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IEA e IDS iniciam estudo sobre empecilhos do pacto federativo brasileiro à gestão pública

por Mauro Bellesa - publicado 10/05/2018 16:35 - última modificação 10/05/2018 16:35

Carlos Leite, Ricardo Young, Carolina de Gioia Paoli e Eduardo Giannetti - Pacto Federativo Brasileiro
A 1ª mesa teve a participação de (a partir da esq.) Carlos Leite, Ricardo Young, Carolina de Gioia Paoli e Eduardo Giannetti

Programa USP Cidades Globais do IEA e o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) começaram no dia 7 de maio uma análise do pacto federativo brasileiro, cuja configuração consideram "o cerne dos problemas de gestão em várias áreas, entre as quais as de sustentabilidade, saúde, educação, ambiente e tributação”, segundo João Paulo Capobianco, ex-diretor do IDS e um dos debatedores do encontro. A ideia é reunir formuladores de análises em áreas específicas para identificar questões a serem aprofundados com a participação da academia.

Além de Capobianco, o seminário teve outros sete debatedores: o economista Eduardo Giannetti, do Insper; a cientista política Marta Arretche, do USP Cidades Globais e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP; o urbanista Carlos Leite, da Universidade Presbiteriana Mackenzie; o economista Bernard Appy, da LCA Consultores e do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF); o especialista em estudos urbanos e regionais Arlindo Philippi Jr., coordenador do USP Cidades Globais e professor da Faculdade de Saúde Púbica (FSP) da USP; e a especialista em direito político e econômico Carolina de Gioia Paoli, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

A moderação da mesa da manhã foi de Ricardo Young, pesquisador convidado do IEA e diretor do IDS. A tarde, a moderação esteve a cargo de Marcos Buckeridge, coordenador do USP Cidades Globais e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp).

Para Buckeridge, esse tipo de discussão é essencial para alinhar as grandes cidades brasileiras com o que está acontecendo em outras cidades do mundo. “No Brasil, uma prefeitura não pode instituir uma taxa de compensação de carbono, pois isso tem de ser feito por lei federal. Em países onde o pacto federativo é diferente, as cidades globais estão se tornando verdadeiras cidades-estados, com mais força do que a de um simples componente de um país.”

Mas não se trata apenas de querer que as cidades tenham mais autonomia: “Se não tivermos a liberdade para adotar as poucas opções existentes, a maioria da população mundial, que vive em cidades, vai sofrer os efeitos drásticos do aumento da temperatura do planeta”, afirmou Buckeridge.

Young destacou na abertura do evento que a reforma do pacto federativo brasileiro talvez preceda a reforma política, “em razão da responsabilidade crescente das cidades na redução dos impactos decorrentes das mudanças climáticas”.

Diferenças regionais

Quando se fala de pacto federativo, deve-se levar em conta seis aspectos, de acordo com Marta Arrechte: 1) a clivagem que divide o país; 2) quem toma decisões; 3) quem é encarregado do quê; 4) quem paga o quê; 5) como as unidades estão representadas na arena das decisões políticas; e 6) qual percepção dos cidadãos.

Segundo ela, a clivagem brasileira é a partição entre regiões ricas e pobres, que se reflete nas estruturas de representação. “Todas as federações que têm muito desequilíbrio de riqueza adotaram esse modelo depois da Segunda Guerra.”

O Brasil optou pela centralização da autoridade na União e isso mantém o equilíbrio brasileiro, explicou. "Mexer nisso equivaleria a criar uma situação como o rompimento do equilíbrio entre o número de estados não escravocratas e escravocratas nos Estados Unidos no século 19, com o aumento dos primeiros e, consequentemente, de sua representação no Congresso, o que resultou na Guerra Civil americana."

Quanto a concentração da autoridade no Brasil, Marta lembrou que o artigo 22 da Constituição Federal, com seus 29 incisos, estabelece as prerrogativas da União, incluindo todas as áreas do direito e a exclusividade de legislar sobre vários setores, como água, energia, diretrizes de educação, transportes e emprego.

“Embora as empresas de saneamento sejam estaduais, legislar sobre isso é privativo da União. Ela tem competência privativa até para legislar sobre concursos para contratação de funcionários estaduais e municipais. Além disso, a União pode legislar sobre todas as áreas em que os estados e municípios são os executores.”

