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Os desafios das instituições culturais frente à pandemia e o mundo digital

por Vinícius Lucena - publicado 12/08/2021 09:15 - última modificação 13/08/2021 12:33

Primeiro número da série de Cadernos de Pesquisa da Cátedra Olavo Setubal foi lançado no dia 15 de junho.

Capa Cadernos de Pesquisa - Cátedra Olavo Setubal - nº 1

A Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência lançou no dia 15 de julho o primeiro número da série de Cadernos de Pesquisa, uma nova proposta de publicação que tem o objetivo de compartilhar resultados parciais e anotações de pesquisa ainda em processo de elaboração, possibilitando trocas e debates que possam ter impacto no desenvolvimento final da investigação.

Marcado por um debate online, o lançamento do caderno "A Institucionalidade da Cultura e as Mudanças Socioculturais" teve a participação dos três autores dos textos do caderno: o titular da cátedra e antropólogo cultural Néstor García Canclini, que coordenou a edição, e os pós-doutorandos Juan Ignacio Brizuela e Sharine Machado Cabral Melo, que desenvolvem pesquisas individuais vinculadas ao tema do projeto de Canclini na cátedra.

A partir do projeto central, são desenvolvidas pesquisas que abordam desde o enfraquecimento das instituições culturais públicas e privadas durante a crise neoliberal, até a prevalência dos aplicativos digitais sobre as instituições e as trajetórias dos movimentos independentes em relação à reconfiguração dos mercados culturais e dos hábitos de públicos e usuários.

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Confira o vídeo de lançamento do caderno

Na apresentação do caderno, Canclini ressaltou que a retração das instituições culturais durante a pandemia gerou a necessidade de pensar nessa crise que ainda não tem data para acabar e em novas formas de inserir a cultura na sociedade.

“A emergência sanitária culminou em um processo de desinstitucionalização da cultura que já vinha ocorrendo anteriormente”, afirmou Canclini ao destacar a redução de orçamentos de instituições públicas e a inserção de atores privados ligados a tecnologias digitais: “Ao invés de salas de cinema, há tempos temos muito mais streaming nas casas. Ao invés de salas de concerto e festivais de música, Spotify e formas de comunicação alternativas”.

Para além do digital, Canclini também aponta para a destruição, mesmo antes do vírus, de mecanismos públicos dedicados a questionar a cultura e o trabalho dos artistas e comunicar ao público o que os criadores estão fazendo. “Algo que vocês vão encontrar neste caderno de pesquisa é uma problematização de como podemos entender hoje as instituições em uma época de transformação da organização física da vida cultural”, disse. Segundo ele, tal investigação é um processo que vai se alterando ao longo das pesquisas realizadas.

A partir desta introdução, os pós-doutorandos da Cátedra Sharine Machado Cabral Melo e Juan Ignacio Brizuela apresentaram suas pesquisas, respectivamente. Ambas fazem parte do caderno lançado e abordam objetos de estudo diferentes entre si, mas que se complementam no sentido de analisar a fundo as instituições culturais na América Latina.

Sharine, por exemplo, destrincha o movimento de artistas e gestores culturais em conjunto com a sociedade civil pela criação da Lei Aldir Blanc (14.017/2020), que prevê ações emergenciais para o setor cultural. Segundo ela, é importante analisar como esta iniciativa aumentou a abrangência dos investimentos culturais.

“O nosso Sistema Nacional de Cultura, por exemplo, tem menos de 50% de adesão e ele existe desde 2012, então em meses a Lei Aldir Blanc conseguiu muito mais adesão dos municípios (75%) do que o Sistema Nacional de Cultura em anos”, afirma. Ela também ressalta que, para além destas estatísticas, o que mais a inspirou nesta pesquisa foi a movimentação da sociedade civil e quais foram os anseios e motivações que levaram tanta gente a investir tempo e energia para valorizar as instituições públicas.

Brizuela, por outro lado, analisa o processo de constituição de instituições de emergência da cultura na América Latina a partir da implantação do programa Pontos de Cultura no Brasil, em 2004, pelo ministro Gilberto Gil. "A proposta se expandiu em 2009 e 2010 para várias experiências municipais na Colômbia, Venezuela e na Argentina. Depois, em 2012, chegou ao Peru, Colômbia e Costa Rica. Agora já são 14 países com experiências semelhantes", afirmou.

O pesquisador avalia este processo criticamente e ressalta que projetos como a Lei Aldir Blanc e os Pontos de Cultura dão mais visibilidade à dimensão territorial da cultura. Ou seja, práticas e manifestações relacionadas com artes e culturas ancestrais de matriz indígena e africana, muito comuns em todo o território brasileiro e latinoamericano, agora em um momento mais recente estão se institucionalizando de alguma forma enquanto prática cultural e espaço de manifestação artística cultural, segundo Brizuela.

Triálogo

Lançamento do Caderno de Pesquisa nº1 - A Institucionalidade da Cultura e as Mudanças Socioculturais
Pareticiparam do evento, Néstor García Canclini, Martin Grossmann, Juan Ignacio Brizuela e Sharine Machado
Após as apresentações, o coordenador acadêmico da Cátedra Olavo Setúbal, Martin Grossmann, mediou um triálogo entre os pesquisadores e o titular da cátedra, Néstor García Canclini. Entre as discussões, ganhou importância a questão de como a cultura vai se estabelecer após essa crise das instituições culturais, que se apresentava já antes da pandemia e se intensificou nesse período.

Canclini fez questão de ressaltar que as instituições têm que se reformular e promover outro tipo de estratégia de desenvolvimento cultural que combine a territorialização e as grandes cidades, onde estão os grandes centros culturais. “Como fidelizar os receptores culturais? Como acostumá-los a irem ao cinema, aos teatros, aos festivais internacionais, nacionais ou locais?”, questionou.

Já Brizuela problematizou o fato de que, por estarmos em pandemia, até os cadastros básicos precisavam ser realizados pela internet, no caso da Lei Aldir Blanc, e isso demanda estrutura e um um mínimo processo de alfabetização digital. Segundo ele, ao mesmo tempo que várias pessoas se aproximaram pela primeira vez destes editais e geraram redes de solidariedade e colaboração, aqueles que não tinham a possibilidade de ter o acesso à internet foram ainda mais prejudicados: “Gerou um espaço ainda maior, entre aqueles que estão inseridos e aqueles que estão fora do sistema, no caso do circuito cultural e artístico desses lugares mais afastados das metrópoles”.

Sobre como esse momento mudou a experiência do público, Sharine analisou como, apesar de em certas produções artísticas ser fundamental a presença física do público, existem relatos de pessoas que nunca tinham ido a um teatro na vida e conseguiram ver espetáculos teatrais pela internet. Ela também ressaltou que a mobilização em favor da cultura é ascendente no Brasil, principalmente pela emergência da própria sociedade em entender que a pauta da cultura é importante e que é possível mobilizar o congresso em favor das artes.