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O presente e o futuro da pesquisa sobre células-tronco

por Mauro Bellesa - publicado 11/11/2015 12:05 - última modificação 12/11/2015 10:29

O patologista veterinário Ricardo Ochoa, da empresa Pre-Clinical Safety, fez a conferência "Células-Tronco: O Potencial" no dia 29 de setembro, no IEA.

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As pesquisas sobre células-tronco têm evoluído rapidamente, tanto em laboratórios acadêmicos quanto em empresas. As expectativas são de que elas possam ser utilizadas em terapias para inúmeras doenças e até mesmo na criação de órgãos para transplante. No entanto, até o momento, não há nenhum produto desenvolvido com base nelas aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora norte-americana, segundo o patologista Ricardo Ochoa, presidente da Pre-Clinical Safety. No final de setembro ele fez a conferência Células-Tronco: O Potencial, as Complicações e o Futuro.

Nascido na Colômbia e radicado há muitos anos nos Estados Unidos, Ochoa possui grande experiência em toxicopatologia, especialmente no que se refere a estudos pré-clínicos. Ele foi professor do Departamento de Patologia da University of Lousiannia de 1978 a 1981. Depois, trabalhou em empresas farmacêuticas como a Pfizer e a Upjohn. Além do trabalho que realiza na Pre-Clinical Safety desde 2008, ele também atua como consultor de indústrias no desenvolvimento de novos fármacos.

Ricardo Uchoa
O patologista Ricardo Ochoa, da Pre-Clinical Safety

Indução

Ochoa disse que os pesquisadores pensavam que as células-tronco embrionárias podiam se diferenciar de acordo com a parte do corpo em que fossem enxertadas, mas que isso não se mostrou verdadeiro, pois elas se desenvolvem de diferentes maneiras.

Para que elas se desenvolvam de forma específica devem ser induzidas a isso. Ochoa comentou que vários processos desenvolvidos por empresas para esse procedimento são confidenciais, protegidos pela legislação de propriedade intelectual.

Além das pesquisas com células-tronco do cordão umbilical, que podem ser congeladas e implantadas no futuro no próprio indivíduo, os pesquisadores também têm se dedicado àquelas presentes no líquido amniótico (fluido que preenche a bolsa que envolve o feto). Chamadas de células-tronco perinatais, elas demandam mais estudos para avaliação de seu potencial, segundo Ochoa.

Há também as células-tronco presentes, em pequeno número, em muitos dos tecidos humanos, como a medula óssea, pele e gordura. "Em comparação com as células-tronco embrionárias, elas têm menor capacidade de originar os vários tipos de célula do corpo".

Ochoa citou ainda as pesquisas do processo chamado stimulus-triggered accquisition pluripotency, tema de polêmica em 2014, quando pesquisadores japoneses publicaram artigos na revista "Nature" nos quais afirmavam ter conseguido reprogramar células comuns, por meio de estresse, para que atuassem como células-tronco pluripotentes. Depois, os artigos foram questionados e os autores tiveram que se retratar.

De acordo com Ochoa, o experimento foi contaminado por células-tronco autênticas. Ele ressaltou que a área está se desenvolvendo tão rápido que "às vezes falsas pesquisas aparecem no caminho, por isso a comunidade científica deve ficar bastante atenta para esse tipo de situação."

Promessas

Entre as perspectivas, Ochoa mencionou a possibilidade de as células-tronco serem usadas na modulação imunológica e no tratamento de doença de Crohn, colite ulcerativa, artrite e câncer.

Além da possibilidade de diferenciá-las em gordura, cartilagem, ossos e tendões, há pesquisas sobre o desenvolvimento de órgãos e outros componentes do organismo, como a pele, bexiga, traqueia, vasos sanguínios e válvulas cardíacas. Há também a transdiferenciação das células-tronco em ilhotas pancreáticas, oligodentrócitos e mesmo neurônios, inclusive para tratamento da doença de Alzheimer.

