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A análise da oscilação de ciclos como ferramenta para entender o presente e prever o futuro

por Mauro Bellesa - publicado 29/01/2015 11:05 - última modificação 10/08/2015 17:32

Pesquisa de equipe do IQSC leva a modelo teórico que prevê o estado do catalizador de uma célula a combustível a partir da análise das oscilações de ciclo da reação eletroquímica.
Capa do Journal of Chemical Physics
Capa do periódico com imagem do artigo da equipe coordenada por Hamilton Varela

No pensamento mítico, na filosofia e até mesmo na ciência, as concepções sobre o tempo apresentam um movimento pendular ao longo da história, com algumas variações: às vezes elas falam de um tempo cíclico, onde tudo volta a se repetir, outras vezes referem-se a um fluxo contínuo, onde tudo muda e nunca se repete.

No Hinduísmo, tudo que existe é criado pelo deus Brahma quando ele acorda e transcorre no período diurno do dia do deus (isso equivale a 4,32 bilhões de anos solares). Quando Brahma vai dormir, tudo se consome em fogo e o Universo será recriado pelo deus quando ele acordar no dia seguinte.

Para o pré-socrático Herácrito de Éfeso (535-475 a.C.), no entanto, ninguém entra duas vezes no mesmo rio, pois tudo flui e se transforma, num fluxo contínuo.

Com o filósofo italiano Giambaptista Vico (1688-1744) volta-se a um tempo cíclico — mas onde nem tudo se repete —,  com a história evoluindo em sucessivas séries, cada uma composta de três idades — dos deuses, dos heróis e dos homens —, com cada série sempre se iniciando num ponto relativamente atrás do auge atingido pela série anterior.

REAÇÕES ELETROQUÍMICAS

O que tudo isso tem a ver com reações eletroquímicas? Propriamente, nada. Mas o que impede que se faça uma analogia do processo como uma reação se desenrola com as concepções sobre o tempo ao longo da história do pensamento ou que estas sirvam de inspiração para refletir sobre o que se passa nas reações, ainda mais quando a ideia de Vico de corsi e ricosri [avanço e retrocesso] cíclico na história guarda certa semelhança com o desenrolar das reações?

Hamilton Varela
Hamilton Varela

Esse tipo de comparação entre áreas tão diversas não é estranho ao engenheiro químico Hamilton Varela, professor do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP e coordenador pro tempore do Polo São Carlos do IEA, onde coordena o Grupo de Trabalho em Sistemas Complexos. "No laboratório, fazemos nossos experimentos, nosso trabalho específico, mas no IEA podemos fazer analogias dos nossos resultados com outras áreas do conhecimento", comenta o pesquisador, que também gosta de acrescentar especulações sobre eventuais aplicações de resultados de pesquisas no final dos artigos científicos que escreve, algo não muito usual entre cientistas naturais.

As pesquisas da equipe que Varela coordena no IQSC tratam de processos de catálise e situam-se naquela faixa da pesquisa básica que pode ter implicações diretas no desenvolvimento tecnológico. Para presumir essa importância, basta notar que alguns especialistas estimam que 1/3 do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos depende de algum processo catalítico, parcela que Varela considera até um pouco subestimada.

O mais recente resultado de impacto da equipe foi a elaboração de um modelo teórico para avaliar o desgaste do catalisador de uma célula a combustível sem ter de abri-la e examinar o componente fisicamente, o que reduz os custos e permite uma projeção de vida útil do catalisador.

Numa célula a combustível, as reações químicas estimuladas por um catalisador produzem energia elétrica para usos diversos, como a propulsão de automóveis, o funcionamento de equipamentos eletrônicos ou em situações emergenciais onde não há outra fonte de eletricidade. Elas dependem do abastecimento de reagentes para a reação química, mas outro fator pode reduzir sua eficácia: a degradação – via oxidação – da superfície do catalisador, geralmente feito de platina.

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O que acontece é que as reações químicas não são um processo contínuo em direção ao esgotamento dos reagentes. Elas levam a isso, mas num processo oscilatório de formação e dissolução das substâncias esperadas e a formação de substâncias intermediárias que vai tendo seu ritmo alterado ao longo do tempo

Para chegar ao modelo teórico que consegue especificar o estado do catalisador, a equipe coordenada por Varela primeiro realizou um trabalho experimental, apoiado pela Fapesp. Uma vez que o processo de oxidação do ácido fórmico por um catalisador de platina pura levava à oscilação do sistema durante algumas dezenas de ciclos e o consequente fim do processo, os pesquisadores resolveram testar um catalisador constituído de platina e estanho. Com isso, a oxidação do catalisador foi retardada e o processo de catálise perdurou por mais de 2,2 mil ciclos oscilatórios. Esses resultados estão no artigo “Long-Lasting Oscillations in the Electro-Oxidation of Formic Acid on PtSn Intermetallic Surfaces”, publicado como destaque de capa na edição de junho de 2014 da revista“ChemPhysChem”.

O modelo teórico tornou possível a generalização dos resultados obtidos no experimento. Ao analisar o comportamento do sistema em longo prazo, os pesquisadores notaram que a degradação da superfície do catalisador interfere nas características das oscilações. Isso possibilitou constatar que a medição das variações das oscilações permite estabelecer as condições do catalisador e como ele se comportará no desenrolar do processo,

Graças à analise das alterações desse ritmo oscilatório em simulações computacionais, a equipe, em parceria com pesquisadores alemães, conseguiram produzir o modelo teórico. O método foi descrito no artigo "Coupled slow and fast surface dynamics in an electrocatalytic oscillator: model and simulations", publicado também como destaque de capa da edição de dezembro de 2014 do “The Journal of Chemical Physics” (veja imagem acima).

PROCESSOS VITAIS

Além das aplicações práticas do modelo teórico para a avaliação de células a combustível, Varela considera que o trabalho talvez possa ser utilização nas análises de outros processos que envolvam oscilações de ciclos em períodos longos, como o ritmo de batimento cardíaco, os ritmos circadianos (os ciclos temporais dos processos vitais humanos) e o funcionamento do cérebro.

Para Varela, os regimes oscilatórios são uma característica essencial dos seres vivos, que sobreviveriam às instabilidades ambientais graças à flexibilidade proporcionada pelas oscilações presentes em seus processos vitais. Ele reconhece que o comportamento de uma reação química é algo extremamente reduzido se comparado com a complexidade da vida, mas lembra que a ciência sempre se utiliza das referências que possui a cada momento.

Ele destaca que assim como uma reação química oscila, degrada o catalisador e se esgota, tudo no Universo tende à degradação, ao equilíbrio termodinâmico, caracterizado pelo máximo de entropia. A consequência é trágica, ainda que indefinidamente distante no tempo: o fim da vida e de tudo mais. Um fluxo, um rio que nunca foi o mesmo e um dia seca. Ou será que terá sido apenas o fim de um dia de Brahma? Mas mesmos os dias do deus um dia terminarão, dizem os textos sagrados hindus.

Foto: Sandra Codo/IEA-USP