Grupo Nutrição e Pobreza manifesta-se sobre considerações da presidência do IPEA a respeito da fome no Brasil
O Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza do IEA divulgou uma manifestação oficial em que refuta pontos de nota divulgada em agosto pela presidência do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas - Ipea. Leia a íntegra do posicionamento do grupo:
Nota da presidência do IPEA surpreende ao tratar da fome no Brasil
Manifestação do Grupo Nutrição e Pobreza – Instituto de Estudos Avançados – USP
O Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas - IPEA, em sua longa trajetória de apoio técnico qualificado para a gestão pública, tem sido parceiro também da Universidade, em diferentes frentes, com destacada contribuição.
Por este motivo, surpreende a Nota da Presidência n.12[1], publicada neste mês de agosto, a propósito da expansão do Auxílio Brasil. A nota emprega dados de internação hospitalar para estimar “problemas de saúde e de doenças relacionadas à má-nutrição”; por meio destes números, se propõe verificar os efeitos do crescimento da insegurança alimentar. A Nota conclui que “se os dados divulgados (por pesquisas recentes[2]) estiverem mesmo corretos e a insegurança alimentar tiver crescido, ela parece não impactar os indicadores de saúde da população brasileira relacionados diretamente à má nutrição” (grifo nosso)!
O Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza vem, por meio desta manifestação e em reconhecimento à história do IPEA, apontar a fragilidade da análise frente ao conhecimento disponível sobre a dinâmica temporal e causal do fenômeno fome-adoecimento, em especial para aqueles em situação de vulnerabilidade; neste sentido, alerta para a abordagem equivocada desta sensível, complexa e grave questão.
O enfrentamento histórico do flagelo da fome, e a defesa incansável da alimentação adequada para todos e todas, permitiu que a prevalência da desnutrição e da insegurança alimentar caíssem de forma expressiva no Brasil, ao ponto de deixarmos o mapa da fome no ano de 2014. Nada trivial, esta conquista resultou da combinação de decisão política por meio de políticas públicas intersetoriais, desenvolvimento econômico, pesquisa de qualidade e potente mobilização social.
A literatura traz evidências, contudo, de que nos últimos anos o país retrocedeu quase três décadas, e chegamos a 2022 com números observados nos anos 1990: são 33 milhões de pessoas com fome, e 58,7% das famílias brasileiras em algum grau de insegurança alimentar.
Em paralelo, o número de pessoas abaixo da linha da pobreza[3] cresceu para 23,7% em 2021, o maior percentual em série histórica de dez anos, levando à marca de 19,8 milhões de pessoas pobres no país[4]. Programas de transferência de renda trazem impactos distintos em contextos adversos. Ao viver inflação com dois dígitos, aumento de desemprego, fragilização dos mecanismos de proteção social e toda a sorte de restrições impostas à sociedade em decorrência de uma política fiscal que privilegia a transferência de recursos públicos para o setor privado, o efeito do benefício fica claramente comprometido.
O momento exige que lideranças sociais, gestores públicos comprometidos com a realidade e academia estejam mobilizados em torno de ações emergenciais, de um lado, mas também de forma articulada, de outro, aos esforços para promover a retomada de um projeto de sociedade que articule políticas estruturantes de combate à vergonhosa situação de brasileiras e brasileiros que não têm o que comer.
São Paulo, 19 de agosto de 2022
Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza
[1] http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/11331
[2] Olhe para a fome - https://olheparaafome.com.br/
[3] Em 2021, expressava o número de pessoas que viviam com até R$465 por mês
[4]https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/desigualdade-nas-metropoles-pobreza-e-extrema-pobreza-alcancam-os-maiores-valores-da-serie-historica/