultor americano] e escreveu sobre ele e Portinari."

"Mas é em 1945, de volta ao Brasil, que Pedrosa engaja-se de fato na atividade crítica, sem jamais abandonar a militância política e estabelecendo uma relação entre revolução social e arte de vanguarda."

Ainda naquele ano, funda o seminário Vanguarda Socialista e participa da criação da União Socialista Popular, com "a meta de criação de um grande partido socialista". No ano seguinte, cria uma seção de artes plásticas no “Correio da Manhã” e colabora também com o “Estado de S.Paulo” e a “Tribuna de Imprensa”.

Para Pedrosa, "a funcionalidade da arte é uma exigência da necessidade formal e criadora”, segundo Ferreira. “Contrapõe-se assim ao atrelamento da arte aos conteúdos sociais então em voga, defendendo em termos universais as possibilidades da arte e suas transformações."

Glória ressaltou que naquele período, são poetas e escritores como Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Sergio Milliet, Raquel Queiroz e Rubens Braga que exercem a crítica em geral. "Era uma crítica impressionista e comprometida com a afirmação nacional, embasada na defesa do moderno no sentido de liberar a sociedade brasileira do ranço colonial." No "Correio da Manhã", Pedrosa muda o tom do debate ao propor "uma visão da arte que integra a arte de doentes mentais e crianças e a arte primitiva", afirmou.

Em 1947, por ocasião de encerramento de exposição organizada pelo Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, profere a conferência “Arte, Necessidade Vital”, onde afirma que "a atividade se estende a todos os seres humanos e não é mais a ocupação exclusiva de uma confraria especializada que exige diploma para nela se ter acesso". Também promove visitas ao centro, entre as quais as de Camus, Murilo Mendes e Léon Degand [primeiro diretor do MAM de São Paulo].

Ao lado desse trabalho com Nise, Pedrosa participa ativamente da discussão polarizada entre artistas e críticos, sobretudo de São Paulo e Rio de Janeiro, ocasionada pela abstração, disse Glória. "A oposição entre a estética figurativa e a abstrata é um dos momentos mais fortes desde a Semana de 22, com o debate ficando mais intenso em março de 1949, quando o MAM de São Paulo realiza a exposição 'Do Figurativismo ao Abstracionismo', proposta por Ciccillo Matarazzo. Depois houve uma exposição no Rio de Janeiro com obras do MAM paulista, do Masp e de colecionadores privados do Rio de Janeiro."

A exposição no Rio de Janeiro causou "brutal tomada de contato com questões que até aquele momento passavam ao largo", afirmou a curadora. Para o catálogo da exposição, Pedrosa escreveu texto "em defesa da arte moderna e da erradicação da arte de caráter social em prol de novas concepções estéticas".

"Ele era marcado pela Gestalt, com a qual teve contato em Berlim no final dos anos 20, e desenvolveu a tese da natureza afetiva da forma na obra de arte. Questões da Gestalt, com nuances, foram retomadas por Pedrosa em outros textos, sobretudo sob a influência da fenomenologia."

Uma questão central para Pedrosa, disse Glória, é a da autonomia da arte, "que considera surgir com força no cubismo de Braque e Picasso e com total afloramento em Kandinsky".

Glória ressaltou o espírito internacionalista do crítico - "mas sem descuidar das condições locais" - e seu clamor por originalidade e necessidade de renovação, "enfim, por uma atitude experimental". No projeto construtivo brasileiro, que "defendia como um projeto moderno, uma linguagem capaz de engajar todos os povos do mundo, foi crítico engajado, ao lado de Lygia, Oiticica, Pape e outros artistas".

A curadora destacou três textos sobre crítica de arte publicados por Pedrosa em sua coluna no "Jornal do Brasil", em 1957. "Reconhecido então como o grande crítico de arte do país, proclama em 'Um Ponto de Vista de Crítico' a visão da crítica baudelairiana, parcial, apaixonada, política, exigindo talvez um pouco mais de tolerância no Brasil caótico, informe e indiscriminado do período."

No segundo texto, ele fala sobre a importância de "distinguir a obra de arte - a ser isolada e apreciada em si mesma - da pessoa física e até mesmo psicológica do artista".

No último texto da série, reafirma as qualidades formais da obra e coloca-se contra qualquer enredo ou assunto, afirmou Glória. Além disso, "para bem apreciar e julgar, o crítico deve substituir o artista".

“Se para Baudelaire o problema do artista é substituir a Natureza pelo homem na fonte de criação, para Pedrosa, o problema do crítico é substituir o artista, isto é, o criador inconsciente ou pré-consciente ser substituído pela consciência da criação.”

Ela ressalvou, no entanto, que Pedrosa deixou de atentar ao crescente ingresso de textos de artistas no domínio do discurso da crítica e da história da arte, bem como à profunda relação entre a crescente reivindicação dos artistas de serem os intérpretes de sua própria obra e as transformações de linguagem na produção contemporânea.

Na época da 1ª Exposição Nacional de Arte Neoconcreta, em novembro de 1959, no Rio de Janeiro, Pedrosa estava no Japão. Escreve vários textos sobre a arte japonesa e organiza a exposição sobre arquitetura brasileira “Do Barroco a Brasília” no Museu de Arte Moderna de Tóquio.

