Iniciadas as atividades da primeira edição do Programa Ano Sabático do IEA
Fazer uma reflexão filosófica sobre a história do pensamento algébrico mostrando sua relação com o desenvolvimento social e científico é mote para uma pesquisa de fôlego. Exige tempo e empenho para sua realização. É assim – com duração de 12 meses e dedicação integral – que essa e as pesquisas de outros cinco docentes USP serão desenvolvidas durante a primeira edição do Programa Ano Sabático do IEA.
Direção do IEA e conselheiros recepcionam os pesquisadores sabáticos |
No primeiro Encontro dos Pesquisadores Sabáticos, realizado no dia 7 de janeiro, os docentes apresentaram um breve resumo de seus projetos e falaram das expectativas sobre o programa.
Matemática, música, história da arte, arqueologia, sociologia, oceanografia e as interfaces dessas com muitas outras disciplinas são algumas das áreas de pesquisa do período sabático de 2016 no IEA. Os estudos resultarão na publicação de trabalhos, como livros, propostas de políticas públicas ou obras artísticas.
A iniciativa é inédita na USP e no meio universitário brasileiro. Por ter o apoio institucional e financeiro da Pró-Reitoria de Pesquisa, que destinará uma verba específica de auxílio para cada proposta selecionada, o programa permitirá aos escolhidos se afastar de suas unidades de ensino para desenvolver seus projetos individuais.
Além dos pesquisadores sabáticos, estiveram na reunião o diretor e o vice-diretor do IEA, professores Martin Grossmann e Paulo Saldiva; o pró-reitor de Pesquisa da USP, professor José Eduardo Krieger; o jornalista Eugênio Bucci, Conselheiro do IEA e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP; além do vice-coordenador do Polo São Carlos do IEA e assessor técnico do gabinete da Pró-reitoria de Pesquisa da USP, Hamilton Brandão Varela de Albuquerque, que é professor do Instituto de Química de São Carlos.
Em primeiro encontro, pesquisadores falam de seus projetos e das expectativas do ano sabático |
Os pesquisadores e seus projetos
O professor Flávio Ulhoa Coelho, do Instituto de Matemática e Estatística, foi o primeiro a apresentar seu tema de estudo: “História do Pensamento Algébrico e seus Desdobramentos Didáticos”. “Há um momento de ruptura entre o concreto e o abstrato na história do pensamento algébrico, com desdobramentos filosóficos que impactam nossas sociedades. Até hoje, isso não foi muito bem estudado e com a liberação da carga didática será possível aprofundar esse tema”, disse.
Por videoconferência, Dária Gorete Jaremtchuk, professora da Escola de Artes Ciências e Humanidades (EACH-USP), falou sobre o trabalho que desenvolverá: “Exílio Artístico: Trânsito de Artistas Brasileiros para Nova York Durante as Décadas de 1960 e 1970”.
“Comecei querendo entender aquele movimento de ida de nossos artistas aos Estados Unidos e acabei conduzida pelos achados. O trabalho cresceu para direções inesperadas. Precisei estudar guerra fria, diplomacia cultural, relações diplomáticas e outros temas. Esse período sabático será uma boa oportunidade para consolidar esses estudos”, disse Jaremtchuk.
Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira, professora da ECA-USP, acredita que há um descompasso entre as teorias da academia sobre a cena artística atual e a dinâmica dos movimentos culturais envolvendo especialmente jovens e novas tecnologias. Para compreender o assunto, ela propõe estudar as “Dinâmicas Culturais Contemporâneas: Imbricações entre Singularidades, Coletivos, Tecnologias e Instituições Culturais na Perspectiva do Comum”.
“O tempo da pesquisa exige um pensamento sonhador, que depois se configura em algo mais concreto. Mas isso fica um pouco de lado no cotidiano e acredito que será possível exercer esse sonho durante esse período sabático. A interação com pessoas de áreas distintas será muito importante e acredito que o programa consolida o IEA como plataforma de interação interdisciplinar”, acredita.
Consolidar dados de diversas pesquisas realizadas ao longo da carreira é também a meta da professora do Instituto Oceanográfico (IO-USP) Maria de los Angeles Gasalla durante o período sabático. Ela desenvolverá o estudo “O Futuro das Sociedades Dependentes do Mar: Mudanças Climáticas, Desigualdades e Cooperação em Sistemas Sócio-Ecológicos Complexos”.
Segundo Gasalla, há muitos dados gerados de estudos anteriores, questões diversas entre ciências naturais, sociais e físicas, modelos para populações naturais e a própria vivência da pesquisadora com pessoas que dependem do mar para o sustento. “Tenho extraído um conhecimento incrível da experiência dos pescadores sobre o mar e aprendido muito sobre aspectos sociais e culturais dessas comunidades. Poderei desenvolver uma reflexão mais profunda sobre o futuro das sociedades dependentes do oceano, tendo em vista os cenários de impactos das mudanças climáticas”, disse.
Para a professora, é viável estabelecer relações sobre o contexto das desigualdades na América Latina e a cooperação que surge como tecnologia social em benefício do planeta. “As metas da pesquisa são ambiciosas, mas acredito que será possível alcançá-las devido à liberação da carga didática”, disse.
Ex-docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) e atual professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, Astolfo Gomes de Mello Araújo propõe a arqueologia como estudo de caso para entender a interdisciplinaridade. “Vemos que a interdisciplinaridade na Universidade não existe de fato. Na EACH foi onde mais vi isso acontecer, mas no geral ainda é muito falatório. A arqueologia é o campo mais interdisciplinar que eu conheço e minha ideia é esmiuçar a visão de processo e como essa disciplina opera no tempo e no espaço”, disse Araújo.
“Ontologia e Epistemologia de uma (Inter)Disciplina: A Arqueologia como Paradigma de Interdisciplinaridade e suas Implicações Teóricas e Práticas” é o titulo do trabalho de Araújo, que vê na experiência do sabático a oportunidade “de pensar coisas novas”. Para ele, atuar de forma interdisciplinar “é a possibilidade de voltar a um contexto parecido ao que tive na EACH”, disse.
O professor Rodolfo Nogueira Coelho de Souza, engenheiro civil formado pela Escola Politécnica (Poli) da USP, acabou direcionando sua carreira para a música. É professor do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia Ciência de Letras da USP de Ribeirão Preto. Desenvolverá o projeto “Invenção de uma Ópera: A Máquina de Pascal em Pernaguá - Uma Pesquisa de Arte Experimental e Inovação em Sonologia”.
Coelho de Souza fala que sua invenção não deixa de ser uma obra de pesquisa. Irá trabalhar a teoria dos conjuntos buscando uma composição algorítmica que não é motivada pelo desejo humano. Porém, o desejo humano é projetado na música através de algo abstrato, que é o algoritmo. A forma de fazer isso é operar na dimensão cinematográfica, fazendo recortes de sons, disse.
“Poucas óperas foram compostas em um ano e sei que o projeto é ambicioso. Mas é a chance de desenvolver mais um trabalho criativo e tecnológico e essencialmente interdisciplinar. É um sonho um lugar onde a interdisciplinaridade fosse bem vista, ao contrário do que ocorre em nossos departamentos”, disse.
“Fora da caixinha”
A partir da esq.: Krieger, Saldiva e Varela |
Para o diretor do IEA, Martin Grossmann, a experiência do sabático representa a descoberta de um “elo perdido com a Pró-Reitoria de Pesquisa”. A relação institucional dessas unidades passa a existir concretamente com o apoio dado ao programa pela PRP-USP. Além disso, a presença do professor Hamilton Varela, que é assessor da PRP-USP e presidente da Comissão de Pesquisa do IEA, está ajudando a estruturar essa relação, disse.
O pró-reitor de pesquisa, Eduardo Krieger, lembrou a importância de existirem “mecanismos indutores para fazer pensar fora da casinha, ou fora do ambiente de conforto”. Prestar apoio e contribuir com recursos mesmo em momentos de crise é algo que os gestores precisam enxergar para permitir avanços ainda mais importantes do que permite a rotina, disse Krieger.
Os institutos de estudos avançados criados em várias universidades pelo mundo nos anos recentes representam uma ponta experimental, uma tentativa transdisciplinar e um posto avançado por definição, que corre “riscos muito interessantes” justamente por seus métodos e abordagens, disse o jornalista Eugênio Bucci, que é conselheiro do IEA e responsável pela Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP.
“A necessária inovação e experimentação precisa ser considerada num momento em que a universidade no Brasil e no mundo repensa o seu papel. Temos de pensar as próximas décadas, qual relação a universidade terá com a sociedade e quais as perspectivas de contribuição para o futuro. O IEA é uma franja de contato com o futuro. É preciso sair do rigor disciplinar e tentar caminhos diferentes”, disse Bucci.
O vice-diretor do IEA lembrou a variedade dos temas tratados no IEA. “Física de partículas, água, filosofia, urbanidade, Amazônia, enfim, tudo passa por aqui. Venho de uma área muito densa, relativamente monotemática. Em contraste, o IEA é muito livre e independente. E a liberdade é fascinante, mas atemoriza. Vocês que iniciam o sabático terão a chance de dar a tônica do programa. Atualmente os sistemas complexos estão dominando o mundo real. Talvez o IEA possa se tornar um ponto onde o exercício do mundo real seja possível”, disse Saldiva.
Regina Pekelmann Markus, conselheira do IEA e membro do Comitê Sênior de cientistas que coordenaram os trabalhos da Intercontinental Academia, disse que o descansar do ano sabático é “um descansar carregando nuvens, uma forma de levar sonhos adiante”. Para a cientista, “é bom termos um pró-reitor que acredita que temos de trabalhar fora da caixinha”.
Diante das dificuldades de instrumentalizar e praticar a transdisciplinaridade, talvez o IEA possa ser uma plataforma capaz de se adequar a essa abordagem, pelo fato de ser um “instituto de livre pensar, sem fronteiras nem departamentos”, disse o professor Varela.
Fotos: Mauro Bellesa/IEA