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Historiadores divergem sobre a relevância do conceito de América Latina

por Mauro Bellesa - publicado 15/05/2015 09:30 - última modificação 26/06/2015 15:20

O debate "A América Latina dos Históriadores" foi o primeiro encontro do ciclo "Identidades Latino-Americanas" e teve como expositor Antonio Mitre, da UFMG.
Conferência de Antonio Mitre
Os participantes do encontro: Gabriela Pelegrini, Antonio Mitre, Bernardo Sorj, Boris Fausto e Guillermo Palacios

O primeiro encontro do ciclo Identidades Latino-Americanas, ocorrido no dia 15 de abril, tratou da visão dos historiadores sobre a América Latina desde o início do século 19. As opiniões do expositor e dos debatedores foram variadas, indo do reconhecimento da importância da concepção de uma América Latina una, ainda que como unidade analítica, até a descrença na validade ou relevância da ideia, seja no passado ou no presente.

Chamado de A América Latina dos Historiadores, o evento teve como expositor o historiador Antonio Mitre, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, e como debatedores: Boris Fausto, do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP; Gabriela Pellegrino Soares, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP; e Guillermo Palacios, do Colegio de México. A coordenação esteve a cargo do cientista político Bernardo Sorj, professor visitante do IEA, que também coordena o ciclo.

Os próximos encontros do ciclo serão realizados nos meses de junho, agosto e novembro e tratarão do tema sob o ponto de vista dos sociólogos, economistas e escritores, respectivamente. De acordo com Sorj, o objetivo do ciclo não é  "afirmar ou negar a validade da existência de uma identidade latino-americana ou do sonho latino-americano da 'pátria grande', mas de compreender como a ideia de América Latina foi e continua sendo construída e disseminada, em particular por artistas, intelectuais e cientistas sociais".

NAÇÃO LATINO-AMERICANA

Antonio Mitre disse no início de sua exposição que o nome América acompanhado pelo gentílico Latina é uma denominação que “em todas as épocas nos deixou desconfortáveis, tanto do ponto de vista conceitual, quanto do ponto de vista ideológico-político, se lembrarmos que a denominação está relacionada, de alguma forma, com o ideologia panlatina e o intervencionismo francês no México do século 19".

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Ele disse também que a denominação é conceitualmente imprecisa, pois incorpora países com língua não neolatinas, como Guiana e Belize, ambas de língua inglesa, e o Suriname, de língua holandesa, ao mesmo tempo em que "caracteriza como latinos os países que possuem populações indígenas consideráveis, como Guatemala e Bolívia, na qual o espanhol se tornou língua dominante só em 1977”.

De acordo com Mitre, o nome América Latina foi substantivado por um francês por volta de 1860 e depois universalizado pela expansão francesa. "Há também a informação de que um colombiano havia cunhado a expressão antes e que o nome já circulava na América Latina como uma reação à tendência expansionista dos Estados Unidos, sobretudo sobre o México."

Todavia, segundo o historiador, o conceito já estava presente na historiografia anterior à cunhagem do termo desde o final do século 18, quando surge um ambiente revolucionário ou ao menos de revolta em alguns lugares, permanecendo depois nas guerras de independência, de 1808 até 1825.

Ele recordou alguns historiadores do século 19 em que a concepção latino-americanista aparece em graus variados: o boliviano José Santos Vargas (1796-1854); o chileno Diego Barros Arana (1830-1907), os argentinos Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888) e Bartolomé Mitre (1821-1906); e o chileno Benjamín Vicuña Mackenna (1831-1886).

Segundo Mitre, todos eles se referem à ideia de uma nação americana e usam esse conceito para relatar o percurso das guerras de independência como um processo unitário, que "extravasa o nível local e ganha transcendência na ideia de uma revolta pela liberação do continente".

ONDA REVOLUCIONÁRIA

Os levantes do período das independências são associados de alguma forma "à onda revolucionária do século 18 e ganham unidade e universalidade na medida em que se amarram a conceitos universais daquele período: o de revolução e de república". O processo de independência e constituição dos estados a partir de 1810 vai para frente, segundo Mitre, na medida em que representa a racionalidade iniciada pela Revolução Americana e pela Revolução Francesa.

