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Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré, é a nova titular da Cátedra Olavo Setubal

por Mauro Bellesa - publicado 28/02/2018 12:10 - última modificação 28/03/2018 09:20

Eliana Sousa Silva - 2017
A educadora e ativista social Eliana Sousa Silva

A educadora e ativista social Eliana Sousa Silva é a nova titular da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, substituindo o designer Ricardo Ohtake, que ocupou a posição em 2017. A Cátedra é resultado de uma parceria do IEA com o Itaú Cultural.

Diretora fundadora da Redes da Maré, no Rio de Janeiro, Eliana tomará posse no dia 27 de março, em cerimônia na USP. Ela é a primeira mulher na vaga, com a missão de trazer para a universidade a discussão sobre a cultura no campo expandido, bem como seu papel como agente de mediação e transformação social.

"Com Eliana, uma ativista social, cultural e educacional, a Cátedra volta-se para um universo da cultura diferente daquele privilegiado na universidade, onde a tônica ainda são os ditames das belas artes e das linguagens tradicionais", explica Martin Grossmann, coordenador acadêmico da Cátedra e ex-diretor do IEA.

Para ele, a diversidade da Cátedra enquadra-se na discussão contemporânea sobre arte e cultura e permite trazer contribuições que não são usuais na universidade. Isso também tem a função de alargar o conceito de cultura, que, na universidade, ainda é fortemente marcado pela concepção eurocêntrica.

Em seus dois primeiros anos de atividades, a Cátedra abordou as artes e a cultura de formas distintas. Com o embaixador Sérgio Paulo Rouanet, primeiro titular, tratou de questões filosóficas sobre a cultura a partir da matriz iluminista. Com Ohtake, tratou do funcionamento do sistema cultural, do debate sobre a gestão pública e privada da cultura e correspondentes políticas culturais a partir do final dos anos 40.

Grossmann enfatiza que a cultura vive um dilema entre ser democrática e se democratizar. “Os paradoxos estão aí para serem enfrentados”. Do ponto de vista da cátedra, ele considera que o trabalho com essa questão ficou mais complexo. Não se trata apenas de discutir áreas específicas, como a produção cultural erudita, profissional ou as manifestações culturais de comunidades. “A ideia é explorar encontros, contradições e conflitos.”

Ele destaca o fato de o trabalho da entidade de Eliana promover e estimular manifestações culturais surgidas e valorizadas pelos moradores das favelas da Maré, ao mesmo tempo em que leva para lá, por exemplo, a companhia de dança contemporânea de Lia Rodrigues e articula ações com o Museu de Arte do Rio (MAR). “Ela consegue transitar entre os vários segmentos de produção e recepção na sociedade, seja na arte ou na cultura”.

Diferente do que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, onde há “guerras culturais” e minorias que não negociam com outros setores sociais, o trabalho da Redes da Maré é abrangente, sem preconceitos, avalia Grossmann.

Biografia

A relação de Eliana com a Maré se confunde com a sua trajetória pessoal e profissional. Aos sete anos de idade, Eliana e sua família deixaram a seca de 1969 na região do Cariri da Paraíba e para se mudar para o Rio de Janeiro. Lá, se fixaram na favela Nova Holanda, na Maré.

Com 140 mil moradores, a Maré é hoje o maior conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro. Localizada na Zona Norte, às margens da Baía da Guanabara, em áreas antes ocupadas por pântanos e mangues, as 16 favelas da Maré foram se formando desde os anos 40, com o aterro gradual das áreas.

Em 1979, aos 17 anos, Eliana foi uma das pessoas selecionadas para atuar como agente comunitário no bairro, para uma pesquisa de sanitaristas da Fundação Oswaldo Cruz. Aos 22 anos, fez campanha para criação de uma Associação de Moradores da Nova Holanda e venceu a eleição para dirigi-la. No período de seis anos em que ela presidiu a associação, a comunidade conseguiu que o local fosse atendido com energia elétrica, coleta de lixo e rede de água e esgoto.

Em 1997, Eliane e outros moradores da Maré iniciaram o processo que levaria à criação da organização não governamental Redes de Desenvolvimento da Maré. A constatação de que só 0,5% das pessoas do bairro tinham curso superior motivou a primeira iniciativa do grupo: um curso pré-vestibular comunitário. Nos 20 anos de existência do curso, 1,2 mil moradores conseguiram ingressar na universidade.

A associação foi formalizada em 2007 com o nome Redes da Maré e tem Eliana como diretora fundadora. O objetivo da entidade é consolidar uma ampla rede de parcerias para garantir o desenvolvimento sustentável na Maré, a partir da articulação de pessoas e instituições comunitárias, sociedade civil, universidades, órgãos públicos e iniciativa privada.

Centro de Artes da Maré
Centro de Artes da Maré

Os mais de 20 projetos da Redes da Maré estão vinculados a cinco eixos de atuação: Desenvolvimento Territorial; Educação; Arte e Cultura; Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça; Identidades, Memória e Comunicação.

O eixo de Arte e Cultura articula ações de longo prazo que aliam formação, criação e difusão das artes, através de parcerias com artistas e produtores culturais comprometidos com processos pedagógicos e da manutenção de espaços dedicados à cultura e às artes.

A associação possui escola de dança, escola de cinema, biblioteca, sala de leitura, companhia de teatro e oficinas de azulejaria e fotografia, além de ser cogestora da Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, um espaço para apresentações de shows musicais, peças de teatro, filmes e exposições.

O Centro de Artes da Maré (CAM), projeto da Redes em parceria com a Companhia de Dança da Lia Rodrigues, foi aberto em 2009, num galpão de 1,2 mil m2, próximo à Avenida Brasil, na favela Nova Holanda. É um espaço de referência em arte e cultura para os moradores da região e bairros vizinhos.

Sede da Redes da Maré
Sede da Redes da Maré

Em paralelo à militância social e à dedicação à Redes da Maré, Eliana desenvolveu carreira acadêmica. Graduou-se em letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e obteve os títulos de mestre em educação e doutora em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Realizou pesquisa de pós-doutorado no Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais (SSRC, na sigla em inglês), nos Estados Unidos. Na UFRJ, ela também coordenou o curso de pós-graduação em segurança pública, destinados aos profissionais da área e dirigiu e ainda integra a equipe da Divisão de Integração Universidade Comunidade da UFRJ.

Eliana foi uma das dez pessoas e instituições ganhadoras do Prêmio Itaú Cultural 30 anos em 2017 na categoria "Inspirar".

No final do mesmo ano, foi homenageada pela Queen Mary University of London, na Inglaterra, ao receber um Diploma Honorário de Doutora em Letras por sua atuação comunitária e produção acadêmica.

Em sua trajetória, Eliana recebeu também o prêmio Mulher do Ano na Área Social de 2005, concedido pelo Rotary Club do Rio de Janeiro, o Prêmio Cláudia 2004 na categoria Trabalho Social, conferido pela Editora Abril, e o Ashoka Empreendedores Sociais de 2000.

Ela é autora do livro de depoimentos de moradores do bairro “Testemunhos da Maré”, publicado em 2012.

Mais recentemente, lidera investigação crítica a respeito da violência no Rio de Janeiro, produzindo material divulgado pelo site da Redes da Maré. Sobre esse tema, leia artigo de Eliana publicado no Jornal O Globo.

Com colaboração de Fernanda Rezende

Fotos (a partir do alto): 1. Itaú Cultural; 2 e 3. Redes da Maré