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As visões de Danilo de Miranda e Emanoel Araújo sobre a gestão cultural

por Mauro Bellesa - publicado 30/08/2017 15:55 - última modificação 04/09/2017 09:35

Emanoel Araújo, diretor do Museu Afro Brasil, e Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc-SP, foram os expositores do encontro "Instituições Culturais I", no dia 22 de agosto, no Museu Afro Brasil. Foi o segundo evento do ciclo "Cultura, Institucionalidade e Gestão".
Emanoel Araújo, Danilo Santos de Miranda e Ricardo Ohtake - 22/8/2017
Emanoel Araújo (à esq), Danilo de Miranda (centro) e Ricardo Ohtake no encontro realizado no Museu Afro Brasil

No segundo encontro do ciclo Cultura, Institucionalidade e Gestão, no dia 22 de agosto, o diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, e o diretor do Museu Afro Brasil (local do evento), o artista Emanoel Araújo, apresentaram suas experiências em gestão cultural, diferenciadas em termos administrativos, financeiros e de abrangência, mas com intersecções na preocupação com a educação, o estímulo à cultura e a promoção social.

Organizado pela Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, o ciclo é dividido em módulos temáticos. O evento Instituições Culturais 1 - Museu Afro Brasil e Sesc São Paulo foi a primeira parte do módulo com diretores de instituições culturais de São Paulo, que terá continuidade no dia 19 de setembro com o encontro Instituições Culturais 2 - Masp, Bienal e Itaú Cultural (veja a programação). A coordenação foi do titular da cátedra, Ricardo Ohtake.

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O encontro coincidiu com o dia de abertura ao público do Sesc 24 de Maio, nova unidade da entidade no centro da capital paulista.  Todo o trabalho de reforma do edifício, com projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, e as finalidades e diretrizes da unidade foram comentados por Miranda para esclarecer o funcionamento e gestão do Sesc São Paulo, por ele dirigido há 33 anos. (Leia entrevista com ele publicada pela "Folha de S.Paulo" no dia anterior ao evento.)

Miranda, que costuma ser chamado de "o verdadeiro ministro da Cultura", lembrou que o Sesc está com 70 anos e que foi criado a partir de proposta do empresariado no pós-guerra como forma de contribuir com a qualificação profissional e o bem-estar da crescente população urbana trabalhadora no comércio.

Sesc 24 de Maio - 1
Sesc 24 de Maio, unidade aberta
ao público no dia 22 de agosto

Em 2016, o Sesc teve um orçamento no valor de R$ 4,6 bilhões de reais. Este ano, o orçamento do Sesc São Paulo, que possui 41 unidades, é de R$ 2,4 bilhões. A entidade é uma instituição privada de interesse público. Sua fonte de receita é a contribuição compulsória de 2,5% da folha de pagamento das empresas vinculadas, via federações estaduais, à Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

O sistema possui governança própria, centralizada, com 80% dos recursos arrecadados em cada estado voltando a eles. Os 20% restantes são redistribuídos aos estados cuja arrecadação não é suficiente para as atividades. Segundo Miranda, dos 27 entes federativos (estados e Distrito Federal), apenas São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul não precisam de complementação orçamentária.

Miranda afirmou que o Sistema S, do qual o Sesc faz parte, "não é uma 'caixa preta'", ao contrário do que alguns críticos dizem. "Existe um controle rígido dos recursos, que são arrecadados pela Receita Federal e auditados pelo Tribunal de Contas da União."

Ele afirmou que no seu início, nos anos 40 e 50, o Sesc tinha uma atuação muito paternalista, assistencialista, "voltando-se depois para o lazer, para o tempo livre dos trabalhadores, e passando a desenvolver ações em parceira com formadores de opinião, criadores e universidades, numa perspectiva educativa, de cultura e desenvolvimento de capacidades".

Sesc 24 de Maio - 2
Projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha para o Sesc 24 de Maio criou uma superposição de "praças", uma para cada finalidade

"Essa forma de atuação é forte em São Paulo, mas há estados em que a preocupação é mais assistencialista, para a satisfação de necessidades prioritárias das pessoas."

Miranda explicou que, em geral, as ações procuram atingir toda a população, mas algumas delas são mais voltadas para o mundo do trabalho ou até exclusivas para ele, em função das determinações legais. No caso de São Paulo, ele disse que houve um período onde o lazer foi a prioridade, mas depois a cultura passou a ser o componente central.

"O plano cultural em que atuamos não é apenas o relacionado às artes e ao patrimônio. Tentamos tratar a cultura como o universo de ação do ser humano, e nele estão incluídas também a atividade física, a saúde, a convivência e a relação com o meio ambiente."

Miranda sintetiza sua política de gestão em dois aspectos: democratização de acesso e estímulo à participação das pessoas com maiores dificuldades socioeconômicas. "Não basta facilitar a entrada, é preciso convidar para entrar. Os que se sentem acolhidos entram em qualquer instituição". Ele citou o Sesc Pompeia como exemplo dessa postura, com "uma rua que adentra ao espaço da unidade".

Sesc Pompeia
Sesc Pompeia, exemplo de acolhimento do público, segundo Danilo de Miranda


"A chave de todo o processo é a preocupação com o caráter educativo, mas não com uma educação indutiva, centrada em si mesma. Educa-se também com a atenção a todos os aspectos, inclusive com a limpeza dos banheiros e o pagamento de ingressos a valor acessível para assistir a grandes artistas."

Em sua exposição, Emanoel Araújo falou de sua trajetória singular como artista e dirigente de instituições culturais, apesar de não se julgar um gestor, mas "um administrador que coloca a mão na massa, finca um marco e luta por ele". Disse lidar com a perspectiva de trabalhar praticamente sozinho, com o auxílio de uma pequena equipe.

Ele considera que sua ação está moldada pelas preocupações culturais e sociais que abraçou desde que foi para Salvador, em 1958, e ingressou no Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes, passando a trabalhar em atividades culturais em sindicatos e a produzir material gráfico para alfabetização pelo método de Paulo Freire.

Museu de Arte da Bahia
Museu de Arte da Bahia, primeira instituição dirigida por Emanoel Araújo

Sua primeira experiência em museus foi participar da criação do Museu de Feira de Santana, uma iniciativa de Assis Chateaubriand, dono da antiga organização jornalística "Diários Associados". A experiência seguinte foi dirigir o Museu de Arte da Bahia, em Salvador.

Araújo contou que recebera um convite do Departamento de Estado dos EUA para uma visita ao país, mas diferente do que esperavam, que seria visitar os museus tradicionais, preferiu conhecer a arquitetura de Frank Lloyd Wright (a própria neta de Wright o acompanhou numa visita à famosa Casa da Cascata), as oficinas de Paul Revere, metalurgista e gravurista do século 18, e o Winterthur Museum, Garden and Library, no Delaware, "um museu extraordinário do mobiliário americano, com um grande jardim tropical".

"Essa experiência me deu uma visão muito ampla dos Estados Unidos. Eu queria fazer um cotejamento com a nossa experiência cultural."

Quando voltou ao Brasil, foi convidado pelo então governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, a dirigir o Museu de Arte estado. Araújo conseguiu transferir o museu, que funcionava na casa que pertencerá ao ex-governador Góis Calmon, para um palacete que fora de um grande escravocrata baiano. Além disso, conseguiu recuperar parte das obras que tinham sido requisitadas para decorar o Palácio do Governo ou outras instituições do estado. Sua gestão durou dois anos.

No início dos anos 90, foi convidado pelo secretário da Cultura do Estado de São Paulo, Adilson Monteiro Alves, a dirigir a Pinacoteca. "Houve um movimento na USP contra minha nomeação e o jornal 'O Estado de S.Paulo' anunciou minha escolha dizendo que o 'artista Emanoel Alves, baiano', seria o novo diretor do museu." Segundo ele, houve objeções até do governador à época, Luís Antônio Fleury Filho.

As dificuldades foram muitas, como uma inundação do prédio no dia seguinte à sua posse e a necessidade de adequação dos recursos humanos. "Até que um dia reuni algumas pessoas importantes de São Paulo, como o Ulpiano Bezerra de Meneses, Aracy Amaral, Carlos Lemos e outros para discutirmos o que fazer com a Pinacoteca do ponto de vista de seu conceito como museu, se era um museu do século 19, do século 20 ou de arte contemporânea."

Pinacoteca do Estado de São Paulo
Emanoel Araújo considera que a mudança da imagem pública da Pinacoteca do Estado ocorreu na exposição de esculturas de Auguste Rodin, em 1995

Ele afirmou que ao chamar o arquiteto Paulo Mendes da Rocha para reformar o prédio disse a ele que era fundamental que convivesse com o museu, para conhecer seu funcionamento, as pessoas que nele trabalhavam, a museologia, o restauro, a secretária e para pensar até como deveriam ser os banheiros para o público.

Araújo defini como ponto crucial da mudança de funcionamento e imagem pública da Pinacoteca a exposição de esculturas de Auguste Rodin, em 1995, que teve cerca de 200 mil visitantes. "O Jacques Vilain [diretor do Museu Rodin, em Paris] viu o prédio no começo da reforma e um dia me mandou um telegrama: 'Rodin gostaria que a exposição fosse na Pinacoteca'."

A ideia de criação do Museu Afro Brasil remonta a 1987, depois de uma visita que Araújo fez à África para representar o governo brasileiro no tombamento da Ilha de Gorée, na costa do Senegal, que fora um entreposto de escravos. "Essa transformação da ilha em um monumento me fez pensar em organizar uma exposição e o livro 'A Mão Afro-Brasileira'", lançado em 1988, centenário da Abolição, com uma exposição no Masp.

De acordo com Araújo, no início da década passada, a então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, soube que ele reunira uma coleção sobre cultura afro-brasileira e sugeriu a criação de um museu. "Ela conseguiu um patrocínio de R$ 10 milhões da Petrobras e eu estabeleci o conceito do museu: uma instituição de arte, história e memória."

Museu Afro Brasil
Emanoel Araújo: "Museu Afro Brasil
é uma instituição de arte, história e memoria"

O objetivo do museu é mexer com a autoestima dos afro-brasileiros, fazer com que "sintam nele um espaço em que sua importância cresce na medida em que ficam sabendo que homens negros como Teodoro Sampaio, Cruz e Souza e tantos outros contribuíram fortemente para a nacionalidade, para que não tenham como espelho o escravo, mas os brasileiros de origem africana que contribuíram com a formação do país".

No entanto, "é desse país que sempre recebemos uma negativa quando buscamos patrocínio, divulgação, cobertura da imprensa". Ela também lamenta "a própria fuga de quem a gente gostaria de ver no museu, que são os negros de São Paulo".

Para ele, a cultura foi se esvaziando no Estado de São Paulo por questões administrativas ("não falo nem de políticas públicas"), que engessam "o conceito público de cultura, o conceito de recursos etc.". Ele considera que mesmo as organizações sociais criadas para a administração dos museus com maior flexibilidade "são um desencanto, com tantas metas, tantos processos e recursos tão reduzidos".

O diagnóstico de Araújo é pessimista em relação às perspectivas para os gestores culturais: "Só uma causa política e social faz com que a gente decida estar à frente de uma instituição cultural nesse país”.

Fotos: (a partir do alto) 1) Leonor Calasans/IEA-USP; 2) e 3) Matheus José Maria/Sesc-SP; 4) Leonardo Finotti/Sesc-SP;
5) Ronaldo Silva/Secom/Governo da Bahia; 6) Pinacoteca do Estado de São Paulo; 7) Museu Afro Brasil