Para ele, o discurso latino-americanista possibilitou a união contra inimigos comuns (o imperialismo espanhol, depois o francês e em seguida o norte-americano), sem que essa união significasse em momento nenhum a abdicação de qualquer grau de soberania dos estados que estavam sendo constituídos. "Essa postura já era evidente desde a motivação do Congresso do Panamá, em 1926: uma união para repelir o estrangeiro, o intervencionista, o imperialista, apesar da clara dificuldade para fazer com que essa união se materializasse em algum tipo de enquadramento institucional supraestatal."

"O latino-americanismo acabou funcionando e, uma vez consolidados os estados e um nacionalismo arquitetado dentro deles (através da escola pública, das forças armadas, dos símbolos pátrios), vai incorporar o nacionalismo como parte constitutiva de seu esforço, funcionando desse jeito até hoje", comentou Mitre.

O BRASIL NA CONTRAMÃO

Ele disse que o Brasil não fez parte desse processo pelos fatos da história do país: a vinda da família real, a forma diferente como a independência se processou, o estabelecimento da monarquia até o fim do século 19; "tudo isso ia na contramão da concepção latino-americanista observada no pensamento de pessoas como Simón Bolívar [1783-1830] e de Sarmiento".

Mas há um episódio que o historiador considera como um momento em que Brasil entrou no jogo da família latino-americana, para se opor a uma tendência que o país interpretava como o intervencionista: "A partir de uma estratégia diplomática extraordinária, que só pode ser explicada pela presença de quadros burocráticos muito bem formados já no século 19, o Brasil consegue convencer os países vizinhos de que a navegação de barcos estrangeiros no rio Amazonas devia ser vetada".

Ao refletir sobre a historiografia nas primeiras décadas do século 20, Mitre disse que "a primeira impressão é que a América Latina se constitui como unidade analítica a partir da perspectiva estruturalista, influenciada não apenas pelo marxismo, mas sobretudo por ele". É nesse período que se procura entender a dinâmica de toda a região, incorporando-a à dinâmica do capitalismo internacional, comentou.

Para ele, essa perspectiva é nova na proposta, mas não a no espírito, com a historiografia latino-americanista sempre querendo ser universalista e não provinciana, sempre considerando qualquer fato local não apenas no contexto regional, mas também no internacional: "Nossas historias sempre foram mais internacionais do que a história nacional de países centrais."

Os autores emblemáticos do período, na opinião de Mitre, são os peruanos José Carlos Mariategui (1894-1930) e Haya de la Torre (1895-1979), "que vão gerar uma longa descendência e vão arquitetar a oposição clássica entre reforma e revolução, que será retomada nos anos 60".

TEORIA DA DEPENDÊNCIA

A visão da America Latina a partir de uma perspectiva global continuou com os trabalhos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) das Nações Unidas e também com a teoria da dependência, disse o historiador. "A teoria da dependência vai introduzir uma variante, pois vai reconhecer, sobretudo em algumas vertentes, como aquele de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto [1935-2003], que a América Latina é una e diversa."

"Há homogeneidade em muitas coisas no continente, sobretudo naquilo que tem a ver com o caráter dependente em relação às metrópoles, mas cada país é um país; e a teoria da dependência criou uma taxinomia que depois foi muito bem desenvolvida e útil para a análise dos países da América Latina, tanto do ponto de vista da homogeneidade, quanto do ponto de vista da diversidade."

Mitre disse que o colapso das teorias estruturalistas nos anos 80 e 90 afetou a historiografia da região, "que se tornou menos pautada por ideias escatológicas, como a ideia de revolução, e mais variada, com a participação de historiadores que surgiram dos cursos de história que foram criados a partir dos anos 60 em toda a parte".

PENSAMENTO LATINO-AMERICANO

Ele ressaltou que os focos de produção do pensamento latino-americano mudaram ao longo do tempo, por razões várias, sendo que coube ao Chile a primazia dessa produção na primeira metade do século 19, "seguramente pela estabilidade política, que propiciava a reunião de intelectuais de toda a parte e a criação de um ambiente latino-americanista".

