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Em meio à crise do coronavírus, pesquisadores do IEA dedicam-se a estudos sobre os impactos da pandemia

por Nelson Niero Neto - publicado 14/04/2020 12:30 - última modificação 16/04/2020 12:40

Diferentes grupos de pesquisa têm se dedicado a analisar as maneiras de conter a transmissão da doença e as consequências dessa situação emergencial

Carlos Andrés Hernández Arriagada
O arquiteto Carlos Andrés Hernández Arriagada | Foto: Leonor de Calasans/IEA-USP
O confinamento da população imposto pela pandemia do coronavírus tem testado a capacidade das metrópoles brasileiras para lidar com a crise. Além do impacto no sistema de saúde, o esforço para conter a transmissão da doença alterou o funcionamento de serviços essenciais e as relações de convivência entre os habitantes.

Pesquisadores do IEA de diferentes grupos de pesquisa têm se dedicado a analisar as maneiras de conter a transmissão da doença, as consequências dessa situação emergencial e o que o governo tem feito, ou pode fazer, para minimizar seus efeitos.

Um deles é o arquiteto Carlos Andrés Hernández Arriagada, professor da Universidade Mackenzie e pós-doutorando do Programa USP Cidades Globais, sediado no IEA. Liderando a equipe do Labstrategy (Laboratório de Estratégias Projetuais), projeto de pesquisa sobre desenvolvimento urbano fundado em 2013, Hernández começou, ainda em meados de fevereiro, a pesquisar o impacto do coronavírus em centros urbanos.

Inicialmente, o foco do estudo era na cidade chilena de Concepción — apesar de morar há 35 anos no Brasil, Hernández segue próximo, em suas pesquisas, de seu país natal. No início de março, a pedido de professor Marcos Buckeridge, coordenador do Cidades Globais, Hernández coordenou uma análise brasileira, focada nas regiões paulistanas do Brás e de Paraisópolis.

A metodologia da pesquisa liderada pelo arquiteto seguia o padrão do Labstrategy: entender as vulnerabilidades de regiões fragilizadas da cidade, e a partir disso orientar como lidar com os impactos de uma pandemia nessas regiões. “Nosso trabalho é identificar cenários críticos futuros e gerar soluções”, resume Hernández.

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O estudo de caso do Brás, apresentado em reunião no IEA no dia 12 de março, mostrou que sem a aplicação de medidas de contenção a transmissão da doença poderia sair do controle. Ao analisar a “feirinha da madrugada”, feira de roupas a céu aberto que ocorre no bairro semanalmente e recebe até 25 mil pessoas, Hernández calculou que, em seis horas, todas essas pessoas poderiam ser expostas ao vírus — bastaria que apenas 2 ou 3 pessoas contaminadas fossem à feira.

No caso de Paraisópolis, o pesquisador publicou no site do Labstrategy orientações para prevenir a disseminação da doença na comunidade. A região foi escolhida por conta de sua alta densidade e abrangência territorial, mas suas fragilidades, similares a outras áreas de vulnerabilidade da cidade, permitem que o estudo seja aplicado em outras comunidades paulistanas.

Essa fragilidade territorial, explica Hernández, é tanto por conta da degradação do meio ambiente como em relação à carência de renda, qualidade da moradia e distância de equipamentos e serviços necessários.

Entre as orientações para conter a transmissão, o artigo sugere o desenvolvimento de uma rede de atendimento emergencial no local, com médicos e equipe de suporte monitorando a situação, além de medidas para identificar e recuperar possíveis focos endêmicos, como córregos com despejo de esgoto.

“Infelizmente, a confirmação [no dia 4 de abril] de 70 casos em Paraisópolis indica que as medidas preventivas não foram aplicadas”, lamenta Hernández.

Resiliência

Outra pesquisa do Instituto a lidar com o tema é do Grupo de Pesquisa A Resiliência Financeira das Cidades Contemporâneas, coordenado pelo professor André de Aquino, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP).

Em estágio inicial, o trabalho é focado em áreas metropolitanas e baseado em três aspectos da resiliência destes territórios: a orçamentária, a dos serviços essenciais e a das comunidades carentes.

O grupo quer entender como os orçamentos dos municípios vão reagir às demandas e impactos que as medidas de contenção estão causando. “Como o orçamento aprovado não previa essa situação, também queremos analisar como o Poder Legislativo vai rediscutir essa questão”, explica Aquino, “no sentido de flexibilizar o uso e a transferência de recursos, bem como o limite fiscal”.

André Carlos Busanelli de Aquino
O professor André de Aquino, coordenador do grupo que realiza a pesquisa | Foto: FEA-RP/USP
O segundo aspecto vai tratar da operação de serviços essenciais durante a quarentena, como a coleta de lixo — considerando o aumento do lixo doméstico e o apoio à coleta de lixo hospitalar — e a segurança pública. “O funcionamento desses serviços nas cidades pode trabalhar sobrecarregado e queremos entender como essa questão será tratada pelo governo.”

Outro ponto que interessa o grupo é como as autoridades articulam o abastecimento das cidades, e como implementam políticas específicas para garantir a circulação de mercadorias entre municípios.

O terceiro aspecto foca em comunidades carentes e fragilizadas das metrópoles. “São regiões com grande aglomeração de pessoas, em que o Estado tem dificuldade de chegar e prestar serviços de forma apropriada”, explica Aquino. “Por isso, esperamos que essas comunidades se articulem para responder à  essa situação de crise. Queremos entender como isso ocorrerá”.

Ainda que essa resposta já tenha começado — com a mobilização das pessoas para ajudar vizinhos idosos a comprar alimentos e medicamentos, por exemplo —, o grupo quer analisar outras ações coordenadas entre o Estado e a comunidade para enfrentar a crise. Uma iniciativa dos habitantes com o apoio ou coordenação do governo pode ser uma das alternativas para ajudar na resolução do problema, aponta o pesquisador.

“É algo que nestas proporções ainda não enfrentamos no passado recente no país. Em acidentes, como o rompimento da barragem em Mariana (MG) ou em deslizamentos de encostas em épocas de chuva, a Defesa Civil conta com indivíduos que são das comunidades e ajudam voluntariamente. Mas são situações isoladas. Agora é uma situação crônica em diversos centros do país”, explica.

Além de André de Aquino, participam da pesquisa Gustavo Capellini, da USP; Ricardo Lopes Cardoso, da Fundação Getúlio Vargas; Ricardo Rocha de Azevedo, da Universidade Federal de Uberlândia André Feliciano Lino e Lidiane Dias, ambos da Universidade Federal do Pará.