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Neurobiologia precisa de uma nova matemática para compreender o cérebro

por Thais Cardoso - publicado 20/06/2017 14:35 - última modificação 26/06/2017 10:34

Evento promovido pelo IEA-RP mostra como o Cepid Neuromat está ajudando a desenvolver essa ciência

Uma proposta ousada e fundamental para a neurobiologia: criar uma nova matemática que ajude a entender como funciona o cérebro. É exatamente esse o objetivo do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática, o Cepid Neuromat. O coordenador do centro, Antonio Galves, esteve no dia 9 de junho em um evento realizado pelo Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP para falar sobre as atividades desenvolvidas.

“O Cepid Neuromat não é um centro de matemática aplicada, no sentido de que ele aplica a matemática já existente para tratar dados experimentais. A matemática que a biologia precisa para entender o cérebro ainda não existe. Ela precisa expressar coisas bem mais complicadas”, afirma Galves.

De forma didática e com exemplos práticos, o coordenador procurou mostrar alguns resultados de pesquisas desenvolvidas pelo centro que mostram como se dá o funcionamento dos processos cerebrais.

“O físico austríaco Ludwig Boltzmann formulou uma hipótese a respeito do cérebro em 1883: o cérebro faz um tipo de inferência inconsciente como forma de sobrevivência. Ele conjectura que o tempo todo você trata os estímulos que chegam do mundo ao seu redor atribuindo um modelo e usando esse modelo para fazer predições. Quando você dirige, por exemplo, é preciso prever uma série de fenômenos, senão o carro acaba sofrendo um acidente. No futebol também é assim. Por exemplo, se você for torcedor do Corinthians, você pode se perguntar como é que o Rodriguinho sabe que, quando chutar a bola, no segundo seguinte o Jô estará lá para receber. E como o Jô sabe para onde deve correr? Provavelmente, os dois analisam a situação, constroem um modelo do que está acontecendo e esse modelo é que o Rodriguinho jogue a bola em um lugar que o Jô está”, explica ele.

Alguns experimentos realizados com a ajuda de um eletroencefalograma (EG) permitem aos cientistas entender de que forma o cérebro consegue processar a informação e prever o que acontecerá no momento seguinte. O coordenador explicou como o exame funciona usando como exemplo um teste conduzido pelo Neuromat, que monitora o comportamento das ondas cerebrais de voluntários durante a repetição de uma sequência de sons, a qual sofre interrupções propositais para simular um efeito surpresa.

“Nós marcamos o intervalo de tempo para cada eletroencefalograma correspondendo a uma batida forte, uma fraca ou uma unidade silenciosa. O EG é uma função. Nós usamos 18 eletrodos. São 18 funções que duram mais ou menos meio segundo cada. Elas traduzem a qualidade do estímulo. A unidade silenciosa constitutiva [que faz parte da sequência determinada pelos pesquisadores], por exemplo, tem um EG diferente da batida fraca apagada em silêncio”, explica.

Galves utiliza o futebol para mostrar como a matemática é utilizada nos estudos de neurobiologia. Ele compara o comportamento dos neurônios a um estádio lotado em dia de jogo, no qual os torcedores utilizam as mesmas camisas e a única forma de identificar para que time eles torcem é analisando suas reações ao longo do jogo.

“Mas e o que a matemática tem a ver com isso? Tem tudo a ver com isso. Nessa variabilidade de comportamentos aparece uma regularidade que mostra que, se nós dois somos flamenguistas, nós vamos torcer ao mesmo tempo, da mesma maneira, embora eu me distraia e ela não, eu esteja chateado porque não preparei bem minha aula... Enfim, se eu pegar todos os comportamentos, eles serão essencialmente os mesmos. Ou seja: o que eu fiz foi atribuir um modelo a um comportamento global. E isso é essencialmente o que faz um neurobiólogo quando ele olha EGs e tenta entender se a evolução desse eletrodo está correlacionada ou não”, afirma o coordenador.

Jogo multifunção

Galves apresentou ainda um jogo para smartphones desenvolvido com o objetivo de levar as experiências desenvolvidas pelo Neuromat a alunos de ensino fundamental e médio. Nele, o jogador atua como o goleiro que precisa pegar o pênalti e deve decidir para que lado pular.

“O que faz o jogador que vai bater o pênalti? Usa uma árvore com probabilidades 2-1-0: 2 representa chutar à direita, 1 à esquerda e 0 ao centro. Mas descobrimos que esse jogo podia servir pra outras coisas, como diagnóstico de Parkinson. Estamos aplicando sistematicamente para poder validar essa ferramenta. Por isso criamos uma atividade chamada AMPARO – Rede Neuromat de Apoio a Amigos e Pessoas com Doença de Parkinson”, conta.

Segundo ele, o jogo está sendo testado também como instrumento de avaliação de pessoas com lesão no plexo braquial, um conjunto de nervos que conduz sinais da medula espinhal para os membros superiores. O estiramento do sistema nervoso periférico nesses casos causa dificuldade de movimentos e a pessoa não consegue mais trabalhar.

“A operação que vai reconstruir pega uma ponta do sistema nervoso, conecta nos músculos intercostais e depois conecta no bíceps. Assim, se forma uma linha de comunicação que vai receber sinais tanto do braço, quanto dos músculos intercostais e ainda mandar de volta. É um recurso de plasticidade interessantíssimo que ainda queremos estudar. E o que pode fazer o jogo nesses casos? Ajudar os profissionais a avaliarem a evolução dessa reorganização no paciente e eventualmente no treinamento da pessoa”, diz o coordenador.