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No que se refere a políticas sociais, Marta disse que a partir de 1988 houve uma divisão das funções, com a União cuidando das políticas de renda, previdência, seguro desemprego, salário mínimo e bolsa família. "Graças a isso, o governo federal pode atuar na redução das desigualdades a partir do início dos anos 90". Os outros entes, "muito mais os municípios do que os estados", ficaram com as políticas de prestação de serviços, o que inclui "educação básica, saúde básica, infraestrutura urbana, transporte coletivo, iluminação pública e demais serviços que afetam diretamente a vida dos cidadãos".

Ela considera o sistema de transferências fiscais a partir da União um sistema altamente regulado e que aumenta muito a receita de alguns municípios, mas corrige pouco as distorções.

Young quis saber de Marta como fica a ideia de "uma pessoa, um voto" em contraste com o equilíbrio federativo por ela apresentado, baseado na centralidade da autoridade na União e no apoio desta às regiões mais pobres. Marta afirmou que as duas situações são divergentes e que a proposta de "uma pessoa, um voto" aumentaria em muito a representação dos estados mais populosos e o Brasil voltaria à Primeira República, com aqueles estados dominando a Câmara Federal. "E como o Senado tem representação igualitária, a possibilidade de coligação dos estados mais pobres levaria a um impasse entre a Câmara e o Senado."

Quanto à percepção do cidadão, ela apresentou dados de uma pesquisa feita por sua equipe na qual 62% dos entrevistados disseram que as eleições federais são as mais importantes e o governo central é quem toma as decisões que mais afetam suas vidas.

Pêndulo do poder

Para Eduardo Giannetti, o Brasil nunca resolveu satisfatoriamente a opção entre centralização e descentralização no âmbito estatal. “Desde a Independência vivemos a oscilação de um pêndulo de um lado para outro sem chegarmos a um ponto de equilíbrio”

Afirmou que a centralização tem marcado os períodos mais autoritários e a descentralização as fases com maior liberdade. “O Primeiro Reinado foi centralizador, seguido de uma Regência com descentralização, com a volta da centralização no Segundo Reinado. A República deu autonomia aos estados, numa federação criada pelo governo central e não por estados que se juntaram. No Estado Novo, Vargas exacerba a centralização, que cede depois e volta a com o regime militar, período em que até os secretários de finanças e de segurança pública eram nomeados por Brasília.”

O pêndulo voltou à descentralização com a Constituição de 1988, com a transferência, para os estados, da gestão da saúde, educação, segurança pública e transportes, “mas não houve a descentralização da carga tributária”, segundo Giannetti.

“Se tudo tivesse dado certo na transição para um Estado federativo, deveríamos ter visto como contrapartida a diminuição do governo central. Mas os números indicam que os três níveis de poder começaram a crescer em arrecadação simultaneamente.”

Em sua opinião, num federalismo genuíno, o dinheiro público deve ser gasto o mais próximo possível de onde é arrecadado: "Os recursos que não são necessários para o financiamento da União ou para repasse a estados mais pobres devem ficar perto de sua origem".

Giannetti também criticou a “extravagância" de o país ter 5.570 municípios. Ele propõe que, ao ser reformulada a redistribuição de recursos, "os municípios que não arrecadam e, portanto, não tem realidade tributária, sejam anexados por municípios maiores".

O crescimento da carga tributária também foi questionado pelo economista. “Era de 24% do PIB em 1988, com o Estado investindo 3% do PIB em infraestrutura, saneamento e habitação. A arrecadação cresceu em todos os governos desde então. Hoje a carga é de 34% do PIB e não para aí, pois o Estado gasta mais do que isso e tem um déficit de 7% do PIB. Ou seja, 41% da renda nacional transita pelo poder público. E não vemos a contrapartida disso e nada que justifique o não atendimento de políticas públicas legítimas.”

"O Brasil precisa ter a coragem para promover a descentralização, um caminho que vislumbre menos Brasília e mais Brasil”. Não é preciso reduzir a carga tributária ou o poder do Estado para fazer isso, disse.  Com essa mudança, “diminuiria muito a apropriação privada de recursos públicos em Brasília revelada pela Operação Lava Jato”, em sua opinião.

Para Giannetti, não há uma relação necessária entre o tamanho do Estado e nível de corrupção, questão apresentada por Young. "Um exemplo disso são os países nórdicos, onde o Estado é até maior, mas a corrupção é pequena", de acordo com o economista. “O que favorece a corrupção é a falta de transparência na arrecadação e na distribuição dos recursos. Se forem gastos mais próximo de onde são arrecadados, haverá mais transparência e diminuição da corrupção.”

Caso o governo continue a aumentar a carga de impostos, pode haver uma revolta tributária, afirmou Giannetti. “A primeira tentativa de tornar o país independente, a Inconfidência Mineira, foi fruto de uma revolta tributária”. Ele observou também que Estados Unidos foram criados a partir de uma revolta desse tipo.

O empoderamento dos municípios deve ser acompanhado de mecanismo de controle, segundo Capobianco, "para que se evite um problema maior". Ele concorda com a diretriz “menos Brasília e mais Brasil”, mas disse que ela não deve ser aplicada em regiões onde não há Estado, como na Amazônia, pois “se deixarem de receber recursos, será a barbárie”.

Ele também alertou para o risco de imobilização do governo diante das dificuldades de implantação de uma reforma tributária, que dependeria de emenda constitucional a ser aprovada em duas votações na Câmara e duas no Senado. "Seria melhor isso ou o governo buscar mais eficiência no uso dos recursos?"

Para Buckridge, se houver melhoria no atendimento aos serviços públicos, “pouco importa se os recursos adicionais vierem de uma reforma tributária ou de uma reengenharia financeira, ou de ambas”

Os dois caminhos são complementares, no entender de Giannetti. “Dá para melhorar muito a eficiência do gasto público, mas é preciso um equilíbrio melhor entre os entes federados.” Acrescentou que boa parte dos recursos públicos são capturados pelas pessoas com renda mais alta. “O Brasil gasta muito com o ensino superior dos ricos. Na saúde isso também acontece, com boa parte dos recursos atendendo quem pode pagar e, quando precisa de um tratamento caro, recorre ao SUS.”

Quanto ao esforço a ser despendido para realizar a reforma, ele considera que isso não deve ser feito no início de um governo, mas a questão “deve ser colocada com clareza para a população”.  Para ele, a reforma política deve ter precedência.

Em relação às regiões carentes da presença do Estado, Giannetti disse que a “tutela” cria uma situação de dependência permanente: “A tutela pode existir, desde que tenha como filosofia o objetivo de ser extinta.” Para ele, a experiência de tutela do Norte e do Nordeste “tem sido frustrante e desastrada”, com a Sudene tendo enterrado uma quantia absurda na industrialização do Nordeste e o regime militar tendo enterrado recursos na Zona Franca de Manaus. “Pagamos por isso até hoje.”

Imposto de Valor Agregado

A questão tributária foi o eixo central da exposição de Bernard Appy, que foi secretário de Reformas Econômico-Fiscais do Ministério da Fazenda. Para ele, o modelo brasileiro é “fratricida, com estados e municípios mais interessados em roubar o dinheiro uns dos outros do que trabalhar em conjunto para atender aos cidadãos”.

Baseado na tributação na origem, o modelo estimula a guerra fiscal, na qual estados e municípios concedem incentivos fiscais, afirmou. "Há uma perda anual de arrecadação em torno de R$ 60 bilhões por causa dos incentivos."

João Paulo Capobianco, Arlindo Philippi Jr., Marcos Buckeridge, Marta Arretche e Bernard Appy - Pacto Federativo Brasileiro
Os debatedores da 2ª mesa foram (a partir da esq.) João Paulo Capobianco, Arlindo Philippi Jr., Marcos Buckeridge (moderador), Marta Arretche e Bernard Appy

De acordo com ele, a situação vai piorar, pois agora os incentivos estão institucionalizados. “Até o ano passado, os benefícios fiscais eram ilegais, pois eram implantados pelos os estados sem serem submetidos à aprovação por unanimidade no Confaz [Conselho Federal de Política Fazendária]. No entanto, em 2017 o Congresso aprovou uma lei que validou os convênios existente e abriu a possibilidades de novos incentivos similares”.

Appy disse que o CCiF propõe que sejam unificadas as bases do ICMS (estadual) e do ISS (municipal) e migre-se para um modelo de Imposto de Valor Agregado (IVA) - "utilizado no mundo inteiro, com exceção dos Estados Unidos" -, um sistema de débito e crédito no qual o imposto pago antes vira crédito tributário. “É um imposto sobre o consumo progressivo e que desonera a exportação e o investimento."

A proposta prevê extinção não só do ICMS e do ISS, mas também de três tributos federais: IPI, Cofins e PIS. Haveria uma alíquota única para todos os bens e serviços, com um período transição de dez anos, com os dois primeiros anos como teste e os oitos anos seguintes com redução progressiva das alíquotas. Estados e municípios teriam autonomia para gerir suas alíquotas de IVA, com o imposto sendo cobrado no destino.

“Haveria perdedores e ganhadores, por isso é sugerida uma transição de 50 anos, na qual os 20 anos iniciais teriam arrecadação centralizada e redistribuição dos recursos para a União, estados e municípios como é feita atualmente.”

Com esse modelo, ele considera que terminariam os incentivos fiscais e seria reduzida a rigidez orçamentária. “Se quiser utilizar mais recursos em segurança pública, o estado aumenta sua parte da alíquota.” Appy reconhece que pode haver uma guerra fiscal no âmbito do consumo, mas “muito menos perniciosa que a atual guerra fiscal na produção”.

Indagado por Ricardo Young sobre o que tem sido feito para convencer a sociedade sobre a proposta de criação do IVA, Appy disse que ela já foi apresentada a vários possíveis candidatos à presidência ou a seus futuros coordenadores de campanha.

Autonomia sem recursos

Para Carolina de Gioia Paoli, o grande diferencial do federalismo brasileiro foi a inclusão dos municípios como entes autônomos no pacto. Mas ela questiona por que foi dada essa autonomia se os legisladores “já sabiam que a receita tributária não seria suficiente para atender aos municípios”.

Ela citou a questão do financiamento da educação básica com exemplo de distorção. “A União tem como prioridade o ensino superior, mas tem a obrigação de ajudar o ensino básico. No entanto, utiliza como critérios o número de alunos matriculados e, depois, que se atinja um determinado o valor de custo por aluno.”

“A Constituição prevê a universalidade do direito à educação, mas o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] distribui recursos de acordo com o número de matrículas. Isso inviabiliza a criação de novas vagas.”

Carolina ressaltou que esses critérios de redistribuição podem não ser adequados ao equilíbrio do pacto federativo e, na verdade, podem estar promovendo o aumento das desigualdades, por não serem apropriados à satisfação da demanda de cada município.

Segundo ela, é preciso adotar índices de gestão tributária dos municípios para definir critérios de distribuição dos recursos entre eles. “Os municípios teriam direito a uma proporção do repasse de acordo com o índice de esforço fiscal atingido.”

Arlindo Philippi Jr. enfatizou que os três artigos da Constituição que tratam de política urbana, meio ambiente e saúde pública remetem a funções sociais da cidade, "uma dimensão que estamos ignorando”.

Em sua opinião, o país tem elementos, inclusive legais, para produzir indicadores que possam orientar sobre o que deve ser feito nessas áreas, mas falta a implantação de sistemas de informação confiáveis.

Ele exemplificou com as dificuldades em lidar com a legislação ambiental. “Todo dia sai uma portaria em algum lugar. Teríamos que fazer o que foi feito em países mais avançados: uma consolidação da legislação. Já aconteceram três ou quatro tentativas, mas houve resistências estranhas.”

Para ele, a estrutura técnico-administrativa do país nas três áreas abrangidas pelos artigos pode ter a funcionalidade desejada, “desde que haja decisão política para isso”.

Participação da academia

“O Brasil tem como atender qualquer demanda, mas os órgãos governamentais não têm muito interesse em trabalhar com as universidades, até mesmo os setores com recursos para pesquisa e desenvolvimento. A União, os estados e municípios deveriam se beneficiar dos setores de graduação e pós-graduação do parque universitário instalado em todo o país.”

A maior fragilidade para o encaminhamento do processo está na participação da sociedade. “Muitas vezes a participação existente é cooptada por determinados grupos. É preciso também que os conselhos consultivos dessas áreas passem a ser deliberativos, e para isso tem de ter representação social.”

Como diretrizes, Philippi Jr. defendeu a necessidade de integração entre áreas de governo, articulação intra e extragovernamental, prioridade política, recursos financeiros e humanos, continuidade político-administrativas e estabelecimento de planejamento estratégico.

São Paulo

Carlos Leite tratou especificamente da política urbana, em especial para a cidade de São Paulo. "A Constituição definiu a função social das cidades e, além disso, há o Estatuto das Cidades -  um marco regulatório reconhecido internacionalmente -  boas leis, políticas urbanas regulamentadas, bons instrumentos; se temos tudo isso, onde temos falhado em São Paulo?”

Ele indicou alguns fatores que interferem negativamente na política urbana da cidade: sistema de valorização do solo que interfere em vários mecanismos da cidade; taxa média de IPTU (Imposto de Propriedade Territorial Urbana) de 0,48% do valor do imóvel - " muito baixa em relação ao cobrado em outras grandes cidades do mundo; no Canadá é de 3%" -; apenas 30% dos imóveis regularizados; concentração dos recursos para habitação social na União e no estado - “temos todas as leis e mecanismos, mas os recursos não chegam”.

Além desses fatores, ele enfatizou a importância de outros três aspectos: os problemas de território urbano não podem ser resolvidos apenas pela governança municipal, necessitando de uma “mesa federativa” para decidir sobre prioridades; o fato de o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU) “ter ficado só no papel”; e a falta de cultura de planejamento em longo prazo.

Ele finalizou sua exposição com comentários sobre a situação do edifício no centro de São Paulo que pegou fogo e desmoronou na madrugada do dia 1º de maio. Pertencente à União e cedido à Prefeitura de São Paulo,  "o próprio edifício estava em situação irregular antes mesmo de ser ocupado, pois não podia ficar ocioso, devia obedecer à função social da propriedade prevista no Estatuto das Cidades”.

Último expositor do encontro,  Capobianco disse que, basicamente, todos os debatedores do encontro trataram de duas questões: das limitações do sistema federativo e dos problemas decorrentes da capacidade dos entes federativos em atuar.

Um ponto importante na área ambiental é, a seu ver, a confusão no estabelecimento de atribuições dos entes federados. “Depois de promulgada a Constituição, houve um período de 23 anos de absoluta zona cinzenta, por que não havia uma definição do artigo 23 sobre a competência administrativa dos entes, o que só foi feito pela Lei Complementar 140, em 2011.”

Regiões metropolitanas

Outro dispositivo que não produziu os resultados desejados foi o da instituição de regiões metropolitanas, em sua opinião. “Elas serviriam para integrar esforços no enfrentamento dos problemas comuns de seus municípios. Com isso, os problemas sociais seriam resolvidos com maior agilidade. Mas ocorreu o contrário: foram criadas muitas regiões metropolitanas e foi nelas que os problemas se agravaram.”

O estabelecimento das regiões metropolitanas não trouxe nenhum benefício especial em termos ambientais, afirmou. “Os principais desafios das regiões, segundo estudo do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], continuam a ser o de de sempre, abastecimento de água, coleta de esgoto etc.”

Ele destacou que a criação de uma região metropolitana só depende da Assembleia Legislativa do estado interessado em criá-la, mas a competência sobre o saneamento continua sendo de competência de cada município, ainda que decisão do STF tenha propiciado a criação de entidades metropolitanas governamentais.

A cidade de São Paulo tem a competência para o saneamento, mas a delega à Sabesp. “Vivemos numa situação em que um serviço público é transferido a uma empresa mista estadual e as metas de saneamento não são observadas e não são o principal elemento que justifique e avalie o sistema de saneamento.”

De acordo com Capobianco, não houve evolução no saneamento básico no Brasil nos últimos cinco anos. “Os indicadores nacionais são extremamente baixos e em São Paulo repete-se o mesmo problema.”

“Apesar de o Brasil possuir 12% da água doce do planeta, ela não é distribuída uniformemente pelo país, com 70% dela localizada na bacia do rio Amazonas. Na prática, o que ocorre é a degradação dos mananciais e a política de enfrentamento da escassez tem sido a busca de água cada vez mais longe e a ligação de bacias, o que gera conflito entre os usuários delas.”

Conforme dados apresentados por Capobianco, 34 milhões de brasileiros não têm acesso a água potável e 100 milhões não têm o esgoto coletado. Em São Paulo, 120 mil pessoas não têm acesso à água e 460 mil não têm coleta de esgoto, sendo que 758 milhões de litros de esgoto são despejados no sistema hídrico da cidade, “311 milhões de litros só pela Sabesp”.

Ainda em relação ao saneamento, Capobianco afirmou que houve uma redução de recursos destinados pela União de R$ 17,2 bilhões em 2012 para R$ 4 bilhões atualmente, mesmo tendo crescido a arrecadação de impostos no setor.

“O governo tem aumentado a tributação das empresas que atuam no sistema de saneamento. São empresas mistas que geram lucros e por isso são tributadas. Vivemos uma situação em que os municípios são incapazes de implementar sistemas eficientes de saneamento, sobretudo por falta de recursos, e as empresas para quais delegam a função retiram recursos do sistema.”

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP