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As características e perspectivas dos IEAs vinculados a universidades

por Mauro Bellesa - publicado 27/04/2016 17:30 - última modificação 28/04/2016 10:59

O painel "O Futuro da Ubias" realizou-se no dia 11 de março, durante a Fase Nagoya da Intercontinental Academia, com a participação de representantes de vários IEAs.
Painel O Futuro da Ubias
Painel reuniu diretores e representantes de vários IEAs integrantes da Ubias

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O painel O Futuro da Ubias, ocorrido na Fase Nagoya da Intercontinental Academia, no dia 11 de março, não tratou da agenda para os próximos anos da rede University-Based Institutes for Advanced Study, mas sim das especificidades dos institutos de estudos avançados (IEAs) a ela associados e de como eles contribuem para o avanço do conhecimento e para a revitalização do ambiente acadêmico.

Nada mais natural que tenha sido essa a preocupação dos painelistas, uma vez que o fortalecimento dos IEAs leva diretamente à consolidação da Ubias como rede colaborativa internacional.

O evento reuniu diretores e representantes de IEAs, além de coordenadores, participantes e alguns conferencistas da Intercontinental Academia. Grande parte da discussão girou em torno da importância e peculiaridades da pesquisa interdisciplinar. Também foram abordadas questões como a liberdade de pesquisa, a variedade de perfis institucionais, a diversidade temática de cada instituto, a ênfase na internacionalização, a participação de jovens pesquisadores e as barreiras que os IEAs devem superar nas universidades em que estão sediados.

No entanto, de acordo com a maioria dos debatedores, todos esses aspectos estão subordinados à missão primordial dos IEAs: a pesquisa de temas fundamentais para as ciências naturais, sociais e humanas.

Para Eliezer Rabinovici, do Instituto Israel de Estudos Avançados da Universidade Hebraica de Jerusalém, o Institute for Advanced Study (IAS) de Princeton, EUA, é um importante parâmetro, “mas não é o caso de emulá-lo totalmente, pois cada IEA reflete a cultura acadêmica em que está inserido”.

Disse esperar que os IEAs que têm surgido em várias universidades pelo mundo não acabem sendo experimentos destinados a desaparecer em 10 ou 15 anos. Para que isso não ocorra, segundo ele, as universidades devem pensar em termos de longo prazo e criar as bases necessárias para que os IEAs se perenizem.

Ele defendeu uma participação internacional dos institutos: "Um IEA pode ser avaliado pela qualidade de sua participação internacional e uma das maneiras de se submeter a um controle de qualidade é se expor, ser conhecido pelos outros e conhecê-los”.

Uma forte presença internacional também pode ser uma salvaguarda para alguns riscos inerentes à importância dos IEAs, de acordo com Rabinovici. Um desses riscos é o de serem controlados por grupos com poder nas universidades, atraídos a isso pela "capacidade que os IEAs possuem de se tornar ferramentas poderosas no meio acadêmico".

Quanto ao papel da interdisciplinaridade, Rabinovici exemplificou com o caso de seu instituto, do qual já foi diretor: "Interdisciplinaridade não é o objetivo; a meta é estudar problemas interessantes".

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O Desenvolvimento dos Institutos de Estudos Avançados e seu Papel na Universidade Contemporânea — Conferência de Peter Goddard — 11 de março de 2016

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Para Hisanori Shinohara, diretor do Instituto de Pesquisa Avançada (IAR, na sigla em inglês) da Universidade de Nagoya, as tendências acadêmicas atuais dão mais ênfase às aplicações científicas, ao passo que seu instituto dá mais importância às questões fundamentais das ciências naturais e sociais.

Peter Goddard, ex-diretor do IAS de Princeton, também participou do painel e concordou com a visão de Rabinovici, de que os IEAs devam se dedicar a temas fundamentais nas ciências. Como exemplo, citou o trabalho de um grupo no IAS cujo tema são as fronteiras da imigração. “O grupo não está interessado em fornecer orientação sobre como lidar com a imigração, mas sim estudá-la nos seus aspectos fundamentais", afirmou.

A diversidade entre os institutos e seus temas de pesquisa foi comentada por Martin Grossmann, ex-diretor do IEA-USP e integrante do Comitê Sênior da Intercontinental Academia. Para exemplificar, explicou o perfil do instituto da USP: “Às vezes me perguntam porque não estamos formando futuros ganhadores do Nobel, porque não discutimos os motivos de o Brasil não ter um Nobel. O instituto tem como contexto a USP e o que nos diferencia é trabalhar com políticas públicas, questão muito importante para países em desenvolvimento”.

Ainda quanto à missão dos institutos, Goddard disse que quando é convidado a avaliar um IEA pergunta se estão fazendo coisas que não podem ser feitas em outras partes da universidade. “Atuar como um mecanismo de financiamento ou para proporcionar um salário adicional para alguns pesquisadores é importante, mas isso não é o que um IEA deve ser”, comentou.

Para Shinohara, uma das coisas importantes para as quais um IEA pode contribuir é possibilitar um ambiente de liberdade para a reflexão e a pesquisa. “Vivemos ocupados com aulas, administração, encontros etc. Seria muito bom se pudéssemos proporcionar um espaço com liberdade, sobretudo a jovens pesquisadores promissores. É possível proporcionar liberdade aos cientistas? Na Universidade de Nagoya isso é um tarefa muito difícil.” Rabinovici concordou que essa é outra dificuldade  dos IEAs de universidades e que, por isso, quando um pesquisador ingressa em seu instituto deve se comprometer a deixar de dar aulas, participar de comissões e se envolver em atividades administrativas.

Carsten Dose, secretário geral da Intercontinental Academia e moderador do painel, disse que as universidades em geral são constituídas por iguais, que se respeitam, mas quando um IEA cria a possibilidade de alguns terem uma atividade mais livres isso é visto como privilégio, e "a concessão de privilégios tende a levar a alguma inveja no ambiente universitário".

Grossmann concordou com a avaliação de Dose. Disse que os administradores da universidade sabem que devem pensar a universidade e gostariam de fazer isso, a exemplo do que é feito pelo IEA-USP, mas são tolhidos pela obrigação de gerenciar uma grande instituição. Segundo ele, além dos gestores, outros membros do corpo docente da universidade veem o IEA-USP como um lugar privilegiado, uma vez que possui uma estrutura leve, não tem estudantes nem pesquisadores permanentes, algo completamente diferente do que eles vivenciam.

Ao ser aberta a discussão aos participantes da Intercontinental Academia, Shinohara quis saber deles se jovens pesquisadores devem se dedicar a temas interdisciplinares ou se concentrar num campo específico.

O primeiro a se manifestar foi o filósofo Valtteri Arstila, da Universidade de Turku, Finlândia. Para ele, antes de obter o doutorado deve-se dedicar a uma área específica. “Não acho que alguém possa fazer um bom trabalho interdisciplinar se antes não fez um bom trabalho numa disciplina específica.”

A restrição disciplinar para pós-graduandos defendida por Arstila não é compartilhada pelo historiador Kazuhisa Takeda, da Univesidade Waseda, de Tóquio. Em sua opinião, a interdisciplinaridade é uma tendência mundial e a Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência de alguma forma incentiva isso ao aprimorar cada vez mais seus métodos de avaliação de propostas de pesquisa, adotando critérios mais abrangentes, que envolvem áreas próximas.

O biólogo Eduardo Almeida, professor da USP, concordou com Arstila, mas ressaltou que nas instituições brasileiras e americanas há um certo estímulo para os estudantes de graduação se interessarem pelo que está acontecendo em outras áreas além da sua. "No entanto, isso é algo difícil de fazer, pois recebemos uma grande quantidade de informações por e-mails, folhetos e outros materiais. Talvez os IEAs pudessem ajudar nessa busca de conhecimento do que está acontecendo em outros campos.”

A competição no âmbito disciplinar foi questionada pelo historiador David Gange, da Universidade de Birmingham. Ele disse que o momento mais desconfortável na Fase São Paulo da Intercontinental Academia foi quando o físico José Goldemberg, professor emérito do Instituto de Física da USP e professor honorário do IEA-USP, recomendou aos jovens pesquisadores que fossem agressivos. “Não estamos em competição uns contra os outros. Se pensarmos assim, estaremos contribuindo para os problemas que as universidades enfrentam cada vez mais. Como jovens pesquisadores, devemos entender a universidade assim como entendemos nossas disciplinas. E o único modo de entender a universidade é sendo interdisciplinar”, argumentou.

A discussão sobre a interdisciplinaridade é mal concebida, no entender de Goddard, para quem a confluência entre disciplinas deve sempre ser fruto do tópico escolhido para estudo. “Se um pesquisador pretende estudar o movimento de populações no passado, vai precisar envolver biólogos, estudar as informações obtidas em sepultamentos, entender a genética daquelas pessoas.”

Hideaki Miyajima, diretor do Instituto Wasesa de Estudos Avançados, de Tóquio, manifestou sua concordância com o requisito citado por Goddard, mas considerou que há alguns riscos em recomendar aos jovens que realizem trabalhos interdisciplinares, pois "temas com essa característica são difíceis de identificar”.

Shinohara defendeu que os IEAs procurem conectar áreas do conhecimento distantes entre si: “Há inúmeras variações na interdisciplinaridade em termos de distância entre os campos de pesquisa. O grupo da Intercontinental Academia, por exemplo, é bastante desafiador, mas quando se fala de física e matemática, esses são campos relativamente próximos.”

Dose afirmou que todos concordam com essa opinião de Goddard, mas o que há acontece é uma intersecção de disciplinas, carreiras e instituições, “tornando as escolhas complicadas, sobretudo para jovens pesquisadores”.

A situação também é difícil para as instituições, de acordo com Dose, uma vez que “elas têm responsabilidades tanto na produção de pesquisas avançadas quanto em relação aos jovens pesquisadores, aos quais precisam proporcionar oportunidades que não encontrariam no ambiente disciplinar de outros lugares e, ao mesmo tempo, instituir garantidas para que não sigam apenas num caminho, ainda que interdisciplinar, e fiquem desconectados da estrutura disciplinar da universidade".

Como foi possível depreender do painel, os IEAs precisam lidar com vários desafios acadêmicos e institucionais, antigos e novos. No entanto, para Grossmann, as principais questões a serem enfrentadas estão relacionados com aspectos “glocais” [global + local]. “Temos de nos preocupar com os desafios que nossas universidades enfrentam e como eles correspondem a mudanças globais”, afirmou.

Foto: IAR/Universidade de Nagoya