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Para especialista, Homo habilis não deveria pertencer ao mesmo gênero que o ser humano moderno

por Matheus Nistal - publicado 25/10/2023 14:10 - última modificação 29/11/2023 15:33

Bernard Wood falou sobre os desafios da paleoantropologia na descoberta das origens do gênero Homo

09/10/2023 - Bernard Wood
Bernard Wood, professor de “origem humana” na Universidade George Washington [Foto: Leonor Calasans/IEA-USP]
Quando os vestígios de hominínios são encontrados em uma escavação, uma das principais perguntas que o pesquisador se faz é: “Quão parecidos são esses seres antigos dos seres humanos modernos?”. Bernard Wood, professor de “origem humana” na Universidade George Washington, explica que essa é uma questão complexa e que é necessário ter cautela com conclusões, já que “nós não temos a visão completa das espécies antigas, são sempre fragmentos”.

No evento “Origins of the genus Homo”, organizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI-USP), pelo Núcleo de Pesquisa e Divulgação em Evolução Humana do IEA (NPDEH) e pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), no dia 9 de outubro, Wood falou sobre as dificuldades de se classificar espécies que ficam no limiar de gêneros diferentes, como o Homo habilis, e que os desafios remontam da própria classificação dos seres.

No século XVIII, o biólogo suéco Carlos Lineu criou um sistema de nomeação binomial de espécies que é usado até hoje. Considerado o pai da taxonomia moderna, foi o primeiro a usar os termos Homo sapiens para identificar o ser humano. Na nomeação binomial criada por ele, Homo se refere ao gênero e sapiens (sábio, em latim) à espécie do homem moderno.

O Homo sapiens era a única espécie nesse gênero até a inclusão dos Neandertais, no meio do século XIX. Segundo Wood, “se você visse um Homo neanderthalensis vivo dentro do seu ônibus, você o acharia bastante estranho, não o veria como um ser parecido com nós”. Ainda assim, ele explica que existem características semelhantes entre as duas espécies suficientes para classificar as duas no mesmo gênero.

À medida que novas evidências foram sendo encontradas e novos hominínios incluídos no gênero, a sua definição ficou mais ampla. A inclusão do Homo erectus aconteceu, segundo Wood, em decorrência da semelhança do seu fêmur com o do humano moderno. Contudo, o tamanho do cérebro do Homo erectus é bem menor do que o das outras espécies do gênero.

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Então, em 1964, a proposta de incluir o Homo habilis - encontrado na Garganta de Olduvai, na Tanzânia - no gênero causou controvérsia na paleoantropologia. Wood explicou que os pesquisadores Richard Leakey, Phillip Tobias e John R. Napier ampliaram o conceito do gênero. “É como se o gênero Homo fosse um clube de tênis em que é necessário demonstrar uma certa habilidade no esporte para entrar. O que fizeram foi revisar as condições de entrada para que não fosse preciso ser um jogador tão bom”, disse Wood.

Outro ponto de controvérsia foi levantado pela pesquisa do professor em 1999, que indicava que os fósseis designados ao Homo habilis pertenciam a duas espécies diferentes (depois renomeadas de Homo habilis e Homo rudolfensis). Com o objetivo de extinguir a polêmica, Wood se dedicou a estudar a taxonomia em busca de uma resposta coerente e ampla para o problema.

Gênero na taxonomia

Bernard Wood pesquisou sobre a formalização da unidade de taxonomia “gênero” e se espantou ao descobrir que não havia uma definição única e bem aceita pela comunidade científica. Então, se debruçou sobre o assunto, junto com Mark Collard, da Universidade de Simon Fraser, até chegarem à seguinte proposta de definição: para classificar um grupo de espécies como um gênero próprio, elas devem formar um mesmo clado e um mesmo grado.

Um clado é o grupo formado por todas as espécies descendentes de um ancestral comum. Já um grado agrupa as espécies por suas características morfológicas ou fisiológicas, sem levar em consideração a ascendência. Portanto, na proposta de Wood, publicada em 1999, os gêneros são grupos taxonômicos de espécies com as mesmas características adaptativas e que possuem um ancestral recente em comum.

Wood explica o assunto através de analogias com carros e suas fabricantes. O primeiro automóvel da Toyota se chamava A1, e todos os subsequentes seriam “descendentes” deste. Logo, na explicação do especialista, todos os carros da Toyota fazem parte de um mesmo clado, por terem um ancestral comum recente. Contudo, a fabricante faz diversos tipos de carros (como utilitários, esportivos, entre outros) diferentes uns dos outros. Assim, no exemplo, todos os carros SUVs de todas as marcas fariam parte do mesmo grado.

Na proposta de Wood, o grado que forma o gênero Homo é determinado comparando as seguintes características evolutivas, que ele chamou de “great criteria”: tamanho do corpo; proporção dos membros; tamanho dos caninos e da mandíbula; tamanho do cérebro; locomoção; e desenvolvimento. Dentro desses parâmetros estabelecidos, Wood concluiu que o Homo habilis deveria ser qualificado em um gênero próprio ou como um Australopithecus, o que ainda não é consenso da comunidade científica.

Origem do gênero Homo

Determinar as datas de aparições dos primeiros hominínios é desafiador, segundo Wood. Ele explica que não é possível afirmar que a mais antiga aparição do fóssil de uma espécie demonstra a data de surgimento dela. “Se você observar um carro batido na estrada às 12h, não significa que o carro bateu 11h59. O acidente pode ter acontecido às 6h, mas você só está vendo evidências disso seis horas depois”, disse.

As mesmas questões são relevantes na localização geográfica, já que não se tem garantia de que a espécie encontrada em uma área não praticava migrações. O que faz com que fósseis sejam encontrados, por exemplo, no Vale do Rift - considerado o berço da humanidade - são as condições geológicas. “Não tem nada a ver com onde eles [os hominínios] surgiram”, afirmou.

Bernard Wood

Absolutamente tudo que Bernard Wood publicou virou clássico”, afirmou Walter Neves, coordenador do Núcleo de Popularização dos Conhecimentos sobre Evolução Humana (NPCEH) e mediador e coordenador do encontro. Em 2023, Wood recebeu o prêmio do Presidente do Instituto Antropológico Real do Reino Unido, uma das honrarias mais importantes da área, segundo Neves.

Wood é médico de formação e participou da primeira expedição ao Lago Turkana, no Quênia, onde muitos fósseis hominínios foram encontrados. Para Neves, esse foi um dos mais pródigos projetos paleoantropológicos já desenvolvidos.

O professor britânico é conhecido por suas pesquisas sobre as origens do gênero Homo, a paleobiologia do Paranthropus boisei e a sistemática dos hominínios, além da reconstrução da filogenia, a morfologia comparativa e a epistemologia na paleoantropologia.

Wood publicou 252 artigos científicos e capítulos de livros, além de mais de uma centena de pequenos artigos e comentários. Os 20 livros dos quais é autor ou coautor incluem uma importante monografia de 1991 sobre os restos cranianos de hominínios da Formação Koobi Fora, um atlas de anatomia dos tecidos moles dos monos e o livro para o público geral "Human Evolution: A Very Short Introduction". É o editor da Wiley-Blackwell Encyclopedia of Human Evolution.