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Políticas para Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil são avaliadas por pesquisadores no IEA

por Beatriz Herminio - publicado 26/08/2022 10:50 - última modificação 29/08/2022 12:07

O ciclo de eventos é a primeira etapa do projeto Agenda 2023 e resultará em documento a ser enviado ao candidato à presidência eleito em 2022

Com a rápida movimentação da comunidade científica para conter o coronavírus, a área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) demonstrou o seu valor em todo o mundo durante a pandemia. No Brasil, entretanto, ela convive com problemas crônicos. Cortes nos orçamentos destinados à pesquisa e políticas públicas com abordagens imprecisas e sem foco são alguns deles. Essa é a avaliação dos organizadores do ciclo de eventos Agenda 2023, realizados no IEA entre abril e junho de 2022.

Os eventos representam a primeira etapa do projeto Agenda 2023. "O próximo passo é realizar debates com representantes das candidaturas ao Poder Executivo e, ao final, produzir um documento, a ser enviado ao candidato eleito", afirma Vitor Monteiro, pesquisador do Núcleo de Apoio à Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade (NAP-OIC). O evento com as candidaturas ocorrerá no dia 30 de agosto, das 10h às 12h, em formato virtual, no canal do IEA.

O ciclo, com seis painéis, foi organizado pelo grupo de pesquisa em parceria com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), e dirigido por Monteiro e Carolina Mota Mourão, pesquisadores do núcleo jurídico do NAP-OIC, e Rodrigo Brandão, um dos coordenadores do grupo.

Leia mais sobre cada um dos encontros:

Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação

O evento Reconstruindo as Políticas Brasileiras de CT&I: Por onde Começar?, realizado no dia 1º de abril, explorou o novo ciclo tecnológico que questiona a maneira como produzimos ciência, as práticas das empresas, estratégias e, sobretudo, como os países pensam o próprio desenvolvimento.

Países avançados e emergentes priorizam agendas para a construção de uma economia de baixo carbono – mais sustentável – e se preparam para uma nova sociedade digital. "São dois pontos que não podem faltar em nenhuma estratégia de desenvolvimento nacional, porque eles dão a base para diminuir pobreza e desigualdade social", afirmou Glauco Arbix. O professor do Departamento de Sociologia da USP foi expositor deste primeiro evento ao lado de Luiz Eugênio Mello, professor titular de Fisiologia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Saber aproveitar oportunidades é essencial nesse momento, mas o Brasil parece estar indo em sentido contrário e tem se distanciado dos países que produzem ciência de fronteira, avaliou Arbix.

Somando isso à situação nacional, com o acirramento das desigualdades e a ausência de uma agenda de governo, ele citou comportamentos que contribuem para o atraso e devem ser evitados. São eles: a perda de oportunidades abertas pelo novo ciclo tecnológico; o corte de investimentos em CT&I; a desvinculação da inovação à pesquisa científica; o ataque às universidades; a manutenção de amarras burocráticas; e a aprovação de documentos sem diagnósticos precisos, sem determinação de metas e sem prioridades claras.

Com a perspectiva de que sem estabilidade, sem ampliação contínua dos investimentos e sem diversificação de fontes, o Sistema Nacional de CT&I se tornará disfuncional, Arbix sugeriu ainda oito ações a serem tomadas para que se possa elevar o patamar de CT&I no Brasil em 10 anos.

De acordo com ele, seria preciso definir o digital e a sustentabilidade como eixos estruturantes; disseminar o uso de encomendas tecnológicas e fazer da inovação uma das missões das universidades. Além disso, interromper a regressão atual no financiamento à CT&I e articular um pacto de longa duração para garantir investimentos, tendo como meta atingir a marca de 2% do PIB aplicado em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em 10 anos.

Também apontou a necessidade de aumentar a cooperação entre empresa e academia, ampliando a criação de laboratórios multi-usuários e multi-institucionais e remodelar o atual sistema de CT&I, diminuindo a burocracia, fortalecendo as agências de fomento e definindo a política nacional com foco, prioridades e projetos de alto impacto orientados para resultados, a partir de novas lógicas de definição da demanda.

Ainda, acredita ser preciso superar o esgotamento do sistema de financiamento e criar um Fundo Nacional de Inovação com base em novas fontes de receita, além do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Também apontou a necessidade de facilitar a entrada de novas instituições no apoio à inovação, bem como criar mecanismos de governança do Sistema de CT&I, reformulando o Conselho Nacional de C&T para que possa definir diretrizes e programas relevantes e alocar grandes investimentos.

"No Brasil, nós demoramos muito tempo pra ter uma interação entre a academia e o setor empresarial". Para Luiz Eugênio Mello, esse é um dos desafios a serem trabalhados pela política. Citou como exemplo a Fapesp que, até 1988, tinha seu foco no “desenvolvimento científico” de São Paulo e, após a data, passou a avançar em direção ao campo "científico e tecnológico". Mencionou, ainda, a importância da relação entre pesquisa orientada para solução de problemas e da pesquisa orientada para satisfação de curiosidade.

Para mudar a visão atual da sociedade sobre CT&I, Mello sugeriu endereçar a CT&I para agendas que emanem iniciativas da sociedade e agendas que respondam a interesses e necessidades dos administradores públicos.

"Nós vivemos uma regressão muito grande, e a CT&I no Brasil só sobrevive por conta da resistência que os pesquisadores e cientistas conseguem desenvolver, e porque as universidades brasileiras, segregadas e acusadas injustamente, conseguem resistir e insistem em fazer ciência mesmo com os ataques do governo federal, que são muitos e constantes", afirmou Arbix.

A priorização das políticas de CT&I pelo próximo governo federal, orientado pelas demandas da sociedade, será essencial para que o país produza conhecimento da melhor qualidade, mais rápido e de maior impacto tecnológico, econômico e social, concluiu o painel. Para que a CT&I se fixe como ação de Estado, não de governo, também se considerou necessário reativar um fórum de governança como o Conselho Nacional de Tecnologia.

O evento teve moderação de Carolina Mota Mourão, Vitor Monteiro e Rodrigo Brandão.

Investimentos em CT&I e política econômica

Após apresentar uma visão geral sobre o sistema orçamentário e fiscal no evento Política Econômica para o Desenvolvimento da CT&I, do dia 12 de abril, Felipe Salto, mestre em Administração Pública e Governo, destacou que o país precisa seguir um caminho que permita "recuperar a capacidade do Estado de planejar os investimentos e os gastos a médio e longo prazo", um elemento chave de qualquer política de CT&I. Os limites fiscais do país, contudo, impõem desafios para os gastos necessários na área, e Salto propôs repensar o modelo de teto de gastos em vigor atualmente.

Foi sugerida pelo conferencista a criação de uma comissão de produtividade (composta por membros do governo, da academia e da sociedade civil) que produziria dados com solidez econométrica e estatística, capazes de apontar parâmetros da qualidade do gasto público.

Sob os parâmetros da relevância da restrição fiscal e da consequente escassez de recursos orçamentários, Fernanda De Negri, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), destacou a importância da definição de uma política de CT&I com estratégia e foco. "A gente não vai conseguir fazer tudo, a gente não vai conseguir ser competitivo em tudo, precisamos ter alguns focos consistentes a longo prazo”, afirmou.

O desmantelamento da política de CT&I nacional, tanto em nível orçamentário quanto em relação a indicadores, foi dimensionada em números. A exportação de alta tecnologia e a participação de setores mais intensivos em tecnologia vem diminuindo em relação ao PIB.

Para sair dessa situação, a pesquisadora indicou cinco áreas necessárias para o Brasil e que poderiam ter uma política de inovação: mudanças climáticas, tecnologias em saúde, inteligência artificial e big data, tecnologias agrícolas e Amazônia. Também apontou a necessidade de priorizar a melhoria no desenho de políticas e dos investimentos públicos em C&T, com o aprimoramento dos indicadores da atividade de CT&I.

Por não terem sido bem desenhadas e/ou não terem sido objeto de reformulação, algumas políticas acabaram por custar muito, sem efetivamente incentivar a inovação, como as  políticas fiscais da Lei de Informática e da Lei do Bem, lembrou Negri. Ela realçou fatores exógenos que apresentam impactos determinantes às políticas de inovação, como o sistema tributário, o ambiente de negócios e o estímulo à concorrência.

Com perguntas como “Para que CT&I?”, “O que é o Sistema de CT&I?”, “Quanto custa CT&I?” e “Quem paga a CT&I”, Carlos Henrique de Brito Cruz, vice-presidente sênior de Redes de Pesquisa da Elsevier, refletiu sobre “Que meta poderia haver no Brasil?”, pensando no papel das empresas e do governo no financiamento à P&D.

Após analisar dados de 2018, Cruz pontuou que, se for feita uma meta de que em 2028 o Brasil chegará a 2,5% do PIB investidos em P&D, significa que as empresas estarão contribuindo com seu dinheiro de 1.2% a 1.6% do PIB , e o governo, de 0.7% a 1.1%. De acordo com ele, é necessário que a política econômica brasileira crie um ambiente "onde a empresa precise fazer pesquisa" – não por causa de incentivo, mas porque ela vai se beneficiar e obter mais mercado.

Destacando a necessidade de P&D em universidades para haver base e pessoas, e PD&I em empresas e no governo, para haver benefícios, Cruz questionou como seria possível organizar um local onde as pessoas responsáveis pelo orçamento de C&T definam temas prioritários à transformação do país e como organizar o governo, em suas diversas unidades federativas, para criar convergências nacionais no tema de CT&I.

O evento teve moderação de Rodrigo Brandão, Igor Bueno e Vitor Monteiro, do OIC-IEA

Construindo uma economia de baixo carbono

Em anos recentes, diversos acontecimentos demonstraram os impactos da redução do orçamento nacional de CT&I sobre a preservação dos biomas brasileiros, como o apagão de dados sobre desmatamento, decorrente do subfinanciamento ao INPE e a órgãos ambientais, e a a falta de financiamento para pesquisas sobre desenvolvimento econômico sustentável e para o desenvolvimento de tecnologias verdes e mercados de baixo carbono.

No evento Qual é o Papel da CT&I na Construção de uma Economia de Baixo Carbono?, realizado no dia 26 de abril, Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, e Miriam Garcia, da CDP (Carbon Disclosure Project) Latin America, debateram os caminhos que o governo federal deve seguir para se projetar como um participante relevante na corrida climática global, além do papel dos investimentos públicos e privados em CT&I nessa estratégia.

Com a maior concentração de dióxido de carbono (CO2) em 2 milhões de anos, segundo estudo de 2019 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o planeta já enfrenta um aquecimento de 1.1ºC em relação ao período pré-industrial. Parece pouco, mas de acordo com uma ferramenta do Climate Central, apresentada por Unterstell, a elevação da temperatura média da superfície terrestre em mais 2ºC poderia ter consequências catastróficas. Cidades como Nova York, por exemplo, ficariam inundadas neste cenário.

Por isso, a descarbonização se tornou um tema central da governança climática global. Em 2015, nenhum dos grandes setores da economia global tinha tecnologias competitivas e de baixo custo para mudar a equação climática, uma questão essencialmente econômica, afirmou a expositora. Em 5-6 anos, houve uma forte mudança no setor elétrico, com a difusão de tecnologias como a solar e a elétrica, e a criação de baterias.

Dado o desafio de retomar o crescimento econômico do Brasil com o menor aumento possível de emissões, Garcia apontou dois cenários para lidar com a situação. Um cenário de retomada e transição justa envolveria três medidas centrais: precificar as emissões de carbono; reduzir o desmatamento; e aumentar os índices de restauração florestal em 4 milhões de hectares. Já em um cenário de retomada, transição justa e zero desmatamento, o país alcançaria o desmatamento zero na Amazônia e na mata atlântica até 2030, atingindo 82% de redução de emissões até 2050.

Daqui até 2050, para alcançar o cenário Net Zero para todos os Gases de Efeito Estufa (GEE), será necessário evitar o lançamento de aproximadamente 21 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera a nível nacional, apontou Garcia com base no relatório "Como viabilizar um Brasil neutro em gases de efeito estufa até 2050? Caminhos de descarbonização da economia brasileira", do CDP. O estudo foi elaborado pelo laboratório Cenergia, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Conforme o estudo, no setor de Agropecuária, Floresta e Outros Usos do Solo (AFOLU), considera-se necessário recuperar as pastagens degradadas e diminuir áreas de solo degradado. No de energia, investir em fontes renováveis e utilizar biocombustíveis celulósicos. Entre as indústrias, focar na siderurgia com uso do carvão vegetal de origem renovável e aumentar o uso da biomassa. No setor de transporte, eletrificar veículos leves e usar biocombustíveis e, no de resíduos, zerar o uso de aterros sanitários e implementar a queima em flare em aterros.

Para Unterstell, o desmatamento zero não é mais um tema marginal nas campanhas eleitorais. Pensando nas eleições de 2022, ela acredita que a primeira ação a ser feita a partir de janeiro de 2023 deve ser uma medida provisória que restabeleça a institucionalidade do combate ao desmatamento no país.

O evento teve moderação dos membros do OIC Rodrigo Brandão e Gabriel Maia.

A cobertura completa pode ser lida aqui.

A saúde no ecossistema de CT&I

A partir de uma leitura focada em resultados de estudos realizados pelo grupo de Economia da Inovação (IE/UFRJ) para indústria farmacêutica produtora de medicamentos, Julia Paranhos concentrou-se, inicialmente, no exame do contexto desta indústria, bem como no histórico e diagnóstico das políticas direcionadas a ela no evento Quais são os caminhos para potencializar o papel do SUS como catalisador de CT&I?, realizado em 11 de maio.

A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ressaltou especificidades do sistema de saúde do Brasil, com destaque para a própria existência de um sistema de oferta gratuita de serviços de saúde para a população. Com um cenário de importante demanda de medicamentos, precisamos entender nossas vulnerabilidades no sistema de produção e inovação, que ainda é representado por uma enorme dependência externa, tanto produtiva quanto tecnológica, afirmou.

As políticas implementadas entre 2003 e 2016 tiveram uma importância significativa no fortalecimento das empresas farmacêuticas nacionais. Estas foram destacadas por Paranhos devido às suas exportações para a América Latina, excelência no processo de fabricação (com certificados de boas práticas) e capacidade de gerar empregos qualificados, ainda que limitados. Nesse papel de estímulo, o Estado teve sucesso na concessão de instrumentos de oferta, crédito (Finep e BNDES), subvenção (Finep), e de demanda e compras públicas (PDPs).

"Pensar o sistema de inovação de produção em saúde sem pensar em serviços seria como pensar o automobilismo sem pensar nos carros", afirmou Carlos Gadelha, pesquisador do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Gadelha apontou que é por meio dos serviços que chegam itens como medicamento, vacina, equipamentos, reagentes, etc. "Estamos falando de um sistema produtivo que envolve cerca de 10% do PIB."

Ele destacou a reativação do Complexo Econômico-industrial da Saúde (CEIS) como um vetor de desenvolvimento para o Brasil, e acredita que a saúde pode ser uma porta de entrada do país na 4ª Revolução Tecnológica, devido a sua capacidade de unir transformações econômicas, produtiva e da CT&I a aspectos políticos, sociais, ambientais e da vida.

Os desafios para isso, contudo, também devem ser encarados. Atualmente, 10 países concentram 88% de todas as patentes em saúde, sendo que 5 países dominam o patenteamento em inteligência artificial, evidenciando uma concentração de propriedade intelectual no setor de saúde.

Pensando nas políticas de saúde a serem implementadas pelo próximo governo federal, outros pontos ainda foram destacados. Ele mencionou questões táticas, como o resgate da institucionalização, com o restabelecimento do GECIS; retomada de políticas explícitas de longo prazo, em matéria industrial e de C&T; políticas industriais implícitas, como os desafios regulatórios que geram barreiras à inovação; políticas de internacionalização com países da América Latina; e a capacidade de produção de insumos farmacêuticos (IFAs) estratégicos. Iniciativas para startups de biotecnologia – para além das TICs para saúde – também foram mencionadas por Gadelha.

Focado em pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), o Inova HC foi tema da exposição de Marco Bego. O projeto, definido como um catalisador de inovação em saúde, conecta recursos e empreendedores para gerar soluções que tornem a jornada do atendimento mais intuitiva e eficiente.

O hub de inovação atua em três frentes: inovação aberta, construindo a base de relacionamento com stakeholders; empreendedorismo, apoiando startups no relacionamento com stakeholders e financiadores; e projetos, acompanhando, validando e desenvolvendo projetos.

Tais iniciativas são analisadas em várias dimensões, como jornada do paciente; infraestrutura física e tecnológica; protocolos de relacionamento; aspectos financeiros; avaliação e gestão de impacto; parcerias e papéis; e regulação.

O evento afirmou a importância de uma nova agenda para a saúde que articule produção, inovação, conhecimento e crescimento do PIB com direitos sociais, meio ambiente e cidadania, fazendo da saúde o "motor do desenvolvimento do país no século 21".

O evento teve moderação de Gabriel Romitelli, Igor Bueno e Maria Carolina Foss, membros do núcleo jurídico do OIC-IEA.

Educação como ferramenta

A cada 100 estudantes do ensino superior – público e particular – 59 desistem. O dado foi registrado pelo INEP por meio de um mapeamento dos alunos ingressantes em 2020, e mostra a defasagem na formação superior do país. O dado foi apontado por Mozart Neves Ramos, professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no evento O que precisa ser feito para que o sistema brasileiro de ensino forme pessoas preparadas para promover a CT&I no país?, realizado no dia 10 de junho.

Elizabeth Balbachevsky, do Departamento de Ciência Política da USP, deu início às exposições abordando as conexões entre educação, ciência e trabalho, tema relevante por sua conexão com o combate à desigualdade. Destacou a importância de pensar como direcionar o problema da desigualdade social por meio da educação com o fim de gerar mobilidade social, um fenômeno que ocorre quando "uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas se movem dentro da escala social".

Por um lado, a educação tem um valor substantivo – cria competências e habilidades e forma pessoas com um "impacto substantivo" – e, por outro, apresenta um valor posicional – com uma hierarquia associada a diplomas e credenciais que representam um valor diferente a depender das instituições.

A professora propôs a discussão da educação em seu valor substantivo, com base nas expectativas do mercado de trabalho em relação à formação de habilidades e competências valorizadas. Para tratar do assunto, foram comparados dois modelos de mobilidade social pelo ensino.

Em primeiro lugar, o modelo do capitalismo tradicional (liberal) representado por uma figura de duto em que as pessoas seguem por vários níveis educacionais até chegar ao nível superior, aquele que confere ao indivíduo as credenciais valorizadas no mercado. Em segundo lugar, o modelo do capitalismo coordenado (binário), no qual os estudantes são divididos em duas trajetórias de formação, uma voltada para o acesso à universidade e outra para o campo técnico-tecnológico avançado.

Balbachevsky lembrou que a formação técnica-tecnológica no modelo brasileiro é estigmatizada em prol do ensino superior. "A função social do ensino superior na nossa sociedade é produzir diploma, e diploma que tenha uma profissão reconhecida." Em sua percepção, o Brasil estaria mais próximo do modelo do capitalismo tradicional e as políticas recentes de acesso à universidade não foram suficientes para alterar o cenário.

Neste contexto, em que todo progresso humano está relacionado ao avanço do conhecimento pela ciência e no qual “informação” e “conhecimento” são componentes do patrimônio das nações, o Brasil passa por "um grave decréscimo no interesse dos estudantes pelo ensino superior, refletido no número de matrículas para fazer o ENEM", apontou Glaucius Oliva.

A necessidade de uma revolução na educação é inegável, sobretudo em termos de qualidade, afirmou o professor. Alguns dos principais desafios do ensino de graduação e pós-graduação no Brasil destacados por ele são a reformulação da estrutura curricular e pedagógica, o estímulo ao protagonismo do estudante, maior transversalidade dos cursos, custeio de bolsa de estudos e alinhamento dos cursos com opções de carreira.

Além do desafio de ingressar no ensino superior, o Brasil enfrenta a dificuldade de oferecer uma educação de base de boa qualidade para todos, Ramos. Ele apontou que o avanço na escolaridade deve visar, além dos anos de estudo, seu impacto na riqueza e, portanto, no PIB per capita.

Essa escolaridade deve promover o acesso, a permanência, o aprendizado e a conclusão na idade certa e, para isso, deve ser integral, desenvolvendo plenamente a pessoa para a cidadania e o trabalho. A cultura brasileira enraizou a ideia de que a defasagem do ensino só será solucionada com o acesso das pessoas ao ensino superior, mas há uma parcela de jovens que nem sequer têm esse acesso e, quando tem, entram no mercado de trabalho desqualificados devido a própria qualidade da instituição de ensino.

"A internet banda larga não é luxo, é o caderno e o lápis do século 21", afirmou o professor. Ramos enxerga a necessidade de introduzir inovação e tecnologia nos anos iniciais da educação, aproveitando a cultura digital dos estudantes, e afirmou que a alfabetização é pressuposto para desenvolver o ensino. Para conferir seu aprendizado, as aulas precisam ser instigantes aos alunos, defendeu.

O evento teve moderação de Carolina Mota Mourão, Gabriel Romitelli, Igor Bueno e Vinícius Gregório de Souza, do OIC-IEA.

Balanço e perspectivas

Para pensar o futuro do manejo dos instrumentos de fomento à inovação no país, André Rauen, doutor em política científica e tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), deu início à exposição no evento Balanço e Perspectivas, Instrumentos de Fomento à Ciência, Tecnologia e Inovação, no dia 24 de junho, destacando a importância de uma política de inovação e financiamento orientado a missões, substituindo um recorte setorial.

Ele reiterou o impacto do ambiente de negócio nas políticas de inovação, como aspectos tributários, capacidade de competição das empresas e a possibilidade de atrair e reter profissionais talentosos. "Se a gente quer aumentar a taxa de inovação no Brasil, tem que melhorar o ambiente de negócios; tem que ser fácil de fazer inovação, o custo de oportunidade precisa baixar", afirmou.

Nas últimas décadas, houve um desgaste das políticas de CT&I e pouco espaço fiscal para gastos públicos. Os instrumentos de estímulo à inovação, como o sandbox regulatório, as isenções fiscais e as compras públicas dependem da qualificação de agentes públicos e agentes de estado para serem manejados, apontou Rauen.

A necessidade de um maior protagonismo estatal para enfrentar problemas complexos e transnacionais, em especial os desafios que colocam em risco o futuro da humanidade, como as mudanças climáticas, foi destacada por Rauen e por Carlos Américo Pacheco, professor do Instituto de Economia e do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp.

Com suas mudanças recentes na National Science Foundation e a criação de instituições como a ARPA-H, dedicada à saúde, e a ARPA-C, dedicada às questões climáticas, os Estados Unidos foram usados como exemplo de uma atuação estatal orientada a estimular a inovação com foco em problemas específicos. Pacheco mencionou que houve um "enorme ativismo estatal" brasileiro nos últimos anos, mas sem eficácia em termos de mobilização do setor privado.

Diogo Rosenthal Coutinho, professor da Faculdade de Direito da USP, retomou a premissa de que o governo precisa querer fazer uma política de CT&I efetiva e valorizar o sistema nacional. Para isso, terão que ser enfrentados questões jurídicas e institucionais que comprometem a efetividade dessas políticas, como gargalos de coordenação, de sinergias público-privadas, de incorporação de aprendizados recentes – conferindo capacidade de incorporar conhecimento e aprendizado ao longo do caminho – e de seletividade – corrigindo um problema crônico no país de dispersão de recursos e dificuldade em definir focos, agendas e objetivos prioritários.

Para que haja efetividade nas iniciativas discutidas, Coutinho enxerga a necessidade de um esforço multidisciplinar e ativação das capacidades estatais, pois não nos faltam instrumentos. Com uma legislação completa, sobretudo depois da edição de leis federais voltadas para a inovação, precisamos que essas leis sejam adequadamente mobilizadas e implementadas, o que depende da capacidade de gestão, afirmou.

Um novo governo que queira revitalizar a inovação como centro de uma agenda de desenvolvimento econômico deverá seguir um rumo claro, que não é trivial. Por isso a necessidade de apresentar pessoas que compreendam o assunto em cargos chave do "topo do Executivo".

O evento teve moderação de Fabio Gomes dos Santos, Maria Carolina Foss e Vinicius Gregório de Souza, do OIC-IEA.