Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Horticultura urbana comunitária ainda é vista como atividade clandestina em São Paulo

Horticultura urbana comunitária ainda é vista como atividade clandestina em São Paulo

por Sylvia Miguel - publicado 28/06/2016 10:20 - última modificação 11/07/2016 17:51

Variedades de plantas, áreas mais apropriadas para cultivo, práticas de manejo e tecnologias seguras para a horticultura urbana foram temas debatidos na Faculdade de Medicina da USP.
FMUSP - Horta urbana

Pesquisadores de Melbourne fazem visitas técnicas em hortas da capital paulista. Na foto, a horta da FM-USP.

A agricultura urbana (AU) provê 20% do alimento consumido no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Em franca expansão nas capitais mundiais, a atividade representa a retomada de uma prática que já foi muito comum em tempos de guerra e crise. São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro vêm dando o exemplo entre as metrópoles brasileiras, com hortas que inclusive geram renda para as famílias. Florianópolis (SC) inovou ao criar a gestão de resíduos orgânicos integrada à horticultura. Porém, as inúmeras iniciativas ainda carecem de apoio institucional e governamental, contrariando as recomendações da FAO, que considera a agricultura urbana uma estratégia vital para a qualidade de vida em países pobres.

Se nos países desenvolvidos a produção de alimentos nas cidades ainda é considerada um aprendizado, no Brasil não é diferente. Horticultores urbanos e pesquisadores ainda têm dúvidas sobre as variedades de plantas e áreas mais adequadas para o cultivo, ou as práticas de manejo e tecnologias mais apropriadas e seguras para a produção de alimento em ambiente urbano. Esses temas e também os resultados de uma pesquisa sobre os impactos da poluição atmosférica em hortas da cidade de São Paulo foram debatidos na Faculdade de Medicina (FM) da USP, no dia 15 de junho, durante o seminário Conhecendo a Agricultura Urbana em São Paulo e Melbourne.

O recém-criado Grupo de Estudos em Agricultura Urbana (GEAU) do IEA reuniu no encontro pesquisadores da USP e professores da Universidade de Melbourne, Austrália, além da jornalista Cláudia Visoni, pioneira e ativista em agricultura urbana em São Paulo e responsável pela Horta das Corujas da Vila Madalena, criada há quase quatro anos na capital paulista.

Claudia Visoni

Jornalista Cláudia Visoni: horticultura em São Paulo é essencialmente uma ação política afirmativa e carece de apoio e reconhecimento da sociedade.

“Toda a atenção sobre a atividade é muito recente e funciona em grande parte pelo envolvimento de voluntários. Não há dados oficiais sobre o montante de alimento produzido ou o número e a localização das hortas em São Paulo. É como se fôssemos clandestinos. Somos tolerados pela Prefeitura, mas não oficializados ainda. Em termos de políticas públicas, as iniciativas e leis a respeito não são integradas e os investimentos são insuficientes. Faltam reconhecimento e visão dos nossos gestores públicos”, disse Cláudia.

A jornalista, que para sua palestra recebeu a difícil missão de apresentar um panorama e os números da horticultura urbana em São Paulo, destacou o papel da academia no processo de afirmação da prática no Brasil.

“Por aqui, a horticultura urbana é mais uma ação política afirmativa do que uma atividade importante para a produção de alimento. Infelizmente, ainda há muita incompreensão e preconceito. Parece que algumas pessoas não entendem que hortas comunitárias podem ser um meio de melhorar a qualidade de vida, a saúde e até a violência nas áreas urbanas. E quando a academia se debruça sobre algum tema, isso chama a atenção do poder público e da sociedade. É muito importante a criação desse grupo de estudos e o fato de estarem pesquisando o assunto”, disse Cláudia.

A coordenadora do GEAU-IEA-USP e professora da FM-USP, Thais Mauad, pretende aprofundar o tema e para isso está firmando parceria com pesquisadores australianos. “A Universidade tem o dever de prover as melhores técnicas e informações, a fim de que a sociedade seja capaz de se abastecer de alimentos saudáveis produzidos em ambiente urbano. Por isso estamos realizando uma parceria com a Universidade de Melbourne, que está muito adiantada nesse sentido. A academia precisa seguir o que as sociedades querem e precisam”, disse Thais.