Uchoa acrescentou que uma coisa interessante e já disponível é o surgimento de impressão em 3D com proteínas e com isso formar uma estrutura onde as células-tronco irão se desenvolver e se transformar num tecido específico. "Isso é fascinante, pois possibilitará a produção de órgãos."

Outra perspectiva citada por Ochoa foi a criação de “mini-intestinos” por pesquisadores holandeses em 2009. Eles separaram células-tronco adultas do intestino de um rato e com elas criaram essas estruturas, que eles chamaram de organoides. Esse grupo organizado de células em três dimensões possibilita aos pesquisadores reunir novos insights sobre a biologia da saúde e da doença do intestino, inclusive do câncer colorretal.

Ochoa lembrou duas das polêmicas relacionadas com células-tronco embrionárias: a de que seu uso estimularia a realização de abortos e o questionamento do uso de embriões descartados no processo de fertilização artificial. "Uma possível solução", segundo Ochoa, "seria diferenciar células-tronco embrionárias específicas".

Outra possibilidade (alternativa ao uso de embriões) seria o transplante nuclear de células-tronco, isto é, a criação de um blastocisto que seria um clone do indivíduo. As células-tronco seriam retiradas desse clone para a terapia a ser aplicada no indivíduo.

Para o uso de células-tronco embrionárias humanas, que devem ser criadas para reprodução e não para pesquisa, não se pode usar células a partir de um casal para salvar outra criança. Isso seria a aético. E as decisões reprodutivas devem estar livres da influência das equipes de pesquisa. "Não se pode pagar alguém para produzir células a serem usadas na minha mãe que tem Alzheimer", disse Ochoa.

Segurança e eficácia

Segundo o patologista, o fato de as células-tronco serem pluripotentes leva ao receio de que resultem em neoplasias com crescimento autônomo e que invadam outros órgãos por metástase”.

Em relação à eficácia do implante de células-tronco também há várias dúvidas, segundo Ochoa:

  • elas sofrerão um processo apropriado de diferenciação e terão funcionamento normal?
  • poderão retornar à pluripotencialidade?
  • atingirão o local em que são necessárias e lá ficarão?
  • chegarão a uma população de células fisiologicamente aceitável e então vão parar de crescer?
  • vão perdurar?
  • não serão rejeitadas pelo sistema imunológico do hospedeiro?

O critério básico para o registro de um produto pela FDA é saber se ele é eficaz e seguro. No momento, não há produtos baseados em células-tronco aprovados pela FDA, informou Ochoa.

Para determinar se é razoável conceder permissão para um teste clínico (envolvendo seres humanos), a FDA exige a observância de vários critérios, que significam informar “de onde vieram as células, como foram desenvolvidas, que procedimentos foram adotados com elas, como foram enxertadas no indivíduo e assim por diante”.

Ochoa destacou que é preciso uma “prova de conceito” robusta, desenvolvida a partir dos dados pré-clínicos, particularmente quando as indicações clínicas visadas requerem administração de células-tronco em lugares anatômicos vulneráveis, como o sistema nervoso central, cápsulas articulares ou o miocárdio.

Para testes em animais, a FDA também define vários critérios, entre os quais:

  • escolha de doença relevante;
  • produto a ser testado deve estar voltado à administração clínica;
  • uso de caminho e método de entrega comparável ao plano clínico;
  • tempo optimum da intervenção relacionado com surgimento da doença;
  • necessidade de modificação na imunocompetência do modelo animal

Riscos

Segundo Ochoa, uma das estratégias para lidar com a possível rejeição seria produzir fontes de células-tronco no próprio indivíduo — no lugar onde elas são necessárias — e não externas a ele, "mas demandaria muito tempo para obter células utilizáveis, além de ser um grande desafio científico".

Outra maneira, de acordo com ele, seria a criação de barreiras em torno dos implantes para proteger as células-tronco de reações imunes, mas isso "é limitado, pois só poderia ser feito para a substituição de células que não precisam penetrar no órgão e, além disso, seria preciso possibilitar a chegada de nutrientes às células 'protegidas pela barreira''".

