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Milton Thiago de Mello e a organização da primatologia no Brasil

por Mauro Bellesa - publicado 08/06/2015 17:55 - última modificação 12/06/2015 11:10

O primatologista Milton Thiago de Mello participou como convidado especial do seminário "Pró-Primatas Paulistas", no dia 12 de maio. Na ocasião, Mello historiou o processo de organização da primatologia no Brasil e seu próprio envolvimento com a área.
Milton Thiago de Mello
O primatologista Milton Thiago de Mello

A primatologia brasileira teve início apenas nos anos 70, e com o estudo de uma espécie exótica, o macaco rhesus (Macaca mulatta), mesmo com o país contando com 123 espécies e subespécies de primatas, ¼ de todas as existentes no mundo.

Em 1932, 100 macacos rhesus importados da Índia para pesquisas da vacina da febre amarela foram alojados na Ilha do Pinheiro, na Baia da Guanabara, próxima da sede do Instituto Oswaldo Cruz. Ainda nos anos 30, o instituto recebeu duas doações de rhesus patrocinadas pela Fundação Rockfeller, 13 animais em 1937 e 20 em 1939.

Alguns primatologistas começaram a estudar esses animais. "O primeiro foi Adelmar Faria Coimbra-Filho, depois foi a vez de Dóris Santos Faria, que fez uma pesquisa fundamental sobre a inversão reprodutiva dos rhesus", comentou o primatologista Milton Thiago de Mello, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária, na aula que proferiu na abertura do seminário Pró-Primatas Paulistas, no dia 12 de maio, na qualidade de convidado especial do encontro.

Organização

Em plena atividade aos 93 anos, Mello tratou em sua aula da organização da primatologia no Brasil e de como ele próprio se tornou primatologista.

Ele disse que o interesse pelos primatas brasileiros já era comum antes mesmo da chegada dos portugueses, quando as crianças índias os mantinham como mascotes (chirimbabos), principalmente os barrigudos, macacos-prego,macacos-aranha e micos, que eram apreciados pelas jovens índias.

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Aula de Milton Thiago de Mello no seminário "Pró-Primatas Paulistas"

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Seminário Pró-Primatas Paulistas

Depois, as jovens europeias também adotaram os micos como bichos de estimação. A respeito disso, Mello citou frase escrita por um naturalista alemão: "Saguis são pequenos animais verdadeiramente mimosos e bonitos, mas de natureza muito delicada e franzina. Muitos são enviados anualmente do Brasil para a Holanda, a fim de com eles se distraírem as moças desocupadas”.

No entanto, segundo Mello, só no início do século 20 começou a fase científica do trato com primatas, "com os trabalhos de uns poucos pesquisadores no Rio de Janeiro e em São Paulo descrevendo doenças causadas por ecto e endoparasitos e utilizando primatas em pesquisas médicas".

Impulso

Dois fatos ocorridos na década de 70 deram grande impulso à organização da primatologia brasileira, segundo Mello: a criação de centros de primatologia para três biomas brasileiros (o Centro de Primatologia do Rio de Janeiro, para a Mata Atlântica; o Centro Nacional de Primatas de Belém, para a Amazônia; e o Centro de Primatologia da Universidade de Brasília, para o Cerrado) e a fundação da Sociedade Brasileira de Primatologia (SBPr).

Mello disse que não é verdade, como alguns dizem, que a primatologia brasileira só passou a existir depois da criação da SBPr, em 1979. "Havia gente interessa em primatas, mas não havia nada organizado; as pessoas estavam dispersas, isoladas ou em pequenos grupos em universidades e instituições de pesquisa".

Em 1983, outros dois fatos contribuíram para o fortalecimento da primatologia no Brasil: o início dos congressos brasileiros da disciplina, organizados pela SBPr, e o início da série de cursos de especialização latu sensu em primatologia, organizados pela UnB e com Mello como responsável por 25 anos.

De acordo com ele, "os congressos e os cursos fizeram com que a primatologia brasileira se organizasse e hoje seja considerada a mais importante do mundo em países habitat de primatas, estando prestes a se tornar a mais importante do mundo em países habitat ou não habitat".

Trajetória

Mello disse que foi para o Instituto Oswaldo Cruz nos anos 40 para fazer pesquisa em microbiologia: "Havia uma doença em que ninguém dava jeito (e até hoje não se deu), a brucelose, e eu cismei em utilizar os macacos rhesus da Ilha Pinheiro para as minhas pesquisas". Tempos depois, foi convidado a fazer pesquisas sobre a doença nos Estados Unidos, com a utilização de macacos de uma colônia em São Francisco sob a responsabilidade do microbiologista Carl Meyer, que "fez de tudo na área, tendo sido inclusive o definidor do gênero Brucella".

Quando Mello voltou ao Brasil, foi para a Universidade de Brasília (UnB) e perguntou ao então reitor quem se interessava por macacos na universidade. A resposta foi de que não havia ninguém na UnB que pesquisasse primatas, "apenas um pesquisador que tinha três micos numa gaiola e se dizia primatologista". O reitor citou também o trabalho de Adelmar Faria Coimbra-Filho no Rio de Janeiro.

Mello disse que ficou irritado por não haver gente em número suficiente no Brasil que trabalhasse com macacos. Foi então que decidiu que era preciso formar primatologistas, apesar de ser advertido pelo reitor da UnB de que não havia mercado no país para esses especialistas. "Respondi a ele que começaria justamente com um congresso de primatologia, e ele entrou em crise", comentou.

Congresso

Para produzir o 1º Congresso Brasileiro de Primatologia em 1983, em Belo Horizonte, realizado em paralelo ao Congresso Brasileiro de Zoologia, Mello convidou seus amigos no exterior, pesquisadores que haviam trabalhado com a inoculação de rhesus para a produção de vacinas e outros pesquisadores. "Dessa gente surgiu o congresso e os trabalhos apresentados resultaram num volume com mais de 400 páginas", afirmou.

Mello concluiu dizendo que "nada vai para a frente sem a formação de recursos humanos: na época do 1º congresso, se apertássemos, sobrariam umas 20 pessoas; atualmente, cada congresso tem pelo menos 300 participantes, além dos jovens estudantes".

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP