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A relação entre a consciência do eu e a percepção do tempo

por Mauro Bellesa - publicado 28/04/2015 17:50 - última modificação 26/10/2015 17:06

O psicanalista Leopold Nosek fez a conferência Mito e Nascimento: Uma Reflexão sobre a Temporalidade na Intercontinental Academia no dia 25 de abril.
Conferência Leopoldo Nosek
O psicanalista Leopold Nosek

Qual é a relação do discernimento da consciência do eu – no sentido de apreensão da própria existência pelo indivíduo – com a percepção do tempo? O psicanalista Leopold Nosek dedicou sua conferência no dia 25 de abril na Intercontinental Academia (ICA) à análise dessa questão. (Leia o texto completo da exposição.)

Para ele, diante do fato de que a consciência do eu inclui temporalidade e a humanização pressupõe a percepção do tempo, cabe perguntar como o tempo se apresenta ao ser humano e como ele é apreendido.

Na sua argumentação, Nosek valeu-se de analogias com obras de “dois escritores que trataram da relatividade do tempo dentro da tradição racionalista”: a “A Montanha Mágica” (1924) e “Doutor Fausto”(1947), ambos do alemão Thomas Mann (1875-1955); o “O Leopardo” (1958), do italiano Tomasi di Lampedusa (1896-1957).

Na passagem de “A Montanha Mágica” citada por Nosek, Hans Castorp, o personagem principal, acaba por chegar à conclusão de que para a mente o tempo não flui uniformemente, apenas assume-se que é assim para a boa ordem das coisas, e todas as medições do tempo são apenas convenções.

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Segundo Nosek, o tempo e a consciência do eu são temas contemporâneos. Ele destacou o papel desempenhado por “Interpretação dos Sonhos” (1900), de Sigmund Freud (1856-1939), como um dos marcos importantes do ponto de vista da percepção para a maioria dos textos que falam da modernidade.

Nessa obra de Freud, disse, pode-se encontrar a perda da ingênua confiança na mente consciente e o inexorável hiato entre o consciente e o inconsciente. Para Nosek, poderia se falar da modernidade como consciência da ruptura.

Para tratar dessa emergência da ruptura, Nosek disse que é preciso lembrar o quão curto foi o Renascimento, “com sua visão do indivíduo gloriosamente inserido em uma perspectiva sobre a qual ele já tinha domínio”. Logo, acrescentou, surgiu o Maneirismo, "com suas figuras deformadas, sua subjetividade em sofrimento”.

Ele disse que o historiador da arte Arnold Hauser (1992-1978) situou no Maneirismo o começo da percepção do homem moderno, “a percepção de uma unidade rompida, uma harmonia desfeita”.

Quanto a “O Leopardo”, Nosek lembrou que o romance se passa em meados do século 19, período da reunificação e modernização da Itália, e o personagem principal, Don Fabrizio, Príncipe de Salina, depois de um baile, dá-se conta que ele, diferentemente de outros, captura a passagem do tempo, que vem acompanhado de “progresso, destruição de velhas estruturas, criando novas riquezas e adicionando novas desolações”.

De acordo com Nosek, “o Príncipe de Salina tem um lampejo de sua própria pele, ele agarra sua circunstância, seu destino histórico e seu ser subjetivo; seu próprio lugar lhe é revelado. O que mais poderia ser obtido?"

Para o psicanalista, esse apoderar-se da circunstância e do tempo se mescla com a apreensão dos limites e do espaço da existência humana: “Continuamos, dessa forma, dentro do nosso tema: a interconexão da consciência do eu, consciência de seu ‘lugar próprio’, relacionada com a imagem do tempo definida pela frustração e pela limitação”.

Em “Doutor Fausto”, o personagem principal, o músico Adrian Leverkühn, faz um pacto com o diabo, Mephistopheles, dando-lhe sua alma em troca de 24 anos de genialidade como compositor.  Nosek destacou que Mephistopheles adverte o músico para prestar atenção na ampulheta.

Para Nosek, a advertência de Mephistopheles significa que Leverkühn deve cuidar em ter consciência da vida. Como consequência do pacto, Lerverkühn ingressa na modernidade, “por espaços atonais, expandindo os espaços da contradição musical, acompanhado por questionamentos da ciência, pela teoria da incerteza e do acaso”.

Ele finalizou sua exposição com algumas proposições feitas pelo psicanalista Donald Meltzer (1922-2004) em seu livro “Explorations in Autism” (1975), onde ele organiza o espaço da vida em uma “geografia da fantasia” que se move no tempo.

De acordo com Meltzer, o tempo vivenciado pode ser um claustro onde eventos não estão disponíveis para a memória e para o pensamento (funcionamento inerente ao autismo); circular, sem desenvolvimento e onde a morte não existe; ou ainda oscilatório, movendo-se de dentro para fora do objeto e vice-versa, uma contínua operação de omnipotência que torna reversível a diferenciação do eu em relação ao objeto e reversível também a direção do próprio tempo.

Segundo Nosek, para ser unidirecional e linear, do nascimento à morte, é preciso um processo penoso, nunca completado, de renúncia à fusão do eu com o objeto, de luta contra o narcisismo, de redução da omnipotência.

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP