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Goldemberg fala aos participantes da Intercontinental Academia sobre as contribuições da USP à sociedade

por Mauro Bellesa - publicado 21/04/2015 17:35 - última modificação 12/02/2016 12:11

O físico José Goldemberg, ex-reitor da USP e ex-ministro da Educação, fez a conferência inaugural da Intercontinental Academia no dia 20 de abril.
José Goldemberg - ICA
O físico José Goldemberg, ex-reitor da USP

O físico José Goldemberg, ex-reitor da USP e ex-ministro da Educação, foi o primeiro conferencista a se apresentar na Intercontinental Academia (ICA), na manhã do dia 20. Ele falou sobre a história da Universidade, como ela se insere no panorama do ensino e pesquisa internacionais e sobre os desafios que enfrenta.

A conferência fez parte da programação complementar da ICA dedicada à discussão sobre o futuro das universidades. O tema também será objeto de análise no dia 24, quando haverá um encontro, de manhã, com o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, e um seminário à tarde com reitores de universidades públicas paulistas e federais.

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Goldemberg lembrou que as universidades surgiram tarde no Brasil, em parte como consequência das restrições impostas pela Coroa portuguesa no período colonial. Acrescentou que, ao contrário de outras universidades centenárias, que se desenvolveram naturalmente, a USP foi criada de forma planejada, num momento em que a industrialização tinha um forte impulso em São Paulo e havia a necessidade de reestruturação do sistema educacional e de ampliar a formação de mão de obra qualificada.

Segundo ele, a criação da USP em 1934 foi beneficiada pelo fato de haver muitos intelectuais insatisfeitos com os rumos políticos da Europa no período. "Eles foram convencidos a participar da estruturação da universidade, que surgiu a partir da reunião de escolas já existentes, como as de direito, medicina e engenharia, às quais foram adicionadas outras faculdades."

Para Goldemberg, dois fatos tiveram especial relevância para o sucesso da iniciativa: a adoção da dedicação integral dos docentes e o financiamento completo da Universidade pelo governo estadual.

80 anos

Em 2014, Goldemberg presidiu a comissão que coordenou as atividades comemorativas dos 80 anos da USP. Um de seus trabalhos foi organizar um volume sobre a efeméride e para isso enviou um questionário aos 52 diretores de unidades de ensino e pesquisa, institutos especializados e museus. Uma das perguntas era sobre o que unidade havia feito ao longo de sua história como contribuição para a sociedade. Segundo ele, uma parcela dos diretores não soube responder a essa questão, o que demonstra, em sua opinião, como o papel da Universidade ainda carece de definição para muitos pesquisadores.

O ex-reitor disse que a USP consome 5% da arrecadação dos tributos estaduais, o que equivale a cerca de US$ 2 bilhões, e o custo médio mensal por aluno é de US$ 2 mil. "Mesmo havendo bons cursos e outros não tão bons, apesar dos recursos investidos", ele considera que o financiamento total da Universidade pelo Estado pode ser um bom exemplo para os países em desenvolvimento.

No que se refere às comparações internacionais, Goldemberg prefere se basear no ranking do Times Higher Education, onde a USP apareceu na faixa das 201 a 225 mais bem avaliadas. Ele observou que essa colocação não é algo extraordinário, mas, "considerando-se o número de países das universidades mais bem colocadas que a USP, verifica-se que há 150 países no mundo que não possuem uma universidade como ela, o que não é pouca coisa".

Para o físico, a posição da USP no ranking demonstra que ela possui capacidade de formar pessoal bem informado sobre o que acontece no mundo, sobre que tecnologias estão sendo testadas e quais precisam ser desenvolvidas.

Goldemberg exemplificou isso com o papel desempenhado por algumas escolas, como no caso do desenvolvimento das pesquisas sobre o etanol capitaneado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, "o que possibilitou que hoje metade da gasolina necessária ao país possa ser substituída pelo etanol de cana-de-açúcar".

Durante sua exposição, Goldemberg apresentou gráficos sobre a produção científica brasileira e da USP. A constatação é de que a quantidade de papers publicados no exterior tem aumentado. "Isso poderia ser um ótimo indicador do crescimento da produção, no entanto, o impacto dos artigos ainda é baixo: pouco mais de 0,6 para o Brasil e pouco mais de 0,7 para a USP, tomando-se como referência o índice 1 como média internacional" (avaliada pelo número de citações que um artigo recebe).

Ele lembrou que além das contribuições das ciências naturais aplicadas e das engenharias é preciso ressaltar uma série de contribuições de outra natureza relevantes para a sociedade, as quais não são devidamente computadas nas avaliações. Citou como exemplo a produção dos docentes da Faculdade de Direito, que são referência em muitos julgamentos e pareceres, e com papel decisivo na elaboração de propostas que se transformaram em leis, como no caso do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).

Outra atuação de destaque da Universidade, no seu entender, é o papel desempenhado por vários docentes em atividades de natureza política, institucional e social, como no caso da criação de partidos políticos, na participação do primeiro escalão governamental federal, estadual e municipal, inclusive como chefes do Executivo, e em iniciativas especiais, como aconteceu na Comissão da Verdade, destinada a esclarecer os crimes cometidos pela ditadura militar.

Ao finalizar, Goldemberg fez uma analogia entre a proposta acadêmica da ICA, interdisciplinar e interativa, com o papel do IEA, criado durante sua gestão na Reitoria da USP: "O IEA foi criado como estímulo à interação entre os vários grupos da Universidade, de todas as áreas científicas".

Debate

Durante o debate que se seguiu, o biólogo Eduardo Almeida, um dos jovens pesquisadores participantes, perguntou a Goldemberg se ao participar de projetos como a ICA, interdisciplinares e de difícil avaliação pelos procedimentos usuais para isso, um jovem pesquisador não estaria nadando contra a corrente, pois acabaria produzindo menos em sua área de pesquisa. A resposta de Goldemberg foi sucinta e objetiva: "Não concordo. O contato com pesquisadores de outras áreas leva a maior criatividade na área específica de cada um".

Perguntado pela fisiologista Carolina Escobar sobre que estratégia seria possível adotar para estimular docentes com baixa produção a produzirem mais, Goldemberg disse que geralmente as normais administrativas não possibilitam a demissão dessas pessoas e que, portanto, cabe às chefias de departamento ser mais atuantes nas exigências de produtividade.

À pergunta do estatístico Caio Dantas, ex-pró-reitor de Graduação da USP e atualmente pesquisador do IEA, sobre como avaliar os docentes sem grande produção de papers, mas com papel bastante ativo no estímulo ao trabalho de grupos de pesquisa e ao desenvolvimento de estudantes, Goldemberg disse que um dos caminhos seria a instituição de prêmios, assim como acontece em outras áreas do saber, como as artes.

Martin Grossmann, diretor do IEA quis saber o que Goldemberg recomendaria aos jovens pesquisadores participantes da ICA. A resposta veio numa única palavra: "Agressividade".

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP