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Infertilidade masculina está associada à poluição do ar, agrotóxicos e tabagismo

por Victor Matioli - publicado 20/06/2018 18:20 - última modificação 21/06/2018 13:50

Pesquisador do IEA reúne 10 anos de pesquisas sobre saúde sexual masculina em um capítulo do livro "Bioenvironmental issues affecting men’s reproductive and sexual health"
Capa livro Suresh C Sikka
Jorge Hallak, Mariana M. Veras e Paulo Saldiva escreveram o primeiro capítulo do livro editado por Suresh C. Sikka

Assim como o sangue, o sêmen carrega consigo informações importantes para analisar o estado de saúde dos homens. Os efeitos da exposição a pesticidas, poluição atmosférica e da água, tabagismo e abuso de drogas e medicamentos, por exemplo, podem ser observados no sêmen e atuar como indicadores de graves problemas de saúde.

Para Jorge Hallak, professor especialista em urologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o sêmen é um biomarcador da qualidade de vida masculina e análises seminais deveriam ser tão comuns quanto as sanguíneas. Por esse motivo, Hallak dedicou boa parte de sua carreira a estudos da andrologia e infertilidade do homem. Em abril deste ano, ele assumiu a coordenação do recém-formado Grupo de Estudos em Saúde Masculina do IEA, que pretende produzir e difundir novos conhecimentos sobre os mais diversos aspectos da saúde sexual e reprodutiva dos homens.

Um dos estudos desenvolvidos por ele analisou os efeitos da poluição atmosférica sobre os que são, segundo ele, os principais parâmetros seminais: concentração, motilidade e morfologia dos espermatozóides. Além disso, observou as maneiras pelas quais os poluentes agem sobre os níveis de vitamina D do corpo, a proporção sexual dos nascimentos em determinado período e o desenvolvimento de cânceres no sistema reprodutor masculino.

As investigações demonstraram uma considerável redução na motilidade progressiva dos espermatozóides, a qual, segundo Hallak, “é um dos parâmetros mais importantes para avaliar a qualidade espermática, porque determina a qualidade efetiva das células”. Ele alerta que a baixa motilidade demonstra uma deficiência energética da célula. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que uma amostra saudável deve apresentar motilidade mínima de 50%. Em 2001, o valor médio registrado pela pesquisa de Hallak era de quase 60%. Em 2008, o valor médio foi pouco superior a 25%, número substancialmente inferior ao recomendado pela OMS.

Também foi constatada uma grave piora na morfologia dos espermatozóides, quando expostos a níveis crescentes de poluição. O poluente escolhido para os testes foi o dióxido de enxofre (SO2). Ao elevar a concentração de SO2 de 8,5 para 17 microgramas por metro cúbico de ar (µg/m3), observou-se uma deterioração de quase 25% nas características morfológicas do esperma.

As principais conclusões das pesquisas de Hallak foram compiladas em um capítulo do livro Bioenvironmental issues affecting men’s reproductive and sexual health, organizado por Suresh C. Sikka e publicado em 2018. O artigo foi escrito em parceria com Mariana M. Veras, pesquisadora da FMUSP e Paulo Saldiva, médico da FMUSP e diretor do IEA.

“O efeito destes intoxicantes é tão forte que pode interferir no próprio processo de evolução da espécie”, concluem os autores do artigo. Para eles, apesar das evidências de que o meio ambiente influencia largamente a saúde masculina, isso quase nunca é levado em consideração nas análises médicas.

Jorge Hallak - 17/05/2108
Jorge Hallak: “O que se percebe é que a qualidade do sêmen em São Paulo está piorando, isso é fato”

As pesquisas
Inicialmente, os pesquisadores procuravam entender os impactos da poluição na população masculina da capital paulista. “Os dados preliminares da nossa pesquisa, realizada na cidade de São Paulo entre 2000 e 2008, demonstram uma queda clara nos parâmetros seminais de doadores saudáveis”. A investigação comandada pelo professor Hallak usou amostras de 743 pacientes com idades entre 23 e 50 anos (média de 36,5 anos) e seguiu os critérios descritos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As pesquisas foram realizadas em grande parte pelo centro de ciência e inovação de Hallak, o Androscience, e em menor escala pela FMUSP.

Foram coletados também dados diários sobre as concentrações de O3, CO, NO2, SO2 e MP10 (material particulado com diâmetro aerodinâmico inferior a 10 micrometros). As análises dos três principais parâmetros seminais foram então confrontadas com as referências atmosféricas captadas diariamente, criando uma relação entre a qualidade do sêmen e a poluição do ar.

No capítulo, os autores relatam uma pesquisa realizada em 1992 que sugere, com base em estudos realizados entre 1938 e 1991, que as contagens de espermatozóides haviam caído 42% no período em todo o mundo. Entretanto, um artigo publicado em junho do ano passado atualizou estes números e fez aumentar a preocupação de parte da academia. O trabalho, que analisou 200 estudos realizados entre 1973 e 2011, concluiu que a contagem total de espermatozóides caiu 59,3% na América do Norte, Europa, Austrália e Nova Zelândia, durante o período. Segundo Hagai Levine, médico responsável pelo estudo, se esta lógica se mantiver, a raça humana poderá ser extinta.

Apesar da clara relação de causa e efeito entre os objetos estudados, Hallak lembra que existem outras causas para a piora dos parâmetros seminais: “É importante lembrar que a poluição ambiental e atmosférica é apenas um dos fatores que contribuem para a deterioração da qualidade do sêmen”. Ele ressaltou, por exemplo, que o consumo de alimentos ultraprocessados e cultivados com altas dosagens de hormônios e agrotóxicos também pode comprometer duramente a capacidade reprodutiva masculina.

Um grupo de risco, quando se fala em exposição à poluição, é o das mulheres grávidas. De acordo com os autores do artigo, os efeitos para os recém-nascidos podem ser graves. “Entre as consequências associadas à exposição aos poluentes atmosféricos durante a gravidez estão o peso reduzido no nascimento, prematuridade, mortalidade neonatal e pós-neonatal e defeitos congênitos”, apontam.

Para eles, este tipo de informação deveria ser melhor aproveitada pelo órgãos legisladores do Estado, que poderiam desenvolver políticas públicas de proteção para este este e outros grupos de risco. “Se considerarmos que a influência da poluição nos estágios iniciais da vida (embrião e feto) aumenta os riscos de desenvolvimento de diabetes, síndromes metabólicas, doenças cardiovasculares e câncer, a exposição durante a gravidez deveria ter um profundo impacto nas estratégias de saúde pública para prevenir essas enfermidades”, acreditam os autores.

Razão sexual
Apesar de focarem seus estudos em seres humanos, os autores relatam que testes realizados com outros mamíferos comprovaram que a proporção sexual (número de machos versus número de fêmeas) pode ser afetada por situações de grande estresse, como indisponibilidade de alimento e poluição do ar. Partindo dessa lógica, eles buscaram entender como os poluentes afetam esta proporção em humanos. “Nós elegantemente demonstramos que existe uma dura redução na razão sexual das áreas mais poluídas de São Paulo”, defendem.

Os autores comprovaram esta diminuição confrontando as razões sexuais e os índices de poluição de diversas localidades da cidade de São Paulo. Para tanto, usaram dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), que registra as concentrações de MP10 em 23 estações espalhadas pela cidade. Eles então mapearam os nascimentos que ocorreram em um raio de dois quilômetros de cada uma destas estações e delinearam uma relação entre os dois fatores. O resultado alcançado foi significativo. Na região menos poluída, a razão foi de 51.7%, e na área mais poluída, 50.7%. A diferença de 1% entre as razões significa que nascem todos os anos, nas área mais poluídas, 1180 homens a menos do que nas áreas menos poluídas.

Banco de semem

Vitamina D
“Os baixos níveis de vitamina D alcançaram proporções epidêmicas nas sociedades modernas e já podem ser detectados em 75% dos indivíduos, incluindo adolescentes em áreas urbanas”, apontam os autores do capítulo. Segundo eles, deficiências da vitamina estão associadas a diferentes doenças que acometem os ossos. Mais recentemente, foram relacionadas a um crescente número de outras doenças cardiovasculares e autoimunes, além de afetarem sinalizações do sistema imune inato e respostas a ferimentos e infecções.

Alguns estudos têm demonstrado que a exposição à poluição atmosférica também pode contribuir para diminuir os níveis de vitamina D em mulheres e fetos (devido à deficiência materna). Os autores citam um estudo conduzido por Baiz et al. em 2012, cujos resultados demonstraram que a exposição materna a ‘níveis urbanos’ de NO2 e MP10, durante toda a gravidez, foi um forte preditor de baixos índices da vitamina em recém-nascidos.

As conclusões explicitam mais uma das consequências negativas da poluição atmosférica. Para os pesquisadores, “estes efeitos podem ter impactos abrangentes no desenvolvimento de doenças como obesidade, diabetes, síndromes metabólicas, neuropsiquiatria, depressão, doença de Alzheimer e outras condições neurodegenerativas”.

Compostos desreguladores endócrinos
“Toda poluição atmosférica que respiramos se transforma, dentro do corpo, em desreguladores endócrinos, que têm se mostrado intimamente associados aos cânceres de próstata, tireóide, mama, ovários, testículos e outros”, aponta Hallak.

Segundo a definição da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês), um composto desregulador endócrino é “um agente exógeno que interfere na síntese, secreção, transporte, metabolismo, ação vinculativa ou eliminação de hormônios naturais responsáveis pelos processos de homeostase, reprodução e desenvolvimento”.

Eles são dificilmente identificáveis, apesar de amplamente disseminados no ambiente, e quando combinados adquirem a capacidade de produzir danos graves à saúde. Segundo os autores, os desreguladores endócrinos englobam uma grande variedade de classes químicas, “incluindo hormônios naturais e sintéticos, componentes de plantas, pesticidas, produtos industrializados e outros subprodutos e poluentes industriais”.

Metais pesados também agem como desreguladores endócrinos e podem ser considerados agentes tóxicos. Os encontrados em ambientes de convívio humano (cádmio, chumbo, mercúrio, arsênico e vanádio) são sabidamente nocivos a gametas e embriões, além de terem efeitos carcinogênicos. “Estes desreguladores podem causar tumores, defeitos congênitos e outras anomalias no desenvolvimento”, concluem os autores do artigo.

Foto 1: Divulgação/Elsevier
Foto 2: Leonor Calasans/IEA-USP
Foto 3: Divulgação/Clínica Tambre