“Já que o movimento de agricultura urbana está apenas começando no Brasil, nada melhor do que começar acompanhado de estudos que possam avaliar a segurança dos cultivos. A poluição atmosférica não é uma questão em Melbourne, mas já existem muitos estudos sobre contaminação do solo. As motivações que impulsionam a agricultura urbana variam conforme o lugar. Mas a qualidade do alimento produzido interessa a todos”, disse o professor Adrian Hearn, da Escola de Estudos Latino Americanos e Hispânicos da Universidade de Melbourne, que apresentou visões sobre a agricultura urbana no Brasil, Austrália e China.

Melbourne se orgulha de ser apresentada ao mundo pela quinta vez consecutiva como a melhor cidade para se viver, segundo ranking da revista The Economist. Para manter essa reputação, as políticas públicas incentivam fortemente práticas saudáveis como a horticultura urbana, disse Hearn.

O aspecto multicultural da Austrália vem impulsionando estudos sobre o cultivo de plantas que não são comumente encontradas nos supermercados. Para uma população que conta com uma miscigenação de 53 países catalogados oficialmente e que carrega a herança de 300 povos ancestrais, interessa introduzir variedades que possam atender a essa mescla, tanto pelos aspectos culturais como educacionais e históricos. O tema foi tratado por outro convidado australiano, o professor Chris Williams, também professor da Universidade de Melbourne, responsável pela projeto de pesquisa “Edible Landscapes and the Burnley Novel Crops Project”.

“É preciso dizer que a AU não se resume a apenas uma tendência ou um tipo de moda nas grandes cidades. Existem questões importantes envolvendo técnicas de cultivo, educação, cultura e segurança alimentar”, enfatizou Williams.

Poluição e  hortas urbanas

A horticultura urbana está associada a inúmeros benefícios como a educação ambiental, o reaproveitamento de resíduos orgânicos por meio da compostagem, hábitos alimentares mais saudáveis, refúgio para microfauna e avifauna, além de constituir ambientes de lazer e integração social, entre muitos outros. Porém, algumas externalidades devem ser consideradas no cultivo de alimentos em ambiente urbano, entre eles a poluição atmosférica e a contaminação do solo, citou o doutorando Luis Fernando Amato-Lourenço, durante sua palestra, no dia 15 de junho na FM-USP.

O pesquisador avaliou a influência da poluição atmosférica na constituição química de vegetais produzidos em hortas urbanas de São Paulo. O artigo assinado com diversos autores buscou entender até que ponto a contaminação e absorção de certos elementos pelos vegetais poderiam representar riscos à saúde humana, tendo em vista os padrões de toxicidade alimentar aceitos internacionalmente.

O estudo quantificou a concentração de 17 elementos químicos absorvidos pela couve (Brassica oleracea L) e pelo espinafre (Spinacia oleracea), produzidos em 10 hortas em diferentes localidades de São Paulo. Piracaia, interior do estado, foi escolhido como local de controle por possuir baixos níveis de poluição atmosférica.

Os elementos analisados foram alumínio (Al), bário (Ba), cádmio (Cd), cromo (Cr), cobre (Cu), manganês (Mn), chumbo (Pb), rubídio (Rb), zinco (Zn), níquel (Ni), arsénio (As), ferro (Fe), cálcio (Ca), magnésio (Mg), fósforo (P), sódio (Na) e potássio (K). Essas substâncias foram escolhidas por sua relevância para a biologia da planta e pela presença de partículas associadas à combustão de combustíveis emitidos por veículos automotores.

A pesquisa utilizou como biomonitor ativo a chamada barba-de-velho ou cravo-do-mato (Tillandsia usneoides L), um tipo de planta aérea da família das bromélias que cresce nos ramos das árvores.  A espécie é considerada um biomonitor confiável de poluição do ar por não ter contato direto com o solo, tirando água e nutrientes da atmosfera e sendo altamente tolerante à acumulação de metais pesados.

Não foram utilizados esterco, fertilizantes ou pesticidas durante todo o período do estudo. Os pesquisadores cobriram o solo com fibra de coco para evitar a suspensão de elementos do solo por gotas de água. Todas as espécies foram caracterizadas quimicamente por meio Espectrometria de Massa (ICP-MS), a fim de detectar a concentração de fundo dos elementos químicos, antes da exposição nas hortas em questão.

A cada 30 dias de crescimento e exposição (30, 60 e 90 dias), as folhas mais velhas foram colhidas a partir do fundo de cada planta e lavadas em água isenta de carga destilada e iônica para eliminar as partículas do solo e quaisquer outros contaminantes. Foram pesadas, congeladas a 20 ° C negativos e enviadas para a caracterização química pelo método ICP-MS. O solo também foi amostrado para verificar a influência do pH na biodisponibilidade dos metais.

