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Hermínio Martins: uma nota triste

por Fernanda Rezende - publicado 26/08/2015 12:20 - última modificação 04/02/2016 15:56
Rights: Maria Angela D'Incao, especial para o site do IEA

Homenagem de Maria Angela D´Incao a Herminio Martins, que morreu no dia 19 de agosto.

Maria Angela D'Incao*, especial para o site do IEA

Hermínio Martins nasceu em 19 de junho de 1934, na cidade de Lourenço Marques, em Moçambique, onde fez seus estudos. Órfão de pais muito cedo, foi criado pelos tios. Lutou contra a ditadura salazarista em Portugal e, impossibilitado de voltar ao país, entrou em 1952 na London School of Economics. Foi neste ano que conheceu Margaret, que se tornaria sua esposa. No Reino Unido, onde por muitos anos foi exilado político, licenciou-se em economia com especialização em sociologia. Lá, teve professores como Karl Popper, Michael Oakeshott e Ernest Gellner.

Foi professor nas universidades de Leeds (1959-64), Essex (1964-71), Harvard (1966-67), Pennsylvania (1967-68) e Oxford (1971-2001), onde teve oportunidade de partilhar discussões com acadêmicos como John Rex, Bryan Wilson, Peter Nettl, Jerry Ravetz, Talcott Parsons, John Rawls, David Riesman e Imre Lakatos. Passou à condição de Emeritus Fellow na University of Oxford em 2001 e então foi convidado a ingressar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, onde se tornou investigador honorário.

Hermínio Martins, de pouco falar, acumulou belíssimos resultados de reflexões sobre suas leituras, contidos em sua obra. Em uma sociedade onde o falar é positivamente uma regra para o intelectual, Martins acabou marcado pelo sentimento de exclusão que todo estrangeiro e exilado político acaba por cultivar. Ler, ler de tudo, sempre foi condição para sua sobrevivência como intelectual.

Seus textos têm a marca da erudição densa, acumulada em sua vivência crítica – e muitas vezes solitária – na universidade inglesa. Seus diálogos com as teorias são tantos e tão profundos quanto foram os anos de recolhimento político deste cientista social. Suas palavras escritas soariam como rajadas de metralhadora no silêncio da longa noite de exílio, não fossem a generosidade e a elegância com as quais o intelectual universal trata seus interlocutores. Não seria destituído de sentido dizer que a solidão de Martins também se deveu à sua vasta leitura universal, muitas vezes não compartilhada por seus pares ingleses.

Desse modo, a leitura do conjunto de sua obra é fascinante porque tem a capacidade de desenhar, de informar ao leitor cada intenção da argumentação teórica colocada em questão. É elucidativa e, sobretudo, é referência essencial porque se aprende onde estão as dificuldades e as falácias das argumentações de grande parte da complicada fundamentação das metodologias, assumida por nós sem maiores discussões. Esses ensaios trazem um exemplo de lucidez filosófica e sociológica em um momento da história em que, ironicamente, uma incrível concepção metodológica baseada no corte radical com os desenvolvimentos precedentes propiciou a aceitação, quase universal, da globalização, processo que só foi possível por um desenvolvimento anterior, histórico, processual.

Em 19 de agosto de 2015, choramos sua morte em Oxford, ao lado de sua esposa Margaret Martins, do filho Paul e nora Christine, e de seu neto Daniel e companheira Maria.

Ficam suas obras e seu amor pela humanidade. Nesse ponto, Hermínio Martins será eterno a fazer a crítica competente às ideias "prometéicas" do neoliberalismo e a revelar os objetivos sem fim dessa sociedade despregada da humanidade, na busca do poder infinito.


* Maria Angela D'Incao é professora da Unesp e foi colega de Hermínio Martins na University of Oxford, Reino Unido, quando lá esteve como professora visitante. Os dois são organizadores do livro "Democracia, Crise e Reforma" (Ed. Paz e Terra, 2012).