Duas propostas de alteração do processo eleitoral da USP
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A busca de alternativas ao atual sistema de escolha de dirigentes da USP deu o tom da mesa-redonda IEA Debate o Processo Eleitoral da USP, realizada no dia 3 de setembro. O evento integrou a programação da Semana de Debates sobre o Sistema de Eleição dos Dirigentes da USP, promovida pela Reitoria no período de 2 a 6 de setembro.
Luiz Nunes de Oliveira (à esq.) e Ciro Teixeira Correia apresentaram propostas para o processo eleitoral |
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Atualmente, a eleição para reitor é dividida em dois turnos e inclui a controversa formulação de uma lista tríplice de candidatos por um colegiado restrito e a escolha de um deles pelo governador do Estado (veja infográfico abaixo). O sistema é considerado pouco democrático por segmentos significativos de docentes, estudantes e funcionários, que há décadas vêm reivindicando mudanças no processo.
No encontro, duas propostas de alteração do sistema foram colocadas em discussão: uma apresentada por Luiz Nunes Oliveira, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) e representante dos professores titulares no Conselho Universitário (Co) da USP; e outra da Associação dos Docentes da USP (Adusp), explicada pelo presidente da entidade, Ciro Teixeira Correia, do Instituto de Geociências (IGc).
Os debatedores foram os professores Francisco César de Sá Barreto (UFMG), Lisete Arelaro (Faculdade de Educação), Renato Janine Ribeiro (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e IEA) e Sergio Adorno (FFLCH e IEA) e o jornalista Paulo Saldaña ("O Estado de S.Paulo").
VOTAÇÃO PARITÁRIA
A proposta da Adusp prevê o fim do primeiro turno das eleições, com extinção da Assembleia Universitária — composta pelo Conselho Universitário (Co), Conselhos Centrais, Congregações das Unidades e Conselhos Deliberativos dos Museus e dos Institutos Especializados —, que elabora a lista óctupla de indicados. No turno único, o Colégio Eleitoral do atual segundo turno, do qual não participam as Congregações, continuaria responsável pela lista tríplice, sendo um dos candidatos a figurar nesta lista escolhido por uma consulta paritária envolvendo docentes, estudantes e funcionários.
Essa consulta, por sua vez, seguiria o princípio da proporcionalidade, de modo que os votos de docentes, alunos e funcionários teriam pesos diferenciados determinados de acordo com a proporção de cada uma dessas três categorias na composição da comunidade USP.
Segundo Correia, a proposta da Adusp busca resgatar a "proposta histórica" da década de 80, formulada por docentes, estudantes e funcionários, que sugeria as eleições diretas e paritárias, na qual os três segmentos da comunidade USP teriam igual peso na escolha de dirigentes.
OBSTÁCULOS
Para o presidente da Adusp, não seria possível implementar o sistema de eleições diretas no momento porque a legislação estadual prevê a nomeação do reitor pelo governador a partir da lista tríplice. "Diante disso, deliberamos por uma proposta muito aquém da desejada, mas que não esbarra em impedimentos legais e pode, portanto, ser colocada em prática imediatamente."
Embora não julgue essa proposta a ideal, Correia considera que o candidato incluído na lista tríplice pela votação paritária teria o diferencial da legitimidade e da representatividade, ao contrário dos dois candidatos indicados pelo Colégio Eleitoral, cujos membros representam apenas 0,3% da comunidade uspiana. "Se optasse por contrariar a vontade da maioria, o governador teria que arcar com as implicações políticas dessa decisão", frisou.
Além disso, Correia acredita que o sistema proposto pela Adusp possibilitaria uma transição para uma estrutura de poder que, a seu ver, seria mais sintonizada com um projeto de universidade. Para ele, a USP caracteriza-se como uma instituição reservada à elite, e não como uma instituição que precisa servir à sociedade como um todo: "A USP precisa de uma estrutura de poder compatível com uma universidade pública, gratuita, democrática e transparente, bem como autônoma no âmbito administrativo, acadêmico, pedagógico e científico e no gerenciamento de insumos e recursos".
PAPEL DAS CONGREGAÇÕES
Segundo Nunes, a proposta que defende — correção do desequilíbrio na representação das congregações no primeiro turno e eliminação do segundo turno — visa a dois objetivos: fomentar a discussão construtiva e tornar o processo eleitoral mais atraente para os melhores candidatos. "Precisamos atrair pesquisadores que não se candidatam por receio de interromper a carreira acadêmica", disse, destacando que esse segundo objetivo deveria ser uma preocupação na escolha de dirigentes de todos os níveis e, portanto, permear os diversos processos eleitorais da Universidade.
O caminho para alcançar tanto essa atratividade quanto esse debate construtivo, de acordo com ele, é ampliar a participação das Congregações das Unidades no processo eleitoral. "Isso facilitaria a comunicação e ajudaria a convencer os pesquisadores a se candidatar, pois na campanha seria preciso falar apenas para as Congregações, dispensando os comícios para um corpo eleitoral amplo."
Para Nunes, a ampliação do número de votantes se faz necessária porque o Colégio Eleitoral, ou "coleginho", como ele o chama, não garante a representatividade por ser muito restrito e sujeito ao controle da Reitoria, de modo que o reitor geralmente consegue eleger seu sucessor. Explicou que, caso a proposta fosse aprovada agora, com a inclusão dos suplentes de Congregações com menos de 50 representantes, haveria uma ampliação significativa do Colégio, que passaria a contar com 1.900 docentes, 180 estudantes e 90 funcionários.
DEBATE
Sá Barreto — Questionou os expositores sobre a importância que se dá à figura do reitor: "Será que a universidade brasileira — no caso, a USP — precisa de um reitor iluminado, que administre de cima para baixo, ou precisa de uma liderança que faça uma gestão de baixo para cima?".
Saldaña — Questionou a ênfase na discussão sobre o processo de eleição do reitor: "O que adianta mudar a estrutura de escolha do reitor sem mudar, por exemplo, a composição do Co, que é responsável por muito do que se decide na USP, e sem pensar a questão de uma participação ampla, que vá além dos muros da Universidade?"
Arelaro — Levantou uma questão para cada expositor. Para Correia, perguntou: "O primeiro turno, apesar de visar a indicação de oito nomes, é muito mais democrático. Você arriscaria acabar com o segundo turno?" Para Nunes, questionou: "As Congregações se tornaram órgãos absolutamente burocráticos que, na verdade, só ratificam decisões para não criar problemas. O que fazer para que as Congregações, hoje desarticuladas, ganhem motivação para construir um grande consenso?
Janine — Idealizador da proposta que embasou a exposição de Nunes (mas modificada por este), indagou sobre a possibilidade de ampliação da Assembleia Universitária, que ficaria responsável pela elaboração da lista tríplice no turno único da eleição. "Quando antecedi o Nunes no Co, sugeri que a forma atual de votação passasse por sucessivas ampliações, começando pela extinção do Colégio Eleitoral restrito do segundo turno e pela assunção de todas as suas prerrogativas pela Assembleia do primeiro turno. Se a Assembleia fosse ampliada, conforme sugerido por Nunes, ela não seria mais passível do mesmo controle que o atual. Eu iria além e incluiria também, no colegiado ampliado, os conselhos departamentais, comissões de cultura e pesquisa, pós-graduação e graduação. E por que não chegar ao voto direto, segundo as regras da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], com os docentes respondendo por 70% do peso dos votos? O que você acha dessa ampliação adicional ou da escolha conforme disposto na LDB?"
Adorno — Dirigiu a mesma pergunta aos dois expositores: "Essas duas propostas são complicadas: ou dão toda força para a comunidade ou toda força para a Assembleia. Como fazer a mediação entre essas duas propostas, de forma que a comunidade tenha um papel importante e os colegiados também? A mediação seria reduzir as desigualdade entre as categorias, repensar o peso que é dado aos titulares e respeitar as diferenças, pois elas fazem parte da organização da Universidade".
PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO Na segunda rodada do debate, os expositores responderam a perguntas do público presente e enviadas pela audiência online. Quando questionado sobre que peso os estudantes da graduação deveriam ter nas eleições e sobre a legitimidade de um reitor escolhido por um único grupo de docentes, Nunes respondeu que, seguindo as recomendações da LDB, num primeiro momento, o ideal seria que os estudantes tivessem 15% do peso, mesma percentagem dos funcionários, e que os docentes tivessem 70%. De acordo com ele, um reitor escolhido pelas Congregações teria toda a legitimidade, pois "seria eleito pelas forças vivas da Universidade, por gente que vive em laboratórios e salas de aula, diferentemente do que acontece no sistema atual, que privilegia quem está na nata administrativa". Respondendo à mesma questão, Correia afirmou que a eleição paritária dá o devido peso aos diferentes segmentos da USP, que têm papel e experiências temporais diferenciadas. De acordo com ele, muitos questionam se os estudantes deveriam mesmo votar, já que são passageiros na Universidade, e se estariam preparados. "Se os estudantes dessa Universidade, que é considerada uma universidade de liderança, não têm a capacidade de votar, de julgar a maior adequação de uma proposta de gestão em comparação com outra, isso é algo incompatível com o que vemos no processo educacional", destacou. Para ele, os problemas do sistema eleitoral e da estrutura de poder vigentes vão muito além de como são compostos o "colegião" e o "coleginho", já que as Congregações refletem os mesmos defeitos da composição dos Conselhos Centrais e, além disso, são dominadas por uma única categoria, cujo poder não reflete necessariamente o mérito acadêmico. Outra questão levantada pelo público foi a da validade da proposta do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), segundo a qual cada integrante da comunidade universitária teria direito a um voto, e o fim da listra tríplice. Correia declarou que a Adusp é favorável à proposta, bem como à extinção dos colégios eleitorais presentes nos dois turnos e ao fim de lista tríplice. Nunes, por sua vez, destacou a necessidade de se negociar diante da impossibilidade de passar de um processo eleitoral inadequado, como o vigente, para um que considera ideal. "Uma mudança brusca poderia causar dificuldades, de modo que essa proposta é uma tentativa para se chegar a um acordo no 1º de outubro", disse. Para ele, a proposta da Sintusp tornaria praticamente impossível um candidato ocupado participar de uma campanha eleitoral, pois esta envolveria toda a comunidade USP. Afirmou, ainda, ser simpático ao fim da lista tríplice, mas, assim como Correia, ressaltou os impedimentos legais para que isso seja proposto e colocado em prática no momento. |
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Fotos: Mauro Bellesa/IEA-USP; Infográfico: Jornal do Campus, 16/10/2009