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Incentivos fiscais com metas claras de sustentabilidade podem ser saída para gestão da Amazônia

por Sylvia Miguel - publicado 17/05/2016 15:05 - última modificação 18/05/2016 13:41

Coordenação de políticas públicas, Zoneamento Ecológico Econômico efetivo e mecanismos constitucionais capazes de conectar os entes federativos foram temas debatidos no dia 11 de maio.
Extrativismo

Seminários do ciclo “Os Desafios para uma Amazônia Sustentável na Contemporaneidade” prosseguirão ao longo desse ano.

O enfrentamento dos desafios na região Amazônica dependerá essencialmente da competência na gestão e coordenação das políticas públicas e ambientais. A questão está diretamente relacionada à distribuição de verbas da União. Alguns estados e, especialmente os municípios pequenos e longínquos, enfrentam entraves na gestão devido ao esquema de repasses, que os torna dependentes da administração federal.

Para piorar, a baixa qualificação da maioria dos servidores municipais brasileiros não contribui para a competitividade nacional e muito menos para a proposição de políticas ambientais. A opinião é de especialistas que participaram do seminário Contradições na Governança da Amazônia.

Realizado no dia 11 de maio, esse foi o primeiro encontro da série “Os Desafios para uma Amazônia Sustentável na Contemporaneidade”, programado para acontecer ao longo do ano com a presença de acadêmicos, gestores públicos, pesquisadores e representantes de organizações não governamentais.

Participaram do debate o secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal, André Lima, a professora Marta Maria Assumpção Rodrigues, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, a professora Juliana Cibim, da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), e a professora  Neli Aparecida de Mello-Théry, vice-diretora da EACH e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade (IEA), responsável pelo debate. O encontro contou também com a organização do Instituto de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IDS) e o Centro Alemão de Ciência e Inovação São Paulo (DWIH-SP).

Neli - Matéria

Sustentabilidade da região depende da coordenação das políticas entre os entes federativos, diz professora Neli, da EACH-USP.

De acordo com a professora Neli, 80% dos funcionários municipais na região Amazônica são estagiários. No Nordeste, 80% dos funcionários contratados ocupam cargos de confiança, ou seja, postos sem concurso.

A falta de prioridade sobre a questão ambiental na agenda municipal resulta na instabilidade de quadros qualificados. É maciça a presença de estagiários de gestão ambiental especialmente no sul-sudeste, que possui universidades com grande oferta dessa força de trabalho. Os dados foram publicados no livro “Gestão Ambiental – Desafios e Possibilidades” (editora CRV), em artigo assinado pela professora Neli em coautoria com o professor Hervé Théry, professor visitante no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e integrante do grupo de pesquisa em políticas públicas do IEA.

Segundo texto de discussão entregue aos participantes do encontro, União, estados, Distrito Federal e municípios deveriam contar com uma lei complementar fixando normas para a cooperação entre os entes federativos. Mas tal lei, prevista no artigo 23 da Constituição de 1988, nunca foi criada. A ausência de mecanismos constitucionais que estimulem a cooperação na gestão pública acentuam as desigualdades regionais, traz o texto.

O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm), proposto pelo governo federal e que reduziu 79% do desmatamento da floresta, bem como  o Programa Municípios Verdes (PMV), nascido na cidade de Paragominas e estendido a todo o estado do Pará, são dois exemplos de políticas ambientais bem sucedidas na Amazônia Legal. O sucesso dessas iniciativas é tributado, em grande parte, à articulação entre os governos federal, estadual e municipal.

Porém, tais ações representam exceções à regra. A falta de coordenação das políticas públicas impera entre os três níveis federativos. Os atritos, em geral, terminam solucionados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mostra o texto.

Marta Maria Assumpção Rodrigues

"Descentralização impacta negativamente na coordenação das políticas públicas", diz professora Marta Maria, da EACH-USP.

Na palestra que abriu o seminário, a professora Marta Maria analisou o impacto do federalismo descentralizado sobre a governança e a proposição de políticas públicas no Brasil. Para a professora, a coordenação da administração federativa tem sido bem sucedida em alguns setores, especialmente com a criação de organismos como o Sistema Único de Saúde (SUS), dos sistemas Fundef e Fundeb (respectivamente, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Ou, ainda, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), Bolsa Família e outros mecanismos, disse.

Porém, a descentralização impacta negativamente na coordenação das políticas públicas, sem contar que faltam mecanismos de controle e fiscalização do que já está em andamento, disse. A descentralização versus competitividade varia ao redor do mundo e, portanto, não são variáveis dependentes, mostrou a professora.

Um levantamento da Tendências Consultoria realizado em 2015 com 63 países evidencia que nem sempre a descentralização leva necessariamente à alta competitividade, mostrou a professora. “Além disso, pode ser que o desenho do nosso federalismo descentralizado seja um problema para a governança das políticas públicas”, afirmou Marta Maria.

Países como Inglaterra, Holanda, Irlanda, Israel, Nova Zelândia, França, Bélgica e Noruega possuem baixa descentralização de recursos e alta competitividade. Porém, países como Japão, Canadá, Suíça, EUA, Suécia e Emirados Árabes, altamente competitivos, possuem alto grau de descentralização dos gastos públicos, mostrou o estudo. Por outro lado, Brasil, Bolívia, Russia e Índia apresentam nível intermediário de descentralização e baixa competitividade. Mas Alemanha, Finlândia, Austrália, Dinamarca, Áustria e Coreia também possuem nível intermediário de descentralização, mas são muito competitivos, segundo o levantamento.

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“Não é óbvia a tese de que há no Brasil um excesso de concentração de poder da União, já que o papel dos estados e municípios na construção de políticas públicas também é relevante”. A professora reforça a tese da baixa qualificação da mão de obra que opera nas prefeituras. Afirma ainda que “falta nos municípios uma agenda de desenvolvimento sustentável, além de mecanismos de controle e transparência (compliance) das ações dos governos subnacionais”.

Marta Maria acredita que o mecanismo de repasse da União para estados e municípios redunda “num alto custo de barganha dos recursos no Brasil”. Além disso, a descentralização contribui para a “perda de uma visão sistêmica das políticas públicas” e para a “assimetria dos entes federativos”.

Por isso, “a criação de instituições intermediárias ou canais de resolução de problemas deveriam ter sido previstos na Constituição”, disse.

Um dos fundadores do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), André Lima também criticou o modelo de descentralização aplicado a partir da Constituição de 1988. As leis ordinárias delegaram responsabilidades para estados e municípios sem qualquer capacitação ou preparo dos recursos humanos que atuam nas prefeituras.

“Não houve um programa com indicadores, métodos de avaliação e monitoramento. A descentralização de responsabilidades não foi proporcional aos recursos repassados para dar conta das obrigações previstas”, disse Lima.

Para o secretário, a base do problema é ausência de visão sistêmica dos gestores, a falta de planejamento, a fragilidade administrativa e a baixa transparência. “Os desafios ainda são grandes, como a guerra fiscal, a disputa assimétrica dos recursos, a ausência de instituições de coordenação e mediação de conflitos entre os entes federativos, além da questão político-partidária se sobrepondo ao interesse comum”, afirmou.

 

Lista negra do desmatamento

André Lima

André Lima aponta que não há instrumentos que conectem estados, municípios e União na busca de objetivos comuns voltados à sustentabilidade.

Lima contou a experiência de estar entre os técnicos do Ministério do Meio Ambiente que contribuíram na concepção do plano de redução do desmatamento da Amazônia, implementado pelo governo federal em 2004.

Segundo Lima, houve uma tendência de retorno do aumento do desmatamento e os especialistas foram obrigados a pensar numa estratégia rápida que conseguisse envolver outros entes federativos na questão.

“A estratégia que nos veio foi a da responsabilidade compartilhada. Não fizemos nenhuma revolução legislativa. Ao contrário, apenas publicamos uma portaria do MMA com a lista de 35 dentre os mais de 800 municípios da região amazônica, os quais eram responsáveis por 50% do problema”, disse.

A maioria das cidades campeãs do ranking do desmatamento estava em quatro estados, principalmente Pará e Mato Grosso, disse Lima. “Colocamos foco no problema e atacamos de frente. Nenhum prefeito ou empresa queria estar no ranking dos que mais desmatavam”, contou.

Segundo Lima, a publicação daquela portaria do Ministério conseguiu atingir o objetivo de criar constrangimentos para setores econômicos envolvidos na cadeia produtiva da grilagem e do desmatamento, que sofreram embargos em financiamentos. O recadastramento dos imóveis rurais junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) também foi uma forma de controlar as irregularidades.

“Na época, eu era diretor do MMA e recebi deputados que vieram pedir para tirar cidades da lista, dizendo que as empresas deixariam de investir localmente. A lista foi também uma condenação política em ano eleitoral”, disse Lima.

Segundo o ambientalista, além da punição, foi criada também uma contrapartida de incentivos fiscais para os que cumprissem metas de redução. “Os que reduzissem o desmatamento ganhavam o selo de Município Verde. Colocamos metas aferíveis e objetivas, inclusive pós-cumprimento da meta. Não acompanho mais de perto a questão, mas sei que R$ 70 milhões de reais foram distribuídos recentemente no Pará em função da redução do desmatamento e do aumento das áreas protegidas”, disse.

 

Zoneamento ecológico econômico

Advogado formato pela USP, Lima acredita que o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), instrumento do MMA para planejar e ordenar o território, tem sido mal utilizado pelos gestores públicos. Os zoneamentos deveriam pactuar os objetivos regionais de sustentabilidade e desenvolvimento, sendo que estados e municípios se vinculariam ao pacto a partir de incentivos fiscais. Os critérios de repartição dos recursos seriam definidos por meio de indicadores e do cumprimento de metas de sustentabilidade, defendeu.

“Hoje, os poucos instrumentos de ZEE que existem não possuem mecanismos de medição de sua eficácia. Infelizmente, a repartição de recursos é feita via emendas de bancadas, cuja lógica é política e nada tem a ver com desenvolvimento ou sustentabilidade. Não há nenhum instrumento que possibilite a conexão entre estados, municípios e União na busca de objetivos comuns voltados à sustentabilidade”, afirmou.