Segundo ele, o Uruguai, que ocupou a posição de destaque em seguida, produziu grande quantidade de pensamento latino-americanista no século 20, sendo "a origem dos melhores ensaístas sobre o tema, desde José Rodó [1971-1917], passando por Ángel Rama [1926-1983], Emir Rodríguez Monegal [1925-1985], Eduardo Galeano [1940-2015] e muitos outros".

Mitre vê esse protagonismo uruguaio como consequência de vários aspectos, entre os quais a importância das instituições culturais do país e a proximidade da Argentina ("voltada historicamente muito mais para a Europa e com uma presença avassaladora do ponto de vista cultural"), o que, "talvez como contrapeso, fez com que o Uruguai se voltasse para um discurso que o aproximava mais de seus vizinhos".

Nos anos 50, foi a vez do México, "sobretudo pelo trabalho dos imigrantes que haviam fugido da Guerra Civil Espanhola e que trouxeram novas perspectivas de entender o problema de identidade, a partir de filosofias como a fenomenologia, o existencialismo e o historicismo".

Mitre considera que o México, depois da assinatura do Nafta, em 1998, "não virou as costas à América Latina, propriamente, mas o relacionamento com ela já não tem o impacto que tinha anteriormente". Segundo ele, as publicações e congressos que acontecem no país sobre o assunto são em maior número do que aqueles que aconteciam no período de hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de 1929 a 2000, voltando ao poder em 2012. "Essa produção intelectual está circunscrita ao ambiente acadêmico e sua repercussão externa é diminuta", comentou.

MUDANÇA DE BRASIL E ARGENTINA

Ele vê a Argentina e o Brasil como os líderes da produção intelectual sobre a América Latina no momento. O historiador, que vive no Brasil desde os anos 70, considera essa mudança extraordinária, com "o país não apenas se aproximando política e economicamente da região, mas também começando, tanto no discurso oficial quanto no discurso societário, a se inserir na matriz latino-americana".

Para ele, essa mudança no posicionamento brasileiro e argentino nas últimas décadas é algo realmente novo e decorrência de múltiplos fatores. No caso da Argentina, "que sempre se considerou mais europeia e tentou se diferenciar do resto da região, é mais fácil de falar, pois a Guerra das Malvinas foi um momento crucial dessa virada".

No entanto, Mitre disse que a guerra não foi o único fator do reposicionamento Argentino: "Ele tem a ver também com os exilados (como no caso brasileiro), que se encontraram na Europa e depois foram para o México, formando uma espécie de comunidade latino-americana, e depois constituíram quadros de esquerda que assumiram o poder, alguns deles ficando no poder até hoje".

DIMENSÃO UTÓPICA

Na abertura de sua intervenção, a debatedora Gabriela Pellegrino disse que o historiador mexicano Mauricio Tenorio-Trillo, da University of Chicago, Estados Unidos, publicou um artigo numa obra sobre a história da America Latina editada pela Unesco no qual ele traça um panorama que vai de encontro a muitas das colocações de Mitre. Segundo ela, Tenório-Trillo defende que o conceito de América Latina sempre esteve entrelaçado com uma dimensão utópica, que passa pela ideia de resistência ao imperialismo norte-americano e, em vários momentos, apontou para a ideia de revolução e liberação.

Para Gabriela, a própria escrita da história da América Latina está impregnada por essa utopia: "Escrever sobre a região foi muitas vezes um ato marcado pela perspectiva da América Latina como algo que deve se afirmar, para poder resistir a visões historicamente depreciativas sobre o continente".

Ela afirmou que essa dimensão utópica teve momentos muito vivos, como nos anos 20, com as vanguardas artísticas e literárias, e nos anos 60, com o impacto da Revolução Cubana. "Depois apareceu aqui e ali, como no último governo Lula, que usou essa ideia de uma América Latina altiva perante o mundo." Todavia, no âmbito da historiografia, Gabriela considera que tudo isso "foi perdendo um pouco do ímpeto, em virtude das crises dos paradigmas e do marxismo".

Diante disso, Gabriela indagou: "Para quem serve esse conceito hoje na história, em que medida vale a pena insistir e trabalhar com a ideia de uma América Latina?"  Sua resposta é de que essa ideia incentiva os historiadores a olhar para o conjunto da região e favorece trocas intelectuais a partir de problemas comuns que possam ser explorados comparativamente.

REVISIONISMO

Gabriela disse que a história produzida atualmente "é muito marcada por uma postura revisionista de tudo aquilo que os marxistas trabalharam com uma perspectiva mais escatológica, ou seja, o atraso, a impossibilidade de sermos modernos, todas as contradições que apresentamos em relação ao modelo ideal europeu, o nosso fracasso e, por outro lado, o horizonte da revolução".

Segundo ela, essas questões vêm dando lugar a um reconhecimento de que "essas noções de atraso devem ser matizadas e de que houve, desde as independências, exercícios de negociações políticas, de construção de discursos políticos legitimadores das práticas, de sofisticação na produção desses discursos e de construção dos símbolos".

Ela disse que esse esforço revisionista "deixa de lado o horizonte da utopia, de uma América Latina que em si faz sentido", mas vem se traduzindo em um trabalho que favorece o diálogo e a aproximação de autores de vários países.

Ela se contrapôs a questão citada por Mitre no sentido de que a ideia de nação latino-americana talvez tenha se sobreposto aos nacionalismos. Em seu entender, a ideia de nação latino-americana sempre conviveu como outros discursos: "Essa bandeira sempre foi dos governos de esquerda, ao passo que outros setores ou reforçavam o nacionalismo em oposição aos outros países da região ou ignoravam o discurso da nação latino-americana em função de uma maior aproximação com os Estado Unidos e a Europa".

GUERRAS

Apesar de reconhecer que há de fato uma aproximação do Brasil em relação aos demais países da região, Boris Fausto não vê avanços na construção de uma nação latino-americana. Para ele, “a impregnação do conceito de América Latina no Brasil é muito frágil”. Ele atribui isso à formação diferenciada do país como nação. “O Brasil foi constituído como um império da ordem, da hierarquia, não como nação entregue a guerras fratricidas; isso marcou as elites brasileiras.”

Fausto citou a Guerra do Paraguai (1864-1870) como um contraponto ao latino-americanismo e reveladora da disputa no continente. Segundo ele, “a guerra era considerada fundamental para o Brasil, inclusive por motivos internos, ao passo que para a Argentina não era relevante, tanto que ela logo se retirou do conflito”.

Ele concorda com o comentário feito por Gabriela sobre a aproximação das vanguardas artísticas dos anos 20 à ideia de uma comunidade latino-americana, mas, ainda assim, considera que o interesse intelectual brasileiro em estudar a América Latina já era reduzido naquele período, tendo apenas Manoel Bomfim (1868-1932) como expoente.

O PAPEL DOS EXILADOS

O quadro de afastamento do Brasil da América Latina começou a mudar nas décadas de 60 e 70 e a causa foi a divulgação de ideias revolucionárias pós-Revolução Cubana e os golpes militarem que se seguiram, de acordo com Fausto. “Os exilados da região vão encontrar na ideia latino-americana um ponto comum de integração.”

Ele lembrou que “a própria repressão se articulou em ações extrafronteiras, como no caso da Operação Condor, pois os aparelhos repressivos dos vários países consideravam que havia um processo geral de subversão em marcha no continente”.

Para ele, hoje é fácil dizer que a ideia de unidade latino-americana era utópica, mas “na época não era considerado assim, era impossível não pensar em termos de América Latina em vez de em cada país separadamente”.

Fausto prefere falar em América do Sul, pois considera a noção de América Latina ainda mais problemática. No entanto, Apesar de considerar que há muito interesse na América do Sul por parte dos países da região e de outras partes do mundo, “as noções de democracia, autoritarismo, mudança social, redução de desigualdades, autoritarismo, tudo isso é visto de maneira muito de diferente de país a país e até mesmo internamente a eles”.

DESCRENÇA NO CONCEITO

Guillermo Palacios disse não ter mais confiança no conceito de América Latina. Não só fatos do século 19 e do início do século 20 o levaram a essa descrença, mas também acontecimentos mais recentes.

Ele disse que, em 1998, quando o México assinou o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), o embaixador do Brasil no país, Carlos Augusto Santos-Neves, comentou que, “ao aderir ao tratado, o México acabara com a América Latina, implodindo a noção de uma unidade cultural e trazendo de volta a velha ideia geopolítica de uma América do Norte e uma América do Sul”.

Para Palacios, isso é verdade em muitos sentidos. Ele acrescentou que “a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil definiu a América do Sul como área de interesse específico, não mais a América Latina”.

Ele disse que a referência a essa divisão entre as Américas era uma constante na correspondência diplomática do passado: “Na época da independência, o México era uma potencia territorial do tamanho do Brasil e as correspondências falavam da relevância que o Brasil teria na América do Sul e o México na América do Norte”.

No entanto, segundo Palacios, o México manteve uma estratégia constante de tentar congregar os países latino-americanos numa posição unitária de oposição aos Estados Unidos. Entretanto, vários países discordaram da ideia de uma família latino-americana, pois "isso os colocaria no meio das disputas entre México e Estados Unidos, que não lhes interessava", comentou.

Palacios disse que depois de fazer pesquisas em arquivos da Colômbia, Peru, Bolívia, Chile, Argentina e Brasil  para um livro sobre as relações do México com a América do Sul acabou sua ideia de uma America Latina “como algo que pudesse ser pensado em termos de identidade, irmandade latino-americana, pois se trata de uma questão não apenas utópica, mas completamente ideológica”.

Além da Guerra do Paraguai, citada por Boris Fausto com ícone da rivalidade regional, ele mencionou também a Guerra do Pacífico (1879-1883), do Chile contra Peru e Bolívia (“uma barbaridade em termos de destruição de identidades regionais”), reforçar sua tese de que a noção de América Latina não tem consistência na história.

MERCADOS DOS ESTADOS UNIDOS

Segundo Palacios, dois anos antes da Guerra do Pacífico, um representante mexicano em Santiago, no Chile, queria articular novamente os países numa oposição coordenada  aos vários imperialismos que ameaçavam a região. A resposta dos governantes chilenos foi de que isso não fazia sentido, de que cada país brigava por seus interesses na região. "O emissário mexicano informou a seu governo que os mercados dos Estados Unidos, que cresciam na expansão daquele país para o oeste, eram mais importantes para os países da América do Sul do que a ideia de uma nação latino-americana.”

Em relação ao Brasil, Palacios disse que o fato de o país ser uma monarquia dava margem ao receio de que o país funcionasse como uma cabeça de praia para uma eventual remonarquização da América republicana.

Mas havia também um problema cultural que assustava os mexicanos e peruanos, segundo Palacios: “O Brasil não é hispânico, não fala espanhol; se fosse admitido nos congressos, outras nações poderiam reivindicar pertinência à família latino-americana, como os Estados Unidos”.

No final das exposições, Bernardo Sorj comentou quatro aspectos presentes nas falas do expositor e dos debatedores. O primeiro deles foi sobre algo que identificou na apresentação de Mitre: “Existe um latino-americanismo, mas ele se manifesta de forma diferente em cada país, e o fato de nosso sonho não se realizar da forma que sonhamos não significa que ele desapareça”.

IMPERIALISMO INGLÊS

Ele destacou que parte do latino-americanismo no século 19 foi na verdade anti-inglês, com a postura antiestadunidense se cristalizando apenas no século 20, em graus variados, nos países da região.

Não se pode desconsiderar, segundo Sorj, alguns fenômenos históricos que tiveram um efeito ideológico desestruturante da história da região. “A Revolução Cubana não foi um pequeno evento, desorganizou a vida política de países e está associada aos golpes militares, com consequências para inúmeras pessoas.”

Finalmente, Sorj citou a importância da língua espanhola para a integração cultural dos países hispano-americanos: “A região é uma das poucas no mundo onde um número grande de países vizinhos falam a mesma língua, e com isso circulam com mais facilidade entre os países as informações e a produção cultural.”

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP