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A implantação e os efeitos do modelo neoliberal no México

por Mauro Bellesa - publicado 14/07/2015 16:10 - última modificação 10/08/2015 14:15

O sociólogo Francisco Zapata, do Colégio de México, fez conferência no IEA em junho sobre os efeitos da implantação das políticas neoliberais no México a partir de 1982.
Francisco Zapata
O sociólogo Francisco Zapata, do Colegio de México, durante sua primeira conferência no IEA

"A experiência mexicana na implantação do modelo neoliberal é um espelho no qual o Brasil pode se mirar nos próximos anos, porque o que está acontecendo aqui já aconteceu no México." O conselho é do sociólogo chileno Francisco Zapata, radicado há muito tempo no México, onde leciona e pesquisa no Colégio de México.

Especialista em relações trabalhistas e organização de trabalhadores na América Latina, Zapata fez duas conferências no IEA em junho. Nelas, ele falou sobre a implantação de políticas neoliberais no México a partir de 1982 e sobre a relação das ciências sociais e com o desenvolvimento do país.

Em relação ao primeiro tema, assunto da conferência do dia 9 de junho, Zapata tratou das transições política e econômica nas quais ocorreu a implantação do modelo neoliberal no México, das principais políticas neoliberais implementadas no país e os efeitos dessas transformações no mundo do trabalho.

O evento teve como debatedor o filósofo Reginaldo Moraes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, que comentou os pontos abordados por Zapata e apresentou uma avaliação geral sobre as medidas adotadas pelo Brasil nas últimas décadas e seus impactos (leia no box abaixo). A mediação coube a Iram Rodrigues, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.

Similaridades

Para ilustrar seu comentário sobre a importância de o Brasil observar o ocorrido no México nos últimos 30 anos, Zapata fez questão de apresentar alguns números que aproximam a realidade dos dois países: as populações dos dois somam 330 milhões (o Brasil com quase 205 milhões e o México com 125 milhões), mais da metade dos 630 milhões da América Latina; o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil é o dobro do PIB mexicano e a soma dos dois corresponde a 2/3 do PIB da América Latina; em termos de PIB per capita, os dois países apresentam pouca diferença [10.300 dólares para o México e 11.200 dólares para o Brasil, segundo o Banco Mundial].

A data crucial para as mudanças foi 1982, segundo o sociólogo, pois naquele ano houve três desvalorizações do peso, iniciando-se a aplicação de políticas de transformações profundas do cenário econômico, social e político do México. "Depois, em 1985, houve um grande terremoto e uma crise que levou a inflação a 140% no final do ano", acrescentou.

Para Zapata, aquele foi um período divisor de águas que dá margem à discussão se o neoliberalismo foi uma política implantada per si, como uma ideologia dos economistas da Escola de Chicago, ou se o país se viu obrigado a adotá-la em função das condições conjunturais concretas pelas quais a economia mexicana passava.

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Essa política foi sendo aplicada de forma muito lenta, segundo ele. “Nesse período de implantação houve cinco presidentes: de 1982 a 2000, três do Partido Revolucionário Institucional (PRI) [no poder desde 1929]; depois, houve um período de alternância, de 2001 a 2012, com dois presidentes do Partido da Ação Nacional, mas isso não afetou a aplicação da política neoliberal; agora, desde 2013, há outra vez um presidente do PRI”.

Zapata disse que o período entre 1982 e 1996 foi de estabilização econômica. “Aqui no Brasil, quase dez anos depois do ocorrido no México, houve algo similar quando o presidente Fernando Henrique Cardoso implantou o Plano Real, em razão da instabilidade econômica de 1994.”

Transições

A implantação do neoliberalismo está inserida em duas transições ocorridas no México, de acordo com ele. Uma foi a transição entre o modelo de industrialização por substituição de importações (ISI), “que se deu na América Latina entre os anos 30 e final dos 70”, para outro modelo de desenvolvimento ligado às políticas neoliberais e que pode ser chamado de transnacionalização do mercado interno (TMI), caracterizado por ampla abertura aos mercados internacionais.

A outra transição foi a política: “Dos anos 80 em diante, ocorreu na América Latina um processo de transformação de sistemas autoritários (ditadura militar no Brasil e ditadura civil no México) para regimes democráticos e esse processo também afetou a aplicação das políticas neoliberais, pois a transição política se deu simultaneamente à transição econômica”.

No entanto, Zapata não acredita que os dois processos estavam relacionados, que as novas democracias tinham como projeto a aplicação de políticas neoliberais, mas sim que houve uma coincidência temporal.

O caso brasileiro

Reginaldo Moraes

O filósofo Reginaldo Moraes, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, convidado para ser o debatedor do evento, fez um contraponto à exposição de Zapata, destacando similitudes e diferenças entre Brasil e México na implantação de políticas neoliberais.

“De certo modo, a transição da substituição de importações para internacionalização do mercado interno também ocorreu no Brasil, talvez não exatamente em fases demarcadas como no México.”

Moraes disse que o Brasil também passou pela fase de substituição de importações em dois momentos de sua história econômica: nos anos 30, durante o Estado Novo, e depois, a partir dos anos 50, numa configuração diferente.

Destacou, no entanto, que dentro do modelo brasileiro já havia um processo de transnacionalização do mercado interno muito forte, mas não através da entrada de produtos, mas sim pela entrada e exportação de capitais e a transnacionalização de empresas que produziam para o mercado interno, embora fossem filiais de companhias estrangeiras.

Para ele, isso tem uma importância capital na formatação do sistema industrial, do sistema social e da política do país: “Tínhamos uma indústria forte e formada, basicamente, por filiais de empresas estrangeiras, peculiaridade que de certa forma mudou um pouco nosso destino”.

Segundo Moraes, México, Argentina e Brasil são os países da América Latina que se industrializaram fortemente no pós-guerra, com um setor industrial importante que “foi submetido a uma destruição relevante nos últimos 30 ou 40 anos”.

Ele disse que os experimentos neoliberais na América Latina aconteceram antes da ascensão dessa política nos países centrais, ou seja, antes do governo de Margareth Thatcher no Reino Unido e do governo de Ronald Reagan nos Estados Unidos. “O laboratório já tinha funcionado no Chile, logo depois da derrubada de Salvador Allende em 1973, e na Argentina (em seguida  ao fim da ditadura), onde foi implantado um programa de desindustrialização pavoroso.”

No Brasil, houve um processo de aplicação de ajuste estrutural um pouco mais lento e um pouco mais complexo, disse Moraes, concordando com os comentários de Zapata.

No caso brasileiro, houve resistência de setores empresariais que estavam sendo atingidos por essa transição econômica e se organizaram para reduzir o ritmo das mudanças, segundo o filósofo.

"O fato de haver empresas nacionais sob o controle de brasileiros foi muito importante para mudar o ritmo das reformas no Brasil."

Segundo Moraes, os bancos comerciais, que ainda eram brasileiros e dependiam da carta-patente do Banco Central, eram uma resistência à abertura, bem como as empresas fornecedoras de serviço, de maneira geral, e as empreiteiras, em particular.

"Essa resistência empresarial de certo modo mudou o ritmo da aplicação das reformas, daí o Brasil ter sido um reformador tardio."

Moraes lembrou que a abertura comercial começou no governo de Fernando Collor de Melo, no início dos anos 90, e caracterizou-se pelo sentido vulgar do termo: a abertura das alfândegas e a permissão de entrada de produtos estrangeiros.

"O comércio é algo mais forte do que isso e não é por acaso que a Organização Internacional de Comércio é tudo menos uma organização internacional de comércio; não se trata de negociar o que acontece na transição das fronteiras, mas aquilo que acontece dentro dos países."

Segundo Moraes, "as negociações na OIC vão mais no sentido de destruir instituições dentro dos países como, por exemplo, compras estatais, propriedade estatal de empresas, regulações fitossanitárias e regras trabalhistas".

Ele lembrou que a segunda fase da reforma econômica mexicana citada por Zapata, a da privatização das estatais, no caso brasileiro foi mais tardio, em 1995/1996, com os mesmos ramos sendo privatizados: telecomunicações, siderúrgica e mineração.

Quanto ao terceiro momento mexicano, o da desregulação das relações de trabalho, Moraes disse que o Brasil está agora à beira de um momento grave, com a perspectiva da ampliação da terceirização "ou até da informalização do setor formal".