Num primeiro momento, parece haver um certo embaraço de sua parte em relação ao rompimento dos neoconcretos com os concretos, disse a curadora. "Gullar sempre enfatizou a importância de Pedrosa no desenvolvimento da arte brasileira e, em depoimento para filme de 2010, disse, de forma bem-humorada, que o rompimento com o concretismo se deu na ausência de Pedrosa: 'Nós demos o golpe. Foi por acaso, mas ficou como se fosse um golpe. Na ausência do papai grande, mudamos. Quando ele chegou, era outra coisa'.”

Paulo Saldiva - 17/10/2019
Paulo Saldiva

Terapêutica

Segundo o diretor do IEA, Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, Pedrosa não se conformava com o óbvio e questionava tudo. "Nise da Silveira também era uma inconformada e acaba indo para a arte por uma questão humanitária: não aceitava o tratamento que era dado aos pacientes psiquiátricos à época."

"Com ela, saiu o eletrochoque e entrou a palavra. Os pacientes receberam recursos para se expressar e Nise passou a ter contato com manifestações das coisas mais recônditas de suas almas."

Saldiva destacou a relação de Nise com o pensamento do psicanalista Karl Jung. “Jung deu uma surtada. O que o ancorava à realidade era a família e o trabalho. Ele reconhecia nos seus delírios símbolos que seus pacientes também relatavam.”

“Símbolos e formas geométricas como planos e círculos são coisas comuns na arquitetura e remontam ao paleolítico superior. A arte não é manifestação do espírito; ela faz parte do espírito e da evolução.”

Pode-se falar de uma “biologia evolutiva da arte”, de acordo com Saldiva. "A evolução dos hominídeos apostou no aumento da cabeça, que consome energia fornecida pela placenta em detrimento de outras partes do corpo. A cabeça aumentou de tamanho e o quadril ficou menor. A ocitocina, que causa euforia, acaba atuando também para espremer o útero e assim facilitar o parto."

O cérebro maior possibilitou mais conexões neuronais e assim, "há 75 mil anos, aconteceu a revolução cognitiva". Com ela, os objetos que antes eram produzidos só com preocupações utilitárias passam a apresentar também componentes estéticos, afirmou.".

Em relação à pintura, Saldiva disse que ela precedeu em muito a escrita e foi acompanhada pelo canto. “Verificou-se que onde as pinturas eram feitas nas cavernas eram também os lugares com melhor acústica.”

“Por que no tratamento psiquiátrico vai se buscar formas de comunicação ancestrais? Por que estimular a produção de arte?” Antes que os psiquiatras entendessem a importância disso, Pedrosa enxergou a arte como algo fundamental, por isso se associou a Nise."

Extrapolando para a importância da arte em outras situações de saúde, Saldiva disse que cirurgiões constataram haver menos infecções se há arte no ambiente de um hospital. “Quando se vê arte, a pressão arterial cai e aumenta a síntese do hormônio ocitocina, que tem efeito anti-inflamatório.”

Ton Marar - 17/10/2019
Washington Marar

Topologia geométrica

Washington Marar, professor do Instituto de Ciências Matemática e da Computação (ICMC) da USP e especialista em singularidade, fez uma apresentação sobre um tipo de geometria, a topologia geométrica. Ele mostrou como por meio dela é possível descrever a famosa obra “Unidade Tripartida” do suíço Max Bill, ganhadora do prêmio para escultura da 1ª Bienal de São Paulo, em 1951. Também comentou o aspecto topológico da obra “Caminhando” de Lygia Clark.

A topologia geométrica permite a representação da superfície de um elemento tridimensional em um modelo plano. O exemplo inicial explicado por ele foi de um cilindro, que ao ser seccionado tem sua forma indicada por um retângulo com notação de como foi feito o “corte” da superfície curva.

Outro exemplo descrito por ele foi como descrever topologicamente a fita de Möbius. Mostrou como a “Unidade Tripartida” é constituída de três fitas de Möbius fundidas.

Para situar a especificidade da topologia geométrica, Marar falou da geometria euclidiana, contida no tratado “Os Elementos”, escrito por Euclides por volta de 300 anos a.C, em Alexandria. Nele, o matemático grego reuniu tudo que se conhecia então sobre geometria e teoria dos números.

“Trata-se do livro mais traduzido e editado no mundo ocidental depois da ‘Bíblia’. Nele, Euclides criou o método dedutivo, que consiste em obter proposições a partir de asserções básicas e deduções lógicas. Procedimento que influenciou Newton e Espinosa, entre outros.”

Alguns dos exemplos de definições de Euclides mencionados por Marar foram o de ponto ("aquilo que não tem partes") e linha ("aquilo que tem comprimento, mas não tem largura, e cujas extremidades são pontos")

Na geometria, não importa a natureza dos objetos, mas sim como eles se relacionam. Ela se move da desordem para a ordem, com a preservação de propriedade métricas, ao passo que a topologia geométrica preserva as formas.

Fotos (a partir do alto): MoMA, livro "Mário Pedrosa - Primary Documentos; Leonor Calasans/IEA-USP