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O tempo e a ordem universal de todas as coisas

por Sylvia Miguel - publicado 29/03/2016 09:55 - última modificação 29/03/2016 13:36

A filosofia de Aristóteles e o olhar de diferentes povos sobre o passado e o futuro.
Yasuhira (Yahei) Kanayama

Yasuhira Kanayama, em conferência da ICA.

As considerações sobre o tempo na filosofia grega antiga foram apresentadas na palestra do professor Yasuhira Kanayama, da Nagoya University, durante as conferências da Intercontinental Academia (ICA) realizada em Nagoya, Japão, de 6 a 18 de março.

“Approach to Time in Ancient Greek Philosophy” foi o tema da palestra, em que Kanayama analisou a representação metafórica do tempo entre diversos povos.

Na obra “Física”, Aristóteles discute no quarto capítulo os pressupostos do movimento em relação ao tempo. O tempo não existe por si só; é inerente ao movimento. É definido como “o número de movimentos a partir da referência do antes e do depois”. Portanto, não pode existir sem uma sucessão. Uma parte é passado, e não exatamente. A outra, futuro, e não ainda. Sendo assim, o filósofo levanta três quebra-cabeças (aporias) sobre o tempo. Os dois primeiros são argumentos sobre a não existência do tempo, uma vez que o tempo é divisível em passado (algo que já não é) e futuro (que ainda não é).

Aristóteles

Aristóteles, filósofo grego.

A terceira aporia argumenta que o agora não pode ser sempre diferente, mas também não pode ser sempre o mesmo. Se o presente é presente, parece existir. No entanto, se o presente tiver alguma extensão, pode ser dividido em partes, ou passado e futuro. E se esse presente tivesse alguma extensão de novo, poderia novamente ser subdividido num processo infinito, enquanto houvesse alguma extensão no presente. E se o tempo é composto dessas partes, parece impossível a alguma coisa ou a alguém pertencer a algo que não foi e ainda será. “Então, em qual parte existimos?”, disse Kanayama, em referência às suposições de Aristóteles.

Na definição de tempo a que Aristóteles chega no livro sobre física, é primordial considerar a relação entre tempo e movimento. Aristóteles recorre a metáforas para explicar a relação sobre o que está se movimentando e em qual direção.

De acordo com a metáfora do ego em movimento, o ego (pessoa) avança ao longo da linha do tempo em direção ao futuro. Como um trem em movimento que se aproxima de algum ponto. Já na metáfora do tempo em movimento, são os eventos futuros que se movimentam em direção ao ego (pessoa) e, após passar por ele, tornam-se passado. O tempo seria concebido como um rio que vem até determinado ponto (o ego).

Kanayama compara outras formas de representar o tempo em diferentes culturas.  No idioma Aimara, falado pelo povo Aimara da Bolívia, Peru e Chile, o futuro é representado atrás do ego, de forma que num gesto para se referir ao futuro, a pessoa aponta o dedo indicador para trás do ombro esquerdo. O passado é referenciado apontando para frente. Nessa língua, a palavra básica para “frente” é também a expressão para passado. E a palavra básica para “atrás” é a expressão básica para “futuro”.

“Essa representação parece vir do fato de que não podemos ver o futuro e por isso ele está representado atrás do ego. O que podemos ver ou saber é o passado e este é representado à frente do ego”, disse Kanayama.

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Vídeo:

Approach to Time in Ancient Greek Philosophy

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Parece estranho representar metaforicamente o passado e do futuro do lado esquerdo ou direito. Mas quando visualizamos o tempo, nós o alocamos para a direita ou para a esquerda, como numa história em quadrinhos. O passado tende a estar representado à esquerda e o futuro, à direita. Da mesma forma, os ocidentais tendem a escrever ou desenhar o passado à esquerda e o futuro, à direita. Ao passo que judeus e árabes, cuja escrita é da direita para a esquerda, fazem essa representação ao contrário.

Os japoneses, quando escrevendo ou lendo horizontalmente, colocam o passado à esquerda e o futuro à direita. Mas quando escrevem verticalmente, colocam o passado à direita e o futuro à esquerda, e o movimento de uma linha para a outra é da direita para a esquerda, lembrou o professor.

Falantes de mandarim representam o tempo de baixo para cima e vice-versa. Ao dizer mês acima, querem dizer mês passado. Mês abaixo significa próximo mês. Esse tipo de movimento pode ter relação com o modo de escrever de cima para baixo. Mas também há uma relação com o curso do rio, disse o palestrante.

Durante a filosofia helenística, os estoicos também consideraram o tempo como um continuum de divisões infinitas, tratando o passado, o presente e o futuro como parte do tempo. O agora seria a fronteira entre o passado e o futuro. Mas também consideram dois tipos de presente, como Aristóteles.

Macedônios definiram o tempo como intervalos de movimento, ou a média entre movimentos velozes e demorados, sendo o tempo constituído de passado, presente e futuro.

Mas a definição do número de movimentos, que é central em Aristóteles, não está nos outros pensadores, disse o professor. A importância disso é que o tempo torna-se dependente do movimento em relação ao antes e ao depois, o que significa que o tempo é um tipo de ordem e não uma medida como comumente se supõe. O tempo seria uma ordem universal capaz de relacionar todas as alterações umas com as outras. O ego, portanto, seria algo em movimento, algo de que o tempo depende para sua própria existência.

Fotos: IAR/Nagoya

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