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Uma homenagem à militância científica, institucional e política dos professores honorários

por Mauro Bellesa - publicado 27/01/2015 15:30 - última modificação 01/02/2016 14:17

Em cerimônia na Sala do Conselho Universitário no dia 15 de dezembro, o IEA prestou homenagem a seus professores honorários, com destaque para os dois que receberam o título mais recentemente, o fisiologista Gerhard Malnic e o físico Alberto Luiz da Rocha Barros.
Martin Grossmann, Alfredo Bosi, Rui Curi e Carlos Guilherme Mota - Homenagem aos Professores Visitantes do IEA
A partir da esquerda, Martin Grossmann, Alfredo Bosi, Rui Curi e Carlos Guilherme Mota na abertura da cerimônia

Em cerimônia informal na Sala do Conselho Universitário no dia 15 de dezembro, o IEA prestou homenagem a todos os seus professores honorários, com especial destaque aos dois a quem o Conselho Deliberativo outorgou o título mais recentemente: o fisiologista Gerhard Malnic, professor emérito do Instituto de Ciências Biomédicas e ex-diretor e ex-vice-diretor do IEA; e (in memoriam) o físico Alberto Luiz da Rocha Barros (1930-1999), que foi professor do Instituto de Física (IF) e um dos articuladores (assim como Malnic) da criação do IEA, do qual participou ativamente.

Aberta pelo diretor do Instituto, Martin Grossmann, a cerimônia teve uma saudação a todos os professores honorários apresentada pelo também honorário Alfredo Bosi, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH), membro da Academia Brasileira de Letras, ex-diretor e ex-vice-diretor do IEA e editor da revista "Estudos Avançados".

Em seguida, Rui Curi, professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB, fez exposição sobre a carreira acadêmica e militância institucional de Malnic. Coube ao historiador Carlos Guilherme Mota, professor emérito da FFLCH, primeiro diretor e também professor honorário do IEA, apresentar depoimento sobre a importância de Rocha Barros no ensino de física, na militância política e institucional e na articulação de vários setores da USP para a criação do Instituto.

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A cerimônia teve a presença do pró-reitor de Pesquisa, José Eduardo Krieger; da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader; do vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Hernan Chaimovich (ex-vice-diretor do IEA); de professores honorários e de familiares daqueles já mortos; de atuais e ex-integrantes da Direção, do Conselho Deliberativo e do conjunto de pesquisadores do Instituto; além dos funcionários do IEA.

Na sua saudação, Bosi não se restringiu às realizações acadêmicas dos professores honorários. Também destacou traços peculiares das personalidades de vários deles e fatos ilustrativos de sua relevância para a Universidade e a ciência brasileira.

O primeiro de quem falou foi o fisiologista Alberto Carvalho da Silva (1916-2002), professor emérito da USP e presidente da Fapesp (1984-1993). Bosi disse que, quando começou a frequentar o Instituto, contou com a colaboração do "professor Alberto", como todos o chamavam, ressaltando que Carvalho da Silva contribuiu com a elaboração do Código de Ética da Universidade, em 2000,  trabalho encabeçado por Bosi. “Na convivência com sua pessoa o que mais me marcou foi o seu sentido do tempo, que ele demonstrava no mais alto grau. Falo não só de seu próprio tempo, que ele administrava com sabedoria, mas do tempo alheio, que ele poupava com a mais fina educação."

Quanto ao geógrafo e ambientalista Aziz Ab’Sáber (1924-2012), professor emérito da FFLCH e presidente da SBPC (1993-1995), classificou-o como “mestre apaixonado, que não ocultava suas alegrias nem suas mágoas”. Lembrou que Ab’Sáber foi "a alma de um dos projetos científicos e ecológicos mais notáveis saídos da USP, o Projeto Floram, ao qual o IEA dedicou um número inteiro da revista 'Estudos Avançados'". Comentou que a maior paixão do geógrafo era “converter conhecimento em prática, de forma a devolver à sociedade o que esta transfere às instituições de ensino superior”.

Placa em homenagem aos professores visitantes do IEA
Placa entregue aos
professores honorários

Ao falar do ecólogo Paulo Nogueira-Neto, Bosi disse ser ele o “ícone-símbolo da ecologia no Brasil", com destaque internacional. “Basta lembrar que participou da Comissão Brundtland da ONU de 1983 a 1986 como representante da América Latina, comissão em que surgiu pela primeira vez a expressão 'desenvolvimento sustentável'". Destacou que Nogueira-Neto é professor emérito do Instituto de Biociências, integrante da Academia Paulista de Letras e presidente da Associação de Defesa do Meio Ambiente de São Paulo (Adema), além de ter sido secretário especial do Meio Ambiente do governo federal de 1974 a 1986.

Para Bosi, o químico Paschoal Senise (1917-2011), professor emérito da USP, representava "o ideal do pesquisador, em grande parte solitário, em tudo discreto, silencioso, rigorosamente fiel a seu laboratório e à sua instituição, o Instituto de Química". Acrescentou que talvez nenhum outro professor da Universidade tenha desempenhado com tanta fidelidade e perseverança a condição de aposentado ativo e permanente sênior. Ele atribuiu à dedicação de Senise toda a estrutura da pós-graduação da Universidade, "contribuição inestimável, dado que os regimentos ainda estavam por fazer".

De Crodowaldo Pavan (1919-2009), Bosi disse que foi um dos nomes centrais da genética na universidade brasileira e além dela, graças à ressonância internacional de suas pesquisas. Ele lembrou as participações de Pavan em inúmeros debates promovidos pelo IEA, particularmente nas sessões de lançamento das edições da revista "Estudos Avançados". “Ele se apaixonava por problemas variadíssimos. Tudo o interessava de perto, mas tinha uma prioridade, quase uma obsessão: o nível de ensino dos cursos de graduação, pois acreditava nas virtudes de uma educação científica sólida, continuada, coerente e profunda."

Sobre Gerhard Malnic, que seria homenageado na sequencia da cerimônia por Rui Curi, Bosi disse que o mínimo que poderia expressar é que “se o professor Malnic não existisse deveria ser inventado”. Ainda na área biomédica, lamentou "não ter competência técnica para apreciar como se deve a brilhantíssima trajetória de Eduardo Krieger" e demonstrou sua grande curiosidade em conhecer a fundo a descoberta dos inibidores da enzima conversora da angiotensina a partir do veneno da jararaca, trabalho que contou com a participação de Krieger em sua fase final e possibilitou o desenvolvimento pela indústria farmacêutica de remédios para o controle da hipertensão arterial.

Bosi disse que se for considerada não apenas a excelência científica dos professores honorários, mas também o envolvimento com o Instituto e empenho para que ele de fato cumpra a missão criativa que presidiu a sua fundação, reconhece-se imediatamente as figuras de José Goldemberg, Carlos Guilherme Mota, Sergio Mascarenhas e Yvonne Mascarenhas: “Os quatro integram a história do IEA intimamente, nas qualidades respectivas de reitor fundador, primeiro diretor e coordenador e vice-coordenadora do Polo do IEA em São Carlos”.

Alfredo Bosi
Bosi apresentou, em nome do Instituto, a saudação a todos os professores honorários

Há um ponto comum no caminho universitário que eles escolheram e trilharam, segundo Bosi: "Conseguiram conjugar, admiravelmente sua capacidade intelectual com a energia necessária para enfrentar a corveia administrativa, neles aliada à paixão pela difusão do conhecimento". Do mérito científico e da energia administrativa nasceu o IEA, "por obra, determinação e clarividência do professor Goldemberg, sempre aberto a tudo que dignifique a USP, mesmo nos momentos penosos, como os que periodicamente atravessamos".

Também exemplo dessa conjugação é a carreira de Carlos Guilherme Mota, de acordo com Bosi: “Historiador de grande fôlego e nosso primeiro diretor, sempre se caracterizou pela imaginação, pela ousadia dos projetos, pelos seus enérgicos pronunciamentos, herdeiro que é da tradição crítica da FFLCH. Essa tradição tem servido de parâmetro para toda a carreira de Mota e é dela que sempre esperamos uma refundação de nossas instituições. Uso a propósito o termo refundação, pois é uma das metas constantes de Mota, sobretudo nas crises da Universidade".

Em relação a Sérgio Mascarenhas, Bosi destacou ser ele "um físico de renome internacional, homem de excelente cultura letrada, autor de sonetos recentemente, amante das figuras do Renascimento, conhecedor de Rafael e Leonardo da Vinci, envolvido em restauração de obras pictóricas e ao mesmo tempo um apaixonado pela tecnologia mais avançada e aplicada à economia brasileira, no caso da agricultura e da agropecuária, tendo seu nome indissoluvelmente vinculado aos programas de instrumentação agropecuária da Embrapa".

Sobre Yvonne Mascarenhas, que "aliou seus extensos conhecimentos de física da matéria condensada com uma constante ação educacional", Bosi ressaltou que hoje é referência nacional o projeto de educação científica por ela desenvolvido com estudantes do ensino fundamental e ensino médio em São Carlos e região. Ao lembrar da colaboração de Yvonne com o Grupo de Trabalho sobre Educação que ele coordenou no IEA, comentou: "Inteligência aguda, sensibilidade feminina para o detalhe, intuição prática, uma excepcional modéstia e descrição, eis as qualidades que pude observar nesses anos de convivência feliz com a sua pessoa".

No final de sua fala, Bosi reverenciou a figura de Antonio Candido, "a rigor, maior crítico literário de língua portuguesa, em qualquer tempo, pois desde o século 19, quando emergiu o estudo histórico das letras em Portugal e no Brasil independente, nenhum outro estudioso dominou com tanta mestria a linguagem crítica ancorada em sólida perspectiva social".

Bosi lembrou que Candido fez uma das primeiras conferência do Instituto e "sempre disse palavras esperançosas sobre o IEA, onde via a possibilidade de recomposição do convívio fecundo das ciências da natureza com as ciências da sociedade, convívio que animou, dos anos 30 até os 60, a história da velha Faculdade de Filosofia".

Segundo Bosi, na época da criação do Instituto, em meados dos anos 80, era também desejo do crítico que o IEA fosse o lócus de professores aposentados da USP, muitos dos quais compulsoriamente aposentados pelos atos discricionários do regime que fazia pouco se extinguira. "Esses votos cumpriram-se em parte e cabe a cada um de nós que se cumpram de modo completo e permanente", finalizou o editor de "Estudos Avançados".

Gerhard Malnic
Gerhard Malnic durante a cerimônia

Gerhard Malnic

Rui Curi, do Departamento de Fisiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) fez a apresentação de Gerhard Malnic, presente na plateia. Curi apresentou alguns traços da personalidade de Malnic e um histórico de sua carreira acadêmica e de sua dedicação a questões institucionais da Universidade.

Essa dedicação de Malnic ao trabalho acadêmico foi retratada por Curi por meio de perguntas em tom de brincadeira que os colegas de departamento se faziam: "Quando sabíamos que o professor Malnic estava em férias? Resposta: quando ele vinha para o trabalho usando tênis. Quando soubemos que o professor Malnic havia se aposentado? Resposta: quando seu horário de permanência no departamento mudou de das 8 às 18 horas para das 9 às 17 horas".

Segundo Curi, "além da importância científica inegável para o país e para a fisiologia brasileira, há um aspecto extremamente relevante sobre Malnic que precisa ser destacado: sua importância para a história da USP, uma vez que se dedica há 55 anos integralmente à Universidade".

Rui Curi
Rui Curi, do ICB, falou sobre Malnic na homenagem

Curi ressaltou que nesse período aconteceram fatos marcantes na história do país e da ciência na Universidade, como o golpe militar e a saída do Brasil de vários pesquisadores e lideranças acadêmicas, entre os quais o próprio professor Alberto Carvalho da Silva, seu orientador. "Nessa época, Malnic era um jovem pesquisador recém-retornado do exterior. Ele e o professor César Timo-Iaria assumiram a liderança do departamento, dos pesquisadores, dos laboratórios e tocaram o trabalho em frente, fazendo com que nós sobrevivêssemos e conseguíssemos manter a produção científica e a capacidade intelectual que fora construída."

Depois, com a reforma universitária, que criou os institutos básicos, Malnic foi para o ICB e, em parceria com pesquisadores de várias outras faculdades da área de saúde, organizou o instituto: "Para agregar pessoas com motivações e interesses tão diversos, foi preciso muito da serenidade, paciência e bom senso que o caracterizam. Graças a isso o ICB deu certo".

Ele lutou também contra o autoritarismo na época do governo Paulo Maluf. "Nas greves para defender a Universidade, ele estava à frente dessa batalha. Como parte dessa militância institucional, Malnic foi vice-presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp). "Sua atuação, portanto, foi tanto na bancada, na produção de conhecimento e formação de pessoas, quanto na manutenção da Universidade e na defesa das instituições e da ciência do nosso país."

Aposentado e aos 81 anos, Malnic continua a trabalhar intensamente, como demonstra recente declaração que deu à imprensa, lembrada por Curi:  “No momento, só tenho uma doutoranda, mas estou tentando obter mais alguns. Infelizmente, os jovens preferem ficar com os mais jovens”. Curi discordou do final da frase e dirigindo-se a Malnic, presente na plateia, disse: “Não é verdade, professor, os jovens precisam de seu exemplo e de pesquisadores como o senhor”.

Alberto Luiz da Rocha Barros
Alberto Luiz da Rocha Barros em uma de suas participações no IEA

Alberto Luiz da Rocha Barros

O físico teórico Alberto Luiz da Rocha Barros nasceu em 1930 e morreu em 1999. Tornou-se professor no Instituto de Física (IF) da USP, onde foi assistente de Mario Schenberg. Carlos Guilherme Mota destacou em sua exposição que Rocha Barros foi um dos mais conhecidos e respeitados professores da USP, tanto pelas suas ideias quanto pela militância política. "Ao longo de suas atividades docentes, ele sempre privilegiou o ensino da física, sempre marcado por uma posição coerente, que o acompanhou por toda a vida."

Segundo Mota, Rocha Barros acreditava que a Universidade deveria evidenciar, mais do que a pesquisa e a extensão, o debate acadêmico e o ensino, difundindo o aprendizado em todos os seus níveis. "Talvez por isso não tenha se preocupado em ascender na carreira acadêmica, permanecendo auxiliar de ensino até o fim de sua vida. Na graduação, era extremamente respeitado pelos seus alunos, que afluíam para suas aulas."

Antigo militante do Partido Comunista Brasileiro, Rocha Barros "soube aglutinar em torno de si amigos das mais variadas tendências em que se divide a esquerda brasileira e também muita gente do centro democrático", comentou Mota.

Em 1976, com outros defensores dos princípios democráticos, Rocha Barros começou a lutar pelo retorno dos exilados e pela anistia política dos professores aposentados compulsoriamente em função do Ato Institucional nº 5 da ditadura militar. Nessa época, citou Mota, ele contribuiu para a transformação da então Associação dos Auxiliares de Ensino da USP na Adusp, da qual integrou a primeira diretoria provisória.

Para  Mota, o papel de Rocha Barros foi fundamental na experiência inédita de criação do IEA: "Ele e outras lideranças acadêmicas já tinham uma ideia de instituto de estudos avançados à imagem do Institute for Advanced Study de Princeton, EUA, do Collège de France e de outras instituições, mas havia uma reação do corpo docente, que pergunta sobre o porquê de se criar um instituto de estudos avançados e dizia que isso seria elitismo. Rocha Barros teve o papel de fazer passar –  e precisávamos de uma legitimação da comunidade – na Adusp a ideia de criação do IEA".

Carlos Guilherme Mota
Carlos Guillherme Mota exaltou o papel de Rocha Barros como docente, militante político e entusiasta da criação do IEA

De acordo com Mota, Rocha Barros e o então reitor José Goldemberg tiveram uma interlocução importante para a concretização da ideia, "o primeiro fazendo a ideia passar na comunidade, o segundo contornando as dificuldades burocráticas para a fundação do Instituto".

No início do IEA havia dois tipos de organização, uma formal, constituído por Mota e pelos integrantes do conselho (Alfredo Bosi, Paul Singer, Gerhard Malnic, Roberto Lobo, Alberto Carvalho da Silva e Moisés Nussenzveig), "com Rocha Barros articulando esse grupo com a Reitoria e outras lideranças, como Sérgio Mascarenhas e Caio Dantas". A outra organização, informal, era algo que Rocha Barros ajudou a criar, uma espécie de 'senado invisível', que era um pouco a expressão de toda uma efervescência represada nos departamentos e faculdades".

Rocha Barros sempre participou ativamente das atividades do Instituto, raramente discutindo física, mas sim estética, arte e outros temas: "Quantas vezes não tivemos a participação em situações como aquela em que apresentou o historiador cubano Moreno Fraginals. E na época da primeira conferência do Instituto, feita por Raimundo Faoro, o maior interlocutor do famoso jurista e historiador foi o Rocha Barros".

Finalizando, Mota disse que no final de sua vida, Rocha Barros trabalhava num projeto de intercâmbio entre centros de física e planejava ir para Cuba ajudar no ensino de física tão logo fosse aposentado compulsoriamente aos 70 anos. Mas morreu aos 69 anos, em janeiro de 1999, vítima de um enfarte.

Fotos: Sandra Codo/IEA-USP