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Novas experiências no ensino de engenharia e medicina estimulam inovação

por Mauro Bellesa - publicado 13/03/2018 12:43 - última modificação 13/03/2018 12:43

Luiz Valcov, diretor executivo da Comissão Fulbright Brasil, fez a conferência "Formação para a Inovação de Engenheiros e Médicos: É Possível?" no dia 9 de março.
Luiz Valcov Loureiro - 9/3/2018
Luiz Valcov Loureiro: "É preciso dar liberdade aos alunos"

A partir do momento em que assumiu a direção executiva da Comissão Fulbright Brasil, em 2004, o professor da Escola Politécnica (Poli) da USP Luiz Valcov Loureiro passou a acompanhar de perto as relações acadêmicas entre o Brasil e os EUA. Como parte desse trabalho, em 2017 ele liderou uma delegação de representantes de instituições vinculadas ao ensino superior em visita a três instituições americanas de ensino de engenharia e medicina. O objetivo foi conhecer experiências que inspirem os cursos brasileiros a formar profissionais maiscriativos e inovadores.

No dia 9 de março, ele apresentou as principais características das instituições visitadas em evento organizado pelo Grupo de Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade/NAP (OIC). Com o título Formação para a Inovação de Engenheiros e Médicos: É Possível?, a exposição de Loureiro também incluiu sugestões para a transformação do ensino das duas áreas no Brasil.

Suas sugestões baseiam-se não apenas no que a delegação constatou nas universidades americanas, mas também na longa experiência profissional de Loureiro como engenheiro, professor, pesquisador e gestor em CT&I. Formado em engenharia mecânica pela Poli-USP, onde leciona engenharia química desde 1988, fez o doutorado na França, dirigiu a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) e durante oito anos trabalhou no projeto do submarino nuclear desenvolvimento pela Marinha do Brasil.

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Exemplos americanos

Em Massachusetts, a delegação visitou o Olin College of Engineering, intencionalmente criado na cidade de Needham pela proximidade (10 km) de Cambridge, sede do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), a outra instituição do estado visitada. No Meio-Oeste americano, a delegação esteve na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, dando especial atenção às diretrizes do curso da escola de medicina Carle Illinois, recém-criada.

Para Loureiro, a formação superior tem de possibilitar ao profissional a aquisição de todos os conhecimentos técnico-científicos e a capacidade de identificar necessidades, metrificá-las e desenvolver alternativas criativas que as atendam, criando produtos e serviços aos quais as pessoas deem valor.

O caminho para formar um profissional desse tipo é, segundo ele, dar liberdade aos alunos, fazer com que tenham responsabilidade na implementação de suas ideias e adquiram autoconfiança. “A questão é saber se a universidade ajuda para que isso aconteça ou atrapalha.”

O Olin é uma das instituições que ajudam, em sua opinião. Fundado em 2002, possui 380 alunos, selecionados com a observância de critérios de diversidade, 50 professores e 350 funcionários. A elevada proporção de sete funcionários por docente se explica, de acordo com Loureiro, com a preocupação de que os professores se dediquem apenas à formação dos estudantes.

Olin College Of Engineering
Alunos durante atividade no Olin College of Engineering

“O Olin se considera um laboratório profissional e não realiza pesquisas sofisticadas. A organização é toda centrada nos alunos e em suas atividades.”

Aprender fazendo

Loureiro disse que o curso tem como procedimentos o “aprender fazendo” em equipe e com base em projeto, flipped classroom (muitas atividades fora da sala de aula), avaliação sistêmica, currículo horizontal, transversalidade e desenvolvimento de competências na escola, na comunidade e em empresas.

Ele disse que os professores são treinados para atuar nesse novo contexto. “É trabalhoso, mas não tem nada de revolucionário. No caso brasileiro, a aplicação desse modelo é muito tímida.”

Fundado em 1861 e com formação em todos os níveis, o MIT é privado e dedica-se especialmente às Stem (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática), mas inclui cursos e pesquisas em humanidades e ciências sociais. São 11 mil alunos, também selecionados com diversidade, mil professores e 11 mil funcionários. "As atividades estão centradas na pesquisa e nas decorrências delas", explicou.

Assim como no Olin, a graduação no MIT enfatiza o aprendizado em equipe baseado em projeto, levando em consideração a estratégia CDIO, sigla em inglês para conceber, projetar, implementar e operar. A avaliação do aprendizado é feita no modelo convencional e também no modelo sistêmico.

De acordo com Loureiro, os professores do MIT podem se dedicar ao que quiserem, inclusive ao ensino, no qual “até os professores criativos e inovadores se envolvem, dado o ambiente estimulante dos cursos”.

A Universidade de Illinois Urbana-Champaign é uma instituição pública de pesquisa, “no estilo público americano, com apenas 10% de seu orçamento coberto pelo estado”. Fundada em 1867, tem grande presença de estrangeiros, com 40 mil estudantes (selecionados com diversidade), 2,7 mil professores e 9 mil funcionários.

Este ano começará a funcionar o seu novo curso de medicina, no Carle Illinous College of Medicine. Cerca de 1500 estudantes se candidataram. Serão selecionados 32, que receberão apoio financeiro total.

“É o primeiro modelo que integra princípios de engenharia ao ensino de medicina, que se dá em quatro eixos: ciências básicas; ciências clínicas; engenharia e inovação; e humanidades médicas.”

Os valores a serem cultivados pelo curso são: centralidade do paciente, exposição à clínica desde o início, aprendizado baseado em sistemas, os vínculos entre engenharia, biologia, medicina e humanidades; foco na pesquisa na pesquisa e inovação.

A perspectiva dos dirigentes é de que será bom se metade dos formandos se dedicar à prática médica e o restante se orientar para o empreendedorismo inovador, segundo Loureiro.

O objetivo da escola é formar bons médicos com capacitação também para propor soluções para o sistema de saúde, aproximá-los das áreas tecnológico-científicas, identificar necessidades e encaminhar procedimentos com profissionais de outras áreas para a busca de soluções, comentou o expositor.

Conclusões

Ao analisar o perfil e atuação dessas três instituições, Loureiro concluiu que a liberdade para propor e fazer coisas colabora com o desenvolvimento de formulações criativas dentro e fora do ambiente acadêmico. “A liberdade também permite a exploração de modelos variados, o que não ocorre no Brasil, onde impera um viés universalista de ensino.” Ele criticou também o fato de, no Brasil, “os conselhos profissionais com frequência se julgarem no direito de dar palpite na formação em sua área, algo que não acontece nos Estados Unidos”.

Outra característica ressaltada por ele é que nas universidades visitadas o professor pode se dedicar integralmente à sua atividade fim, sendo avaliado em todas as dimensões de seu trabalho (pesquisa, ensino, extensão etc.).

Glauco Arbix - 9/3/2018
Glauco Arbix

Contrastando as realidades americana e brasileiras, Loureiro apresentou várias sugestões para a melhoria da formação profissional no país. “É preciso mobilizar instituições, lideranças e demais instâncias decisórias para a importância de se inovar também na educação superior”.

Para ele, é preciso soltar as amarras que travam a graduação, valorizando os atores de projetos de mudança por intermédio do estímulo à implementação de suas ideias.

As turmas devem ser menores dos que as atuais e inseridas num ambiente interdisciplinar que permita o desenvolvimento da criatividade dos estudantes com vistas à aquisição do conhecimento e à inovação. “Mas o empreendedorismo deve ser estimulado de forma prática e objetiva, sem modismos”, ressalvou.

Interdisciplinaridade

Loureiro defende que “as disciplinas sejam do curso, não do professor, pois ele acaba repetindo o que está habituado a fazer”. Além disso, em seu entender, é preciso eliminar superposições e promover a interdisciplinaridade, implantando uma metodologia que envolva maior número de professores.

Os estudantes devem ter a oportunidade de errar, aprender e se sentirem estimulados ao terminar o curso: “Na engenharia, aqui, a última coisa que os formandos possuem é autoconfiança. O curso é uma gincana que os faz ficar inseguros, e assim eles chegam ao diploma e ao registro profissional.”

Além de tudo isso, “é preciso conter o furor regulatório e avaliativo interno e externo, que coíbe e pune qualquer iniciativa não prevista na abundante legislação”.

Para o vice-diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski, outra experiência americana que merece acompanhamento é a Cornell Tech NYC, criada em 2012 num campus temporário e agora funcionando no campus definitivo na Ilha Roosevelt, ao lado de Manhattan, A instituição é fruto de parceria entre a Universidade Cornell e o Technion – Instituto de Tecnologia Israel. Diante dos elevados recursos investidos, Plonski disse estar curioso com o que acontecerá na instituição, que recebeu US$ 153 milhões da Qualcomm e US$ 100 milhões da Bloomberg.

Desempenho

O coordenador do evento, o sociólogo Glauco Arbix, do OIC, quis saber sobre a capacidade prática dos engenheiros formados pelo Olion e a duração dos cursos nos Estados Unidos. Loureiro disse que os relatórios da escola indicam que os profissionais formados por ela são superiores à média daqueles formados em outras instituições, e o percentual dos que ingressam na pós-graduação é o mesmo de outras escolas.

Com relação à duração dos cursos, o Olion possui as características do modelo anglo-americano, no qual há várias rotas possíveis para alguém se tornar um engenheiro. “Os cursos geralmente duram quatro anos, mas os estudantes já chegam conhecendo matemática avançada, como os cálculos diferencial e integral.”

“A sistemática de ingresso também ajuda. Procura-se selecionar os melhores, não suprir deficiências anteriores. Ou seja, não há como comparar muitas coisas com o sistema brasileiro nesse aspecto, uma vez que aqui há o sistema de cotas e a qualidade do conhecimento dos cotistas é diferente da dos alunos de boas escolas privadas.”

Em relação a duração dos cursos, o vice-diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski, comentou que a formação médica nos EUA também é diferente da brasileira. Loureiro explicou que os estudantes americanos primeiro fazem uma graduação em ciências e só depois ingressam no curso de medicina, que dura quatro anos, sendo os dois últimos como internos, em seguida há o período de residência. Assim, os médicos americanos têm quatro ou cinco anos mais de formação do que os brasileiros.

Quanto à possibilidade de os exemplos citados serem adotados em escalar maior, ele disse que o Olion e o próprio MIT são modelos “butique”, pois as turmas são pequenas. “No Brasil, precisamos identificar um modelo intermediário e que varie de instituição para instituição.”

Novos modelos

Plonski também quis saber que novas experiências brasileiras Loureiro considera relevantes. O conferencista afirmou que a Faculdade de Medicina do Hospital Israelita Albert Einstein “é algo para se observar, pois não tem como dar errado”.

Guilherme Ary Plonski - 9/3/2018
Guuilherme Ary Plonski

“Nunca vi nada parecido. Novas turmas ingressam a cada semestre. Agora entrou a quinta turma. O patamar de conhecimentos dos candidatos é muito bom. O diferencial na seleção são as entrevistas criteriosas feitas com eles.”

Outra iniciativa que ele considera importante é o curso de engenharia do Insper, “baseado no modelo do Olion, mas tropicalizado”. Arbix comentou que o Insper tem um laboratório de manufatura avançada montado por quatro pesquisadores da USP: “Temos know-how aqui, mas estamos construindo coisas fora da Universidade.”

Seleção com entrevistas

Em relação ao curso de medicina do Einstein, Arbix informou que o sistema de seleção foi formulado em parceira com a Universidade de Colúmbia, dos EUA. São escolhidos 250 candidatos nas provas de conhecimentos (“97% também estão entre os primeiros no vestibular da Fuvest”). Depois, cada um passa por oito entrevistas, sempre com dois professores.

“Há perguntas até do tipo ‘Por que você quer ser médico’. O candidato pode até dizer que quer ganhar dinheiro, o que é uma aspiração legitima, mas acabará indo para o final da fila. As entrevistas acabam mudando a classificação dos 250 candidatos, dos quais são escolhidos 50.”

Arbix disse que a criação do curso de medicina no Einstein insere-se num quadro maior de ensino, pesquisa e inovação: “O centro de pesquisa existe há 20 anos, o curso de enfermagem, há 12 anos. O hospital também possui um conselho de inovação e planeja criar um curso de engenharia biomédica.”

Perguntando sobre o que acha de consultorias externas avaliarem a formação em engenharia, Loureiro disse não ver problema nisso. “Quanto mais avaliação melhor. Mas é preciso definir bem o escopo do que deve ser avaliado, e o processo não pode se restringir à avaliação externa.”

Em relação à rigidez das instituições públicas e as dificuldades para implementar mudanças, Loureiro afirmou que o sistema brasileiro ainda é de “escola de terceiro grau, com uma graduação muito escolar, que não possibilita a autonomia do indivíduo”.

Mesmo assim, considera que há muito que pode ser feito em instituições públicas: “As lideranças devem ser convencidas a apoiar quem quer promover mudanças, inclusive nos currículos. E isso é algo puramente administrativo, com alguém com poder decisório dizendo algo como ‘Vamos acabar com a grade curricular, vamos fazer alguma coisa que faça sentido’. É uma questão de vontade política.”

Fotos (a partir do alto): 1, 3 e 4, Leonor Calasans/IEA-USP; 2, Olin College of Engineering