O estudo adotou certos critérios para caracterizar o ambiente urbano no entorno das hortas analisadas. Cada local foi georreferenciado a fim de detectar num raio de 500 metros as características das ruas e avenidas. As variáveis de tráfego como velocidade média atingida pelos veículos nessas vias foram obtidas a partir da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo. Foram quantificados os obstáculos no entorno das hortas, como a existência de árvores, edifícios e cercas naturais ou construídas.

Além disso, os dados de temperatura, umidade relativa, precipitação e velocidade do vento foram obtidos a partir das estações de monitoramento da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).

Resultados

Após 30 dias de exposição, os resultados das medições na couve mostraram que as concentrações de alumínio e chumbo foram menores que as obtidas nos mesmos vegetais comprados em supermercados locais. No espinafre, as acumulações de alumínio, chumbo e zinco foram inferiores àquelas dos supermercados.  Porém, alguns elementos como cobre, manganês, rubídio e cádmio, entre outros, foram maiores que os níveis das concentrações em vegetais dos supermercados.

O estudo mostrou ainda que após 60 e 90 dias de exposição, diversos elementos químicos tiveram uma acumulação maior de certos metais em relação às concentrações encontradas nos vegetais de supermercados.

A forte correlação entre as concentrações químicas encontradas nos vegetais folhosos analisados e a acumulação na Tillandsia Usneoides L. reforça a hipótese de que a absorção de partículas atmosféricas derivadas de emissões de veículos automotores representa uma importante fonte de contaminação de vegetais.

“A carga de tráfego está associada à absorção de elementos químicos. Quanto maior a distância das hortas em relação às vias de tráfego mais denso, menor a acumulação de certos elementos químicos nos vegetais", afirmou.

Por outro lado, o pesquisador observa que os obstáculos verticais parecem afetar negativamente a absorção. Portanto, funcionam como barreiras à poluição do ar.

"Devemos nos lembrar de que respiramos diariamente esse ar e que o problema não são as hortas e, sim, a poluição”, disse a orientadora do trabalho, a professora Thais Mauad.

Luis Fernando Amato

Amato-Lourenço: a carga de poluentes do ar derivados de emissões veiculares está associada à acumulação de certos elementos químicos nos vegetais.

Os participantes do encontro também conheceram os resultados de um estudo experimental sobre impactos da poluição atmosférica em hortas de São Paulo, assinado por Luis Fernando Amato-Lourenço, doutorando da FM-USP e integrante do GEAU-IEA-USP. O artigo tem a orientação da professora Thais e a coorientação do diretor do IEA, professor Paulo Saldiva, além de parcerias com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP de Ribeirão Preto, e Instituto Nacional de Análise Integrada do Risco Ambiental (Inaira).

 

“Caixa de Pandora”

Na década de 1970, muitos se orgulhavam de viver naquela que era “a cidade que mais cresce no mundo”. A metrópole paulista, construída sob a marca do “progresso” e da negação à natureza ainda carrega uma mentalidade que coloca dificuldades para a prática da horticultura urbana, na opinião de Cláudia. “Há muito preconceito sobre produzir alimento com as próprias mãos. Falo por experiência própria. Isso parece abrir uma caixa de Pandora, porque muitos não entendem ou não aceitam lidar com a terra na cidade”, disse.

O movimento da agricultura urbana comunitária deslanchou em São Paulo especialmente pelo ativismo nas redes sociais e pela atuação de associações comunitárias e organizações não governamentais, disse a jornalista. Responsável pela criação da página Hortelões Urbanos, que congrega mais de 40 mil seguidores no Facebook, Cláudia contou que muitas hortas comunitárias e particulares nasceram a partir das discussões desse grupo virtual.

Citou o Movimento Urbano de Agroecologia, responsável pelo projeto Cidades Comestíveis, que em 2015 deu início à horta comunitária do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Além de ajudar a mapear hortas de São Paulo através do projeto MudaSP, o grupo vem se dedicando a encontrar terrenos ociosos e a conectar pessoas com interesse de plantar alimento.

Cláudia destacou o papel da ONG Cidades Sem Fome, que facilita inúmeros projetos na Zona Leste da capital paulista e também no Sul do país, seja de hortas comunitárias, hortas escolares, estufas agrícolas ou mesmo incentivos a pequenos agricultores familiares. Uma das atividades técnicas do encontro incluiu a visita a algumas hortas em São Mateus, Zona Leste, apoiadas pela organização.

O mapa da cidade de São Paulo reconquistou áreas verdes em 2014, especialmente devido à expansão da agricultura periurbana nas zonas Sul e Leste, mostrou a jornalista. Mas a maioria das iniciativas não poderia, a rigor, ser chamada de horta comunitária. “Existem alguns tipos de horticultura em São Paulo que não constituem o modelo clássico de horta comunitária”, disse Cláudia

Mas a não oficialização das hortas comunitárias dificulta a compilação de dados. “Os únicos dados que obtive foram tirados de um guia de ecoturismo editado pela Secretaria do Turismo da Prefeitura”, disse. A hortelã contou com a ajuda do Instituto Kairós e reuniu informações sobre a horticultura urbana em São Paulo numa página Wiki.

Um dos tipos de horta existentes em São Paulo é o que a jornalista classifica de agricultura periurbana profissional em ambiente rural. São 420 unidades de produção agrícola (UPAs), segundo a Supervisão de Abastecimento e Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, sendo a maioria localizada na Zona Sul. Apenas 14 são produtores orgânicos certificados, sendo que 15% no total possuem assistência agrícola, disse.

Muitos horticultores constroem suas plantações em áreas inutilizadas ou negligenciadas, como terrenos baldios ou lotes de torres de eletrificação e de grandes tubulações de água. São famílias que constituem um grupo que Cláudia chama de agricultura urbana profissional focada em geração de trabalho e renda. Algumas entidades que congregam esses horticultores são a Associação de Agricultores do Jardim Damasceno, na Zona Norte, a Associação de Agricultores da Zona Leste, a Associação dos Produtores Orgânicos de São Mateus, e a Cooperapas Agricultura Orgânica Parelheiros. Grande parte deles também é apoiada por ONGs, como Cidades Sem Fome e Instituto Kairós.

Além da Horta das Corujas, outras iniciativas comunitárias são a Horta do Ciclista, na Avenida Paulista; a Horta do Centro Cultural São Paulo; Horta da Saúde; Horta do Beco Cambuci; Horta da City Lapa; Horta da Mooca; Horta do BNH; Horta da Vila Nova Esperança; Horta do Shopping Eldorado; além de iniciativas em universidades como a Horta da FM-USP e outras no campus Butantã da USP como o projeto Criando Terra, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP.

Por outro lado, a hortelã acrescenta que a agricultura profissional, tanto nos sítios de Parelheiros quanto na Zona Leste, é tão oficial que os produtores vendem nas feiras livres da cidade, com autorização e apoio da Prefeitura. "E estão surgindo várias políticas públicas para incentivá-los, como a Lei dos Orgânicos na Merenda, o Programa Agriculturas Paulistanas, a Conferência do Desenvolvimento Rural Sustentável. São iniciativas ainda fracas e não integradas. Mas já representam um avanço enorme diante do que acontecia há alguns anos", enfatiza.

A hortelã lembrou o Projeto Escolas Mais Orgânicas, que atualmente conecta experiências de 13 escolas municipais que desenvolvem compostagem associada à horticultura. A plataforma é financiada pela Climate and Clean Air Coalition (CCAC) da United Nations Environment Programme (UNEP), com a consultoria da ONG Morada da Floresta.

Há diversos programas e leis regulamentando o tema, como o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana criado pela Lei 13.727/04 e Decreto 51.801/2010, ou ainda a Lei 16.140/2016, que insere alimentação orgânica nas escolas municipais. Recentemente foram criados o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, e ainda a Casa da Agricultura Ecológica do Parque do Carmo e Parelheiros.

“Infelizmente essas iniciativas do poder público são fracas porque não são integradas e recebem pouco apoio social, técnico e de recursos financeiros”, disse.

Para a jornalista, ainda é prematuro introduzir o conceito de allotments no Brasil. Muito comuns na Europa e Estados Unidos, são loteamentos arrendados ou áreas públicas disponibilizadas para a horticultura familiar, para a obtenção de alimento e renda. “Acredito que as pessoas entenderiam como uma apropriação do espaço público, o que poderia dar briga”, afirma.

O mais importante no momento é manter a ação afirmativa da horticultura urbana e atrair mais pessoas para a atividade. “A melhor parte disse tudo é conectarmos pessoas, que se tornam parceiras, ou amigas, seja pela atividade profissional ou pelo voluntariado. Dividimos o sonho de que um dia todos poderão viver numa cidade mais verde e ter acesso à comida orgânica produzida localmente, e não apenas aqueles que podem pagar ou cultivar”, finalizou.