Ele comentou que o processo já vinha ocorrendo no Brasil há algum tempo: "As empresas automotivas do ABC eram enormes nos anos 70; a Volkswagen chegando a ter quase 40 mil funcionários, mas agora possui um quarto disso, pois transferiu para fora de seus muros uma série de operações."

De acordo com Moraes, os brasileiros deveriam prestar mais atenção no impacto dessas mudanças sobre o mundo sindical e o mundo político no México, "pois estamos à beira disso no Brasil".

Algumas coisas já acontecem no Brasil, segundo ele, como a pulverização da classe trabalhadora e a dificuldade dos sindicatos em responder a esse desafio.

"Com a fragmentação, o movimento sindical tem dificuldade em organizar os trabalhadores, daí a necessidade de criar formas e temas diferentes para a negociação, politizar-se mais, encontrar modelos diferentes de organização, caso contrário estará condenado a quase desaparecer."

Em relação às mudanças no perfil do voto dos trabalhadores mexicanos, Moraes disse que esse fenômeno talvez não seja típico da América Latina, dada sua ocorrência também na Europa.

"Em alguns bastiões do voto operário comunista na França está havendo uma migração para a ultradireita. A Frente Nacional, partido de Le Pen está ganhando votos em regiões operárias que há muito tempo votavam no Partido Comunista e no Partido Socialista."

Ainda em relação à mudança da geografia do setor industrial no México comentada por Zapata, Moraes disse que isso também ocorre no Brasil, mas também em ritmo diferente.

"Constatamos a saída de indústrias do eixo Rio–São Paulo em direção a outros polos, em parte por causa de guerras fiscais entre os estados, mas também por outros motivos, como a busca de lugares onde a força de trabalho seja mais dócil e mais fácil de explorar e onde outros custos sejam mais baixos, como o de terrenos e de energia."

Para Moraes, isso vai levar a uma mudança da estrutura política do país. "São Paulo hoje é um centro conservador muito importante no cenário político brasileiro, mas é também um estado que foi muito atingido pela crise econômica e pela crise industrial", acrescentou.

Três políticas

No bojo dessas duas transições, foram adotadas três políticas, segundo Zapata: abertura comercial, privatização das empresas estatais e mudança nas relações de trabalho.

De acordo com o sociólogo, a dimensão central da abertura comercial não foi o comércio. “O que aconteceu foi um efeito sobre os empresários e o aparato produtivo, que pela primeira vez em 50 anos teve de adequar seu funcionamento às condições externas, teve que redefinir sua competitividade não em relação a estruturas monopolistas que atuavam no mercado, mas em relação aos produtores internacionais.”

Ele disse que houve tensões muito fortes e, em alguns casos, elas ocasionaram o desaparecimento de setores econômicos, como, por exemplo, a indústria têxtil, que foi incapaz de competir internacionalmente.

No aspecto interno às empresas, houve uma transformação das relações entre empresários e sindicatos, pois no modelo anterior, da ISI, os sindicatos tinham um contrato coletivo, que beneficiava os trabalhadores: "No momento que o mercado já não era mais o interno, os salários já não podiam ser alterados de acordo com o que acontecia na sociedade mexicana, mas sim em função dos fatores da competitividade internacional, e aí o problema principal passou a ser o quanto pagavam Taiwan, na Coreia do Sul e em outros lugares”.

Maquiladoras

Nos anos 90, quando a China entrou no mercado internacional, houve outro momento crucial, "pois a indústria mexicana não conseguia competir com os chineses e muitas empresas maquiladoras, que funcionavam no norte do país, mudaram-se para a China".

Zapata disse que as empresas maquiladoras foram o padrão industrial para adaptação à TMI: “Há uma pequena aparência disso na Zona Franca de Manaus, mas no México isso foi massivo, com a criação de um grande número de indústrias na fronteira norte dedicadas a processar produtos vindos dos Estados Unidos e que regressam para lá, uma produção sem nenhuma ramificação com a economia interna”.

Essa situação teve um impacto muito forte a partir de 1º de janeiro de 1994, quando entrou em vigor o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), explicou o historiador. “Esse foi o ponto culminante da abertura comercial, pois implicava que o México tinha que aceitar importações a partir dos Estados Unidos sem incidência de imposto de importação, criando-se assim um espaço econômico que transcendia as fronteiras.”