Ochoa explicou que as células-tronco pluripotentes produzem massas de células que contém tecidos de três camadas de células embrionárias: ectoderme, mesoderme e endoderme. Essas massas têm sido chamadas de “teratomas” devido a sua similaridade com teratomas espontâneos que surgem em seres humanos e animais.

"Teratomas são neoplasias, de acordo com o entendimento tradicional existente antes do advento da pesquisa em células-tronco. Há dois tipos em humanos: os infantis, sempre benignos, e os em jovens adultos, às vezes malignos."

De acordo com Ochoa, há rumores de que essas massas de células têm ocasionando metástase. No entanto, em artigo de 2012 na “Nature Biotechnology”, pesquisadores disseram que o conhecimento científico atual ainda é rudimentar para o desenvolvimento de um quadro de referências regulatórias para avaliação do risco de formação de tumores em terapias baseadas em células-tronco. "Eles lembraram que os tumores que surgem em culturas de células-tronco pluripotentes são mais parecidos com os teratomas benignos que se desenvolvem em crianças."

Ochoa frisou que as pesquisas em células-tronco para uso médico ainda estão em estágio inicial de desenvolvimento. Segundo ele, as agências reguladoras estão abertas ao uso dessas abordagens terapêuticas, mas alguns dos pressupostos a serem observados ainda estão sendo analisados. “Os requisitos que autorizam a realização das pesquisas são flexíveis e funcionam na base de um procedimento de cada vez."

Para ele, os pressupostos sobre o risco de células-tronco provocarem o desenvolvimento de câncer "deveria ser revisto cuidadosamente e com base na experiência real".

Ele disse que soluções múltiplas para desafios tecnológicos têm sido desenvolvidas e continuam a evoluir, mas poucas abordagens têm sido aprovadas para registro da pesquisa.

Em sua opinião, considerações éticas e religiosas têm retardado o progresso na área, mas têm também "estimulado a ingenuidade e o desenvolvimento de fontes de células-tronco no próprio indivíduo”.

No debate que se seguiu à exposição, Denise Schwartz, professora do Departamento de Medicina Geral da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia ((FMVZ) da USP, perguntou como as células-tronco podem ser diferenciadas em células de diferentes órgãos.

Ochoa explicou que cada órgão tem diferentes fatores que ocasionam a maturação e diferenciação de suas células. “No caso da pele, há diferentes fatores que conhecemos para diferenciar células-tronco em células maduras; outros órgãos apresentam maiores dificuldades”. Para ele, os sinais a serem enviados no laboratório às células-tronco não são universais, mas limitados a determinados órgãos. Ele disse que muitas empresas estão desenvolvendo produtos para esse futuro uso e que muitos desses estudos são mantidos em sigilo.

O coordenador do evento, o toxicopatologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP e vice-diretor do IEA, relatou que no seu trabalho muitas vezes encontra proliferações muito estranhas de tecido na medula óssea, especialmente em pacientes com deficiência respiratória: "Em dois casos de doença pulmonar obstrutiva crônica, encontramos tecidos cerebral e do fígado na medula óssea; talvez isso indique que há uma 'conversa' específica entre as células-tronco da medula óssea e fatores de crescimento levados por alguns neuropeptídios, pois há uma proliferação de células neuroendócrinas em casos de insuficiência respiratória".

Um professor presente na audiência lembrou que há no mínimo três componentes envolvidos na diferenciação das células-tronco: o macroambiente orgânico que a envolve, influência genética e a epigenética (conjunto de mecanismos celulares que inibem ou estimulam a expressão dos genes).

Ochoa respondeu que realmente promover a diferenciação não é fácil e por isso as empresas que dominam essa manipulação de fatores mantêm esses processos em segredo. "No caso do macroambiente, pode-se 'alimentar' células-tronco com células normais do órgão e começar a cria-lo."

Saldiva perguntou ao conferencista se no futuro será possível utilizar organoides produzidos a partir de células, no lugar de animais, para reproduzir, em curto prazo, os efeitos de situações ambientais nos seres humanos. Ochoa respondeu que talvez não seja necessário criar organoides para esse tipo de pesquisa.

Foto: Leonar Calazans/IEA-USP