 

De Melbourne a Pequim

Em 2050, 66% das pessoas estarão vivendo nas cidades, quando então a população do planeta deverá estar próxima de 9 bilhões de pessoas. Num mundo lotado, a segurança alimentar, a escassez de água e de energia serão os grandes desafios colocados para as cidades. Nesse cenário, as iniciativas de horticultura urbana vêm sendo incentivadas por governos e organizações internacionais.

Adrian Hearn

Adrian Hearn, da Universidade de Melboune, vê relação entre o crescimento do agribusiness e a expansão do movimento da agricultura urbana.

“Insights from urban agriculture in Brazil, Australia and China” foi o tema da palestra do professor Hearn, que mostrou uma importante relação entre o crescimento do comércio exterior de parceiros de peso como América Latina, China e Austrália, e a expansão da horticultura urbana nos grandes centros.

Lembrou que o plano nacional da China estabelecido em 2014 tem como meta uma urbanização de 60% até 2020, quando cerca de 1,43 bilhão de pessoas estarão vivendo nas cidades.

"Por traz disso há uma lógica econômica de produzir sociedades em torno do crescimento do consumo. As pessoas precisam consumir mais para manter a economia crescendo, disse.

Segundo Hearn, a China prevê importações da ordem de 10 bilhões de dólares em 2019 em recursos básicos, entre eles, alimentos. "Não é por acaso que América Latina e China e também China e Austrália se tornaram os maiores parceiros de comércio internacional nos últimos anos. Grande parte disso está ligado ao agribusiness. Mas precisam avaliar que tipo de comida gostariam de comer e quais as consequências globais em razão de tamanha demanda por alimento”, disse.

Os casos de contaminação de itens alimentares em Pequim tem impulsionado a demanda por alimentos saudáveis e orgânicos. Com isto, a AU cresceu 6,1% ao ano, segundo o Beijing Statistical Yearbook de 2013, citou.

Na visão de Hearn, o crescimento do comércio exterior e em especial do agribusiness está estreitamente ligado à expansão da AU, na medida em que o movimento de migração do campo acaba levando para as cidades profissionais ou pessoas que se identificam com a atividade agrícola. A premissa é verdadeira para o caso de Rosário, Argentina, e Belo Horizonte, Minas Gerais, citou.

“A migração campo-cidade coincide com a expansão da agricultura urbana e o movimento de cidades verdes. Quando a agricultura da soja aumentou, houve migração interna e os agricultores, tanto de Belo Horizonte, quanto de Rosário, estão levando com eles as tradições e  as técnicas de produzir alimentos. Rosário é uma das cidades que lideram a AU no mundo”, afirmou.

Relacionado

Vídeo | Fotos

Notícia

Novo grupo de estudos irá pesquisar agricultura urbana em São Paulo

Já nas favelas cariocas, o que move a AU é principalmente a segurança alimentar, disse. Hearn citou a horta da favela de Manguinhos, Rio de Janeiro, como a maior horta urbana da América Latina. “No Rio de Janeiro, a questão é garantir a segurança alimentar, ou seja, suprir em quantidade suficiente a demanda por alimentos”, disse.

Melbourne, por sua vez, vem assumindo a AU como um novo tipo de empreendedorismo para a comercialização de alimentos saudáveis. A cidade também busca melhorar os indicadores de saúde da população ligados a problemas do coração e diabetes. “O prefeito incentiva essas iniciativas para promover a atratividade global de Melbourne e para manter a reputação de melhor cidade do mundo para se viver”, disse.

Havana, Cuba, caso clássico de AU no mundo, produz localmente 70% do alimento que consome, o que reduziu 50% o consumo de óleo diesel desde 1989, e 90% do uso de inseticida e herbicida, citou.

“As motivações para a expansão da AU variam muito ao redor do mundo. Mas em geral, a atividade enfrenta desafios muito semelhantes. Entre eles, a formalização de padrões de certificação e segurança e o enfrentamento da escassez de água nas cidades”, disse Hearn.

Na opinião do professor, a AU ainda necessita de sistemas de irrigação mais eficientes num contexto de mudança climática global. A formalização da atividade também é um forte desafio, a fim de que possa enfrentar a competição por terra e aumentar a sua capacidade comercial. Para isso, será imprescindível promover uma mudança cultural para que as sociedades entendam a horticultura urbana como prática sustentável, já que todos os objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU para 2030 estão relacionados à prática da AU, concluiu.