O Nafta teve efeitos radicais sobre a estrutura econômica do país, pois passou a incluir não só as maquiladoras, pois os fazendeiros americanos também encontraram mercado no México para seus produtos. A consequência disso é que '"hoje em dia, o México consome tomate, laranja e outros produtos agrícolas americanos, pois a capacidade de produção dos Estados Unidos e o preço com que os produtos chegam excluiu a agroindústria mexicana”, explicou.

Privatização

De 1988 a 1990, tem início o segundo componente da implantação neoliberal do México: "O estado estava numa situação financeira crítica e não conseguia subsidiar as empresas estatais, como a de siderurgia e a de mineração".

“O período coincide com a chegada ao poder do presidente Carlos Salinas, que levou a cabo esse processo de forma radical. Em 1991, a indústria siderúrgica foi completamente privatizada. O caso mais importante foi o da privatização da empresa Telefono de México, adquirida por Carlos Slim, o homem mais rico da América Latina. As únicas estatais que não foram privatizadas são a Petróleos Mexicanos e a Comisión Federal de Electricidad."

Além de se desincumbir de subsidiar as empresas, o governo também via um aspecto político: “Os dirigentes das empresas tinham poder dentro do estado, então, privatizar as companhias significava quebrar o poder que essa tecnocracia tinha na economia e na política". No caso das duas indústrias que não foram privatizadas (petrolífera e de eletricidade), "aconteceu que a tecnocracia estatal foi capaz de manter o controle político sobre o que estava sendo feito”.

Desregulamentação do trabalho

Zapata comentou que assim como o Brasil tem a Consolidação das Legislação Trabalhista (CLT), o México tem a Ley Federal del Trabajo, e "tanto lá como no Brasil, são mantidas as instituições do trabalho, mas esvazia-se o seu conteúdo; há a lei, mas ela não é respeitada”.

No caso da desregulamentação do trabalho, terceira política de implantação do neoliberalismo no México, Zapata disse que “não se muda a institucionalidade, muda-se o contrato coletivo de trabalho, ou seja, mantém-se a retórica de que o sindicalismo e as relações de trabalho estão institucionalizados como antes, mas mudam-se as disposições concretas”.

Para ele, essas três políticas (abertura comercial, privatização e desregulamentação do trabalho), vistas sob os marcos da transição política e da transição econômica, mostram como as políticas neoliberais não se referem apenas à economia, apresentando também sérias implicações políticas.

Mercado de trabalho

Zapata dedicou a segunda parte da conferência às transformações no mercado de trabalho ocasionadas pela política neoliberal.

Uma delas é a baixa taxa de desemprego aberto e elevado grau de informalidade no mercado de trabalho. “Como é possível que o México tenha uma taxa de 4,5% de desemprego aberto, quando a taxa alemã é de 15% e a espanhola é 26%?”

Isso se explica, facilmente, segundo Zapata: “Na América Latina, as pessoas não podem deixar de trabalhar, então, quando o entrevistador pergunta a uma pessoa se trabalhou na semana anterior ou nos últimos quinze dias, todo mundo está trabalhando.” A pergunta correta seria, segundo ele: “Em que está trabalhando?”

Ele citou essa questão para frisar a importância de incluir na análise da situação o fenômeno da informalização do mercado de trabalho, decorrência da aplicação das três políticas neoliberais que citou.

“Antes de 1982, o desemprego aberto era bem mais elevado e os níveis de informalidade muito mais baixos; agora, sob o neoliberalismo, mantêm-se um desemprego aberto muito baixo e elevada taxa de informalidade.”

Segundo o sociólogo, a força de trabalho mexicana é de 49 milhões de pessoas e apenas um terço dela está no mercado formal de trabalho, sendo que apenas parte desse um terço é coberta pelos direito inerentes à formalidade definidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), como seguridade social e serviços sociais.

Mulheres

O México também passou por um processo de feminilização massiva da força de trabalho, “mas não foi simplesmente porque as mulheres resolveram entrar no mercado de trabalho, mas pelo fato de os homens terem sido demitidos, o que forçou as mulheres a trabalhar fora de casa para sustentar a família”.

“As maquiladoras na fronteira norte tinham muito dinamismo na época, tinham emprego e mercado exportador, ao passo que no resto do país havia recessão e demissões; elas foram um polo de atração muito forte para aquelas mulheres, principalmente as maquiladoras eletrônicas, que empregaram mulheres que tinham experiência na indústria do artesanato.”

Houve também uma diminuição drástica do emprego público: "Diferentemente do Brasil, onde os dirigentes não tocaram no setor, pelo que vi, no México a burocracia não cresceu entre 1982 e 2000”.

“No México, hoje em dia, começar a trabalhar no setor público não é uma opção, não é uma garantia contra o desemprego: em vez de ter um emprego público, a pessoa tem de trabalhar no setor informal, vendendo coisas na rua.”

Zapata ressaltou que a informalidade não pode ser vista, como muitos fazem, apenas na situação das pessoas que trabalham na rua, pois "ela também ocorre dentro do próprio aparato produtivo, com a informalização do formal, subcontratação e outros mecanismos”.

O trabalho também foi alterado pela mudança na geografia econômica do país: “Os historiadores já não estudam geografia, mas se analisassem a distribuição da atividade econômica no território mexicano, não reconheceriam no México de hoje aquele de 30, 40 anos atrás, quando a atividade econômica estava concentrada em cidades como Monterrey, Guadalajara, Cidade do México e algumas outras, e não nos estados da fronteira norte”.

Camponeses-operários

Outro exemplo de mudança geográfica é a instalação de indústrias de automóveis em zonas rurais. “As empresas estrangeiras do setor não investem nas velhas fábricas dos anos 60, mas sim em lugares onde há apenas trabalhadores rurais disponíveis”, gerando um fato inédito: a transformação da classe trabalhadora industrial, que “volta a ser constituída, como no passado mais distante, por camponeses transformados em operários”.

Essa instalação em áreas rurais é facilitada pela diminuição do tamanho das industrias e seu fracionamento: “A indústria automobilística separou suas operações em diferentes lugares e finalidades, colocando a fábrica de motores em Chihuahua, a fábrica de caixas de câmbio em Sonora e assim por diante, com a montadora estabelecida em um lugar diferente desses.”

“Tudo isso bloqueia o processo de proletarização (para usar uma linguagem da minha geração): já não se pode distinguir um processo de criação de proletários, devido à mobilidade do trabalho, demissões, origem rural dos trabalhadores e grande entrada de jovens no mercado de trabalho.”

Sindicatos

Zapata destacou outro efeito do neoliberalismo no mundo do trabalho: a diminuição da taxa de sindicalização, indicativa das dificuldades de organização dos trabalhadores, pois "os sindicatos não souberam responder às transformações no mercado de trabalho, tais como o desemprego, a informalização, a feminilização, as dispensas no setor público e outros fatores".

O efeito político principal desse quadro foi a desarticulação entre o sindicalismo e o estado mexicano: “Até 1982, havia uma relação virtuosa e então começa um processo muito dramático de desarticulação, inclusive no nível eleitoral”.

“Antes, o PRI tinha uma base popular de operários e camponeses,  conseguia controlar o voto dos trabalhadores, eleger deputados operários; depois, teve que passar a disputar votos em todos os setores, a se comportar como qualquer partido político.”

Zapata ressaltou também que o próprio sistema de seguridade sofreu os impactos da mudança político-econômica. "Assim como não era possível subsidiar as empresas estatais, tampouco era possível subsidiar o sistema de saúde, o sistema educacional (sobretudo o ensino superior)".

“Hoje, o Instituto Mexicano de Seguro Social, uma instituição muito importante para a saúde e a seguridade social, encontra-se numa grave crise financeira, pois devido à informalização do mercado de trabalho, o número de cotistas do instituto diminuiu.”

 


 

Debate aponta empecilhos para mudança de rumos

Durante o debate aberto a todos os presentes, Reginaldo Moraes quis saber de Zapata porque as estruturas de representação dos trabalhadores passaram incólumes durante a transição política mexicana, sem a criação de uma forma de representação que alicerçasse os sindicatos nas empresas, como ocorreu depois da ditadura franquista da Espanha.

Zapata disse que no ano 2000, com a alternância do partido no poder, todos esperavam mudanças na articulação entre o governo e o sindicato, no entanto, "quatro meses antes de tomar posse, Vicente Fox, o novo presidente, teve medo em relação ao que se passaria no México se se liberasse a tutela do estado sobre os sindicatos e acabou pactuando com os sindicatos corporativos; e, assim, tudo ficou igual até hoje".

Caio Dantas, pesquisador visitante do IEA, perguntou a Zapata se a ação dos Chicago's Boys (economistas seguidores das diretrizes econômicas prevalentes na Universidade de Chicago) na América Latina não foi uma consequência das mudanças geopolíticas no continente por causa da Revolução Cubana. Ele também quis saber o opinião de Zapata sobre a necessidade de uma mudança na estrutural educacional dos países do continente.

Para Zapata, a  Revolução Cubana foi um momento crítico da história da América Latina no século 20, "pois mudou o jogo e a direita se deu conta que era preciso bloquear as mudanças", mas não foi um fator determinante para a futura adoção das políticas neoliberais.

Em relação à questão educacional, disse que seria um pouco radical na resposta, pois não acredita que os problemas de México, Brasil e Chile sejam culpa do sistema educacional: "Não estou muito seguro do impacto dos níveis educacionais sobre o funcionamento do aparato produtivo, pois hoje em dia isso é muito relativo e tem menos importância ainda sobre o salário".

Enfraquecimento do estado

O sociólogo Mario Henrique Ladosky, professor da Universidade Federal de Campina Grande, referindo-se a atuação dos cartéis de narcotraficantes no México em conluio com políticos e órgãos governamentais, disse que "quando se fala de neoliberalismo, pensa-se em enfraquecimento do estado, de estado mínimo, mas quando o estado fica de alguma forma preso numa relação com o crime organizado ele perde a mínima capacidade possível de atuação". Em seguida perguntou a Zapata se há possibilidades de recuperação do estado mexicano como um todo, não só como indutor da economia.

Zapata respondeu que com exceção do processo iniciado em 1994 pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional ("que rapidamente desistiu do colocar em dúvida o sistema político mexicano e se refugiou na selva"), o demais é "terrorismo".

"O que aconteceu em Iguala, com a morte dos 43 estudantes, reflete um conluio entre o aparato político e as pessoas que estão não só no narcotráfico, mas no negócio da violência em geral, que é muito rentável." Além do tráfico de entorpecentes, sequestro, ameaças, roubos, há fatos extraordinários, como a exportação de minério de ferro para a China por uma organização criminosa (os Cavaleiros Templários). "Isso não se pode entender se não há uma cumplicidade de todos os atores, exército, polícia, políticos, todo mundo."

A mexicana Maria del Carmen, doutoranda da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), quis saber a opinião de Zapata sobre o futuro do modelo neoliberal depois das eleições mexicanas ocorridas no dia 7 de junho [domingo anterior ao dia da conferência], com a vitória de candidatos independentes.

Zapata disse que ainda não tinha muitas informações sobre os resultados das eleições, mas, pelo que já soubera a respeito,e não teria muitas ilusões: "Os resultados não mudam muito o cenário, com o PRI mantendo-se no poder em razão da aliança com o Partido Verde".

Instituições

O diretor do IEA, Martin Grossmann, perguntou a Zapata se o panorama que ele fornecera sobre o México de alguma forma "antecipa a crise institucional que já estamos notando no Brasil e produz reflexos nas políticas públicas e também no parque industrial". Zapata disse não acreditar que haja uma crise das instituições: "A crise está no Estado, no sistema político, nas organizações civis, nos sindicatos".

Ele contou que na primeira vez que veio ao Brasil foi a uma empresa automobilística e havia os delegados sindicais e que hoje eles desapareceram. "Com quem falam os dirigentes hoje em dia? Entre eles; e já não sabem o que acontece no local de trabalho", afirmou.

Segundo Zapata, as instâncias se ensimesmaram e os dirigentes sindicais estão preocupados com suas relações com quem está em postos superiores aos deles, como o prefeito ou o governador. "Ser um parlamentar em Brasília é a glória, com bom salário, automóvel, assistentes, motorista... Com os dirigentes sindicais acontece o mesmo", acrescentou.

Fotos: Fernanda Rezende/IEA-USP