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Reitores debatem as mudanças e novas atribuições das universidades

por Mauro Bellesa - publicado 27/04/2015 11:15 - última modificação 14/04/2016 09:51

Debate com vários dirigentes e ex-dirigentes de universidades no dia 24 de abril fez parte do Eito Temático Universidade da Intercontinental Academia.
O Futuro das Universidades
Reitores e ex-reitores de várias universidades
durante o debate na Intercontinental Academia

As universidades do futuro serão variadas em suas ênfases de atuação, com algumas mais dedicadas ao ensino e outras à pesquisa. A interdisciplinaridade será o paradigma de ensino e pesquisa. Os professores não serão transmissores de conhecimento, mas tutores a orientar os estudantes no aprendizado. O uso das tecnologias de informação e comunicação será intenso. Haverá maior dedicação aos inúmeros problemas enfrentados pela sociedade.

Esse panorama prospectivo sintetiza o debate O Futuro das Universidades, realizado no dia 24 de abril como parte da programação do eixo temático Universidade da Intercontinental Academia ICA).

Os expositores foram: John Heath, pró-reitor de Patrimônio e Infraestrutura da University of Birmingham, Reino Unido; Naomar de Almeida Filho, reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB); Luiz Bevilacqua, ex-reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC); Klaus Capelle, reitor da UFABC; Carlos Vogt, presidente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp); e Marco Antônio Zago, reitor da USP.

Os debatedores do encontro foram Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e Marcelo Knobel, do Instituto de Física da Universidade de Campinas (Unicamp). A moderação foi da jornalista Sabine Righetti, especializada em política científica e tecnológica e jornalismo científico.

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Para John Heath, as tecnologias digitais, já acessíveis a parte considerável da população mundial, terão cada vez mais impacto nas formas de aprendizagem, possibilitando uma educação 24/7 (24 horas, sete dias por semana), além de afetarem significativamente a maneira de fazer pesquisa.

Ele informou que Birmingham já ministra aulas online com interação de alunos do Reino Unido, Estados Unidos, Hong Kong e Canadá, “numa experiência que os alunos consideram transformadora”.

A internacionalização do ensino, em seu entender, não levará a uma espécie de colonialismo educacional. Ao contrário, julga que a globalização acaba por reforçar a importância da diversidade e valorizar a cultura de cada local.

Para Naomar de Almeida Filho, deve-se pensar em futuros possíveis para as universidades, pois ele não acredita em um modelo único para elas.

Em sua opinião, o contexto político, econômico e social da atualidade leva à necessidade de eleger a centralidade do conhecimento como o principal ativo da sociedade.

Para ele, a contemporaneidade implica em aspectos epistemológicos, com o tempo sendo projetado para o futuro. “Passa-se a viver num ‘tempo-espaço líquido’ [baseado no conceito de “vida líquida”, precária e repleta de incertezas, do sociólogo Zygmunt Baumann], com enorme diversidade, a qual também causa fricções.”

Diante disso, ele ressaltou a pertinência atual do pensamento do filósofo Edgar Morin, para quem “a educação é a ‘força do futuro’, porque constitui um dos instrumentos mais poderosos para realizar a mudança”.

A exemplo do trivium e do quadrivium (conjunto de disciplinas) que definiam a educação na Idade Média, ele relaciona cinco características que considera fundamentais para a educação contemporânea: a comunicação (habilidade em utilizar as línguas francas); conectividade; capacitação para a interpretação; ensino/aprendizagem; e escuta.

Almeida Filho disse que é fundamental que a universidade seja descolonizada e seja recriada como vetor efetivo capaz de produzir transformação na região em que está inserida.

Ele considera que a desigualdade no Brasil é alimentada pela perversão da educação. “Dada a característica de taxação regressiva do sistema tributário, o Estado é financiado por quem tem menos benefícios. Assim, uma minoria privilegiada é subvencionada no ensino fundamental e médio e consegue ingressar nas instituições públicas de ensino superior, que são as de melhor qualidade.”

Quanto aos menos privilegiados, “se conseguem superar as dificuldades, quando vão estudar no ensino superior, têm de pagar”.  Ele reconhece que há vários mecanismos para facilitar o acesso dos jovens mais pobres à universidade, como o Prouni, o Fies e cotas, “no entanto, não se muda a estrutura do sistema”.

Assim como Almeida Filho, Luiz Bevilacqua destacou a complexidade das transformações pelas quais a sociedade passa. Ele chamou o período atual como uma época de “choque cultural” e fez uma analogia com o surf: “Uma onda na praia é, tecnicamente, uma onda de choque e nela não convém tentar nadar; é preciso ter um instrumento (a prancha) para surfá-la”.

Para ele, “a universidade no modelo atual está acabada, não tem mais chance de prosperar, e não há muito tempo para tomar as decisões adequadas”.

Bevilacqua também não acredita em um modelo único, mas sim em alguns princípios norteadores das transformações: a universidade deve ser sobretudo um lugar onde o aprender prevaleça diante do ensinar; a pesquisa deve ser feita para o avanço do conhecimento, não para o enriquecimento do currículo dos pesquisadores, invertendo-se assim o modelo atual, que privilegia a quantidade em detrimento da qualidade; a interdisciplinaridade deve ser vista não como causa, mas como consequência da convergência de disciplinas.

Klaus Capelle, preferiu falar do futuro partindo da história das universidades, relacionando as atribuições que foram conferidas a ela no decorrer do tempo.

Ele lembrou que as raízes da universidade estão nas academias dos filósofos da antiguidade grega, passando pelas instituições controladas pela Igreja na Idade Média. Essas instituições dedicavam-se exclusivamente ao ensino. “A mudança significativa aconteceu há pouco mais de 200 anos, quando Alexander Von Humboldt, na Alemanha, propôs o modelo de universidade autônoma e com a incorporação da pesquisa.”

Capelle identificou a década de 70 como o período em que a manutenção da universidade pública passou a ser tão elevada que seus integrantes passaram a ter dificuldade para “justificar a existência delas perante a opinião pública ‘apenas’ com os benefícios resultantes do ensino e da pesquisa”. E foi assim, segundo ele, que há cerca de 10 anos fortaleceu-se o tripé de ação das universidades: ensino, pesquisa e extensão.

“No entanto, na atualidade, a sociedade cobra da universidade não só a dedicação ao ensino, pesquisa e extensão, mas também a uma série de outras finalidades, como a inclusão social, inovação tecnológica, empreendedorismo, internacionalização, educação a distância e sustentabilidade.”

Para Capelle, exige-se demais da universidade e há tempo de menos para realizar o solicitado. Mas ele acredita que a universidade manterá sua resiliência perante as novas demandas, graças ao desenvolvimento tecnológico e às transformações nas formas de organização do conhecimento.

No futuro, ele prevê algumas das mudanças que foram unanimidade no debate: o uso massivo de tecnologias de comunicação e informação, a interdisciplinaridade como um paradigma sólido (“sem eliminar a disciplinaridade”) e a especialização das instituições, pois nem todas as universidades poderão fazer de tudo.

Carlos Vogt disse que sociedade passou de uma cultura clássica de formação para outra de informação e constante transformação. “Mesmo que ainda não se dê conta, a universidade já está vivendo o futuro, o processo de permanente transformação”. Esse processo baseia-se, segundo ele, na “prancha” (mencionada antes por Bevilacqua) das tecnologias de informação e comunicação.

Ele mencionou as principais características da Univesp como exemplo do uso das novas tecnologias, que permitem que seus 3.500 ingressantes anuais façam um dos dois cursos de engenharia (produção e computação) ou uma das quatro licenciaturas (matemática, física, química e biologia) para a formação de professores de ensino médio.

Ao completar dois anos de curso, os alunos de Univesp já recebem um certificado de ensino superior. Se quiserem o diploma de engenheiro, devem cursar mais três anos; se desejarem fazer uma licenciatura, mais dois anos.

Como exemplo do uso da tecnologia para a formação dos alunos, Vogt citou o canal dedicado Univesp TV e o canal no YouTube, que já teve 30 milhões de acessos aos vídeos da instituição, segundo ele.

Retomando comentário feito por Capelle sobre a história das universidades, Marco Antonio Zago disse que antes a universidade era apenas a depositária do conhecimento, mas no entreguerras do século 20 consolidou-se o modelo proposto por Humboldt, com ensino e pesquisa.

Para Zago, continuam válidas as missões da universidade definidas pelo filósofo espanhol Ortega y Gasset (1885-1955) e pelo pensador alemão Karl Jaspers (1983-1969).

Ele citou o comentário feito por Ortega y Gasset no ensaio “Misión de la Universidad”, de 1929, sobre as finalidades da instituição: “Transmissão de cultura, ensino dedicado às profissões liberais, investigação científica e formação de novos homens de ciência”.

Citou também as palavras de Jaspers: “A universidade é uma escola de um tipo muito especial. Não deve ser vista apenas como um local de instrução; ao contrário, o estudante deve participar ativamente da pesquisa e, desta experiência, ele deve adquirir a disciplina intelectual e a educação que permanecerão com ele pelo resto de sua vida. Idealmente, os estudantes pensam de maneira independente, ouvem criticamente e são responsáveis perante si mesmos. Eles têm liberdade de aprender”.

Zago lembrou ainda as finalidades da USP de acordo com o Decreto nº 6.283, de 1934, que a criou:

“a) promover, pela pesquisa, o progresso da ciência;

b) transmitir pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o espírito, ou sejam úteis à vida;

c) formar especialistas em todos os ramos de cultura, e técnicos e profissionais em todas as profissões de base científica ou artística;

d) realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio de cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e congêneres.”

Para ele, essas finalidades já continham o embrião do que a Universidade é hoje, quando se acrescenta uma nova: a relação da Universidade com a sociedade.

Em sua opinião, essa nova missão engloba aspectos como a formulação de propostas para a solução dos grandes problemas da sociedade, o fortalecimento do relacionamento com outras instituições e a preocupação com várias outras questões, como as ambientais, o crescimento e mudanças da população, a produção de alimentos e a portabilidade dos serviços de informação (ao demonstrar isso, Zago valeu-se de seu telefone celular para citar Ortega y Gasset, Jaspers e o decreto de criação da USP).

Uma questão específica que Zago julga merecer um debate intenso é a de como tratar de forma criativa o conflito entre a qualidade acadêmica e a universalização do acesso à universidade.

Debate

Helena Nader, uma das debatedoras, quis saber dos expositores como deveria ser a governança das universidades brasileiras, que “é distinta da exercida em qualquer dos países representados na Intercontinental Academia”. Ela disse também que a autonomia das universidades brasileiras “é prevista no papel, mas não existe de fato”.

Quanto à diversidade das universidades defendida pelos expositores, Helena indagou se uma universidade que não tenha pesquisa pode ser chamada de universidade.

Outro aspecto ressaltado por ela é como as universidades brasileiras lidarão com a globalização, “quando muitos modelos chegam do exterior e se impõem, inclusive por meio da pressão econômica”.

Marcelo Knobel, o outro debatedor, questionou os expositores sobre a importância dada ao ensino de graduação, que, em seu entender, “é pouco valorizado em relação à pesquisa”. Em segundo lugar, quis saber que recomendação eles dariam aos jovens pesquisadores participantes da Intercontinental Academia.

Respondendo aos debatedores, John Heath comentou que o ensino superior na Europa é um mercado livre, com variações: “Na Suíça é gratuito, no Reino Unido é muito caro”.

Quanto ao ensino de graduação, Heath preferiu destacar qual deve ser a função do professor: “Eles não são mais os proprietários do conhecimento, como os monges eram na Idade Média; a função moderna do professor não é mais ser uma autoridade, mas um moderador e orientador”.

No que se refere à gestão, Naomar de Almeida Filho disse que um dos dilemas da universidade é submeter sua governança ao escrutínio da sociedade e que a autonomia tem sido usada para a manutenção do “status quo”.

Ele acredita que se possa avançar nesse aspecto e exemplificou com a proposta da UFSBA, que prevê dois conselhos: o universitário, com preocupações acadêmicas; e o estratégico-social, com representantes da sociedade da região, como movimentos sociais, comunidades indígenas, organizações sindicais e outras instâncias de organização da população.

Para Vogt, o desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre generalidade e especialização. “Isso não se faz por dissecação das áreas, mas por agregação delas”. Para ele, essa agregação coloca para as instituições a questão da governança, “porque temos uma estrutura que era compatível com os anos 60 e hoje sabemos que os departamentos não acompanham a dinâmica dos grupos e da vida acadêmica”.

Ele afirmou que nos anos 90 tentou lidar com esse problema na Unicamp, mas a reação corporativista não permitiu que a discussão avançasse.

Esse desafio está associado a outro, segundo ele: “É preciso evitar a sindicalização do conhecimento”. Vogt disse que a razão sindical é importante, mas não pode se sobrepor à razão do conhecimento.

Por outro lado, afirmou que o que torna a universidade permanente, milenar, assim como acontece com instituições religiosas, é seu conservadorismo: “Queremos mudar, mas não a ponto da vertigem final”.

Quanto à importância do ensino de graduação, disse que ele é chave, pois “não dá para formar bons pesquisadores sem formar bons alunos de graduação em todas as áreas”.

Capelle, em resposta à pergunta sobre gestão, disse que um reitor de universidade federal no Brasil está numa posição única, é legitimado pela sua eleição, mas está sujeito a restrições internas e externas que o impedem de exercer plenamente a governança da instituição.

Sobre a graduação, considera errado pensá-la isoladamente. “A solução pensada na UFABC é sair do tripé ensino, pesquisa e extensão e partir para o emaranhado de atividades, com alunos de graduação dando aulas em cursos de extensão ou participando de pesquisa, por exemplo.”

Luiz Bevilacqua disse que a questão da governança das universidades no Brasil ainda é uma questão cultural e cada um tem uma proposta para aprimorá-la.

No que se refere à graduação, ele disse que o problema é que no Brasil temos a cultura do diploma e não da competência. “O modelo dos colleges e institutos de formação tecnológica é muito importante e ele não poda a criatividade dos alunos.”

Além disso, reforçou a opinião de outros expositores sobre a necessidade de outro modelo de relacionamento entre professores e alunos, no qual o aprendizado não se dá porque o professor ensina o aluno, mas sim porque lhe possibilita meios de aprender: “É preciso fazer com que os estudantes andem por suas próprias pernas”.

Zago respondeu a duas questões dos debatedores. Primeiro em relação ao perfil das universidades. Ele disse que não é verdade que todas as universidades devam fazer pesquisa: “Não há recursos para isso; e não é necessário que seja assim”. Segundo ele, nos Estados Unidos as universidades de pesquisa não chegam a 100, sendo diversas de primeira e segunda classe e muitas de classe inferior.

Em relação à USP, disse que seu gigantismo não permite que cresça mais ou que se pense em fazer propostas individualizadas para seus alunos. Quanto à graduação, disse que ela é muito importante para a USP, mas não tem sido valorizada adequadamente.

Como recomendação aos jovens pesquisadores da Intercontinental Academia em sua tarefa de produzir um Massive Open Online Course (Mooc) sobre o tempo, Zago sugeriu que eles se indagassem sobre o por quê de fazer isso e para quem fazê-lo, sem esquecer de pensar como o trabalho deve ser feito para que os interessados se beneficiem dos ensinamentos sobre o tempo que estarão no curso.

Na abertura do debate aos demais presentes, o biólogo Eduardo Almeida, um dos jovens pesquisadores da Intercontinental Academia, perguntou aos expositores de que maneira os jovens professores poderiam fazer a diferença na universidade do futuro.

Marcos Nogueira Martins, professor do Instituto de Física da USP, perguntou como fazer para colocar em patamares científicos mais elevados os alunos que chegam à universidade com baixa cultura científica.

Caio Dantas, ex-pró-reitor de Gradução da USP e atualmente pesquisador do IEA, perguntou a Naomar de Almeida Filho como é possível reformular a universidade em regiões muito conservadoras. A Carlos Vogt, perguntou como é possível lidar com o aspecto sindical das entidades acadêmicas.

Luiz Bevilacqua disse que não há problema nenhum em ampliar o tempo de permanência na universidade de alunos com pouca cultura científica. Acrescentou ainda, em relação às mudanças necessárias, que as universidades precisam aprender a dialogar com os parlamentares, uma vez que a ditadura militar acostumou todos a se dirigirem ao Poder Executivo.

Respondendo a Caio Dantas, Almeida Filho disse que uma das coisas que produz transformação são políticas públicas de inclusão social, dando voz à população, ainda que parte dela tenha uma mentalidade conservadora: “A universidade não pode ficar omissa, ela tem um papel civilizatório a desempenhar”.

Para ele, com o enorme relativismo da atualidade, alguns valores se perdem e a universidade perde seu vínculo com a sociedade. “A universidade se isolar é pior. Ela deve incluir na cultura aqueles que foram incluídos primeiro, e recentemente, na economia.”

Ela fez ainda comentários adicionais sobre a autonomia universitária: “É preciso pensar diferente sobre ela. O conceito de autonomia universitária prosperou no final do século 18, depois da Revolução Francesa, e no início do século 19, momento em que a universidade tinha perdido sua responsabilidade social”.

Quanto à atuação sindical de docentes e funcionários, disse que “a fratura do diálogo da universidade com a sociedade é que propícia os espaços para atuação sindical”.

Carlos Vogt acrescentou que o sindicalismo nas universidades é um dos temas-chave, “mas não se trata de impedir a sindicalização, mas de fortalecer a razão acadêmica, de termos projetos acadêmicos claros”.

Klaus Capelle finalizou o debate respondendo a duas das questões: quanto aos jovens professores, atribuiu a eles um papel fundamental nas universidades em processo de consolidação; em relação aos alunos menos preparados, enfatizou que nem sempre lhes falta talento e muitos se tornam casos de sucesso: “Devemos ajudar aqueles que queremos na universidade”.

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP