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Punir, reparar e reconciliar como respostas à violação dos direitos humanos

por Flávia Dourado - publicado 20/12/2012 00:00 - última modificação 26/11/2013 12:35

O seminário Memória e Direitos Humanos teve como tema central três eixos de ação: punição, reparação e reconciliação. O evento ocorreu no dia 29 de novembro, no IEA e integra quarto módulo do ciclo de debates Direitos Humanos e Desenvolvimento.

Segundo o jurista francês Antoine Garapon, a violação dos direitos humanos tem suscitado três ações principais ao longo da história: punição, reparação e reconciliação. As particularidades e tensões de cada uma dessas ações foram discutidas no seminário Memória e Direitos Humanos, que aconteceu no dia 29 de novembro, no IEA.

Os expositores do encontro foram Renan Quinalha, doutorando no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, que tratou da questão Punir e Não Punir — Anistias; Glenda Mezarobba, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, que abordou o tema Reparar – Indenizações; e Luci Buff, procuradora do Estado de São Paulo, que falou sobre Reconciliar — Comissões de Verdade. O debate foi conduzido por Rafael Schincariol, doutorando na Faculdade de Direito (FD) da USP.

PUNIÇÃO
Para contextualizar o dilema entre punir ou não punir, Quinalha recorreu ao conceito de justiça de transição, desenvolvido nos anos 80, quando estavam em curso os processos de redemocratização de países latino-americanos. Balizada na ideia de excepcionalidade e fragilidade institucional dos períodos transicionais, esse conceito orientava-se pelo princípio de não ousar demais (o que incluiria punir), a ponto de provocar uma regressão autoritária, nem de menos, a ponto de levar a reformas superficiais.

De acordo com o doutorando, embora desempenhe papel fundamental em conjunturas de violações recentes de direitos humanos, "quando ainda se está no calor dos acontecimentos", a justiça de transição é precária e deve ser aplicada apenas em condições de instabilidade política. Fazendo referência ao caso brasileiro, ele afirmou que o debate sobre punir ou não punir, quase sempre restrito aos marcos dessa justiça, precisa ser situado em cenários de democracias já avançadas.

"A democracia brasileira tem problemas, mas não me parece que o Brasil corra risco de regressão autoritária. O que justifica trazer esse conceito, que veicula uma lógica de excepcionalidade? Será que o debate deve ser feito em cima dessa conceituação ou deve ser feito a partir do direito ordinário?" Para ele, a utilização da justiça ordinária não só facilitaria as discussões sobre o assunto como enfraqueceria o discurso dos que se opõem à punição com base no argumento de que se trataria de revanchismo.

REPARAÇÃO
Com base no pensamento do filósofo colombiano Pablo de Greiff, Mazarobba afirmou que a justiça de transição, na qual estão compreendias as reparações, visa três objetivos: reconhecimento de que houve violação dos direitos humanos; recuperação da confiança cívica; e promoção da solidariedade social.

Partindo dessas ideias, a professora levantou algumas questões sobre os dois instrumentos de reparação da justiça brasileira, ambos relativos à ditadura militar: a lei nº 9.140, de 1995, que determina o pagamento de indenizações aos familiares de mortos e desaparecidos políticos; e a lei nº 10.559, de 2002, que estabelece o pagamento de indenizações a anistiados impedidos de exercer atividades econômicas em função da perseguição que sofreram.

De acordo com a pesquisadora, as reparações pagas no âmbito das duas leis são desproporcionais. Para exemplificar, comparou a indenização recebida pela família do jornalista Vladmir Herzog, torturado e morto em 1975, e a indenização recebida por um anistiado, cujo nome preferiu não mencionar: o valor da primeira, pago em parcela única, ficou em cerca de R$ 100 mil, enquanto o da segunda, de caráter vitalício e retroativo, rendeu ao favorecido uma quantia maior em apenas um ano.

"Quando o Estado brasileiro faz um esforço reparatório com duas leis que não partem da mesma perspectiva, diz que as perdas econômicas constituem um bem mais precioso que o direito a vida e à integridade física", observou, destacando que a disparidade entre as duas leis gera desconfiança cívica, ao invés de confiança. "No caso brasileiro, o esforço reparatório não conseguiu gerar ou fortalecer a solidariedade social, pois as pessoas acham que se trata de alguém se beneficiando do tesouro nacional".

RECONCILIAÇÃO
Segundo Buff, no caso do Brasil, a reconciliação poderia ser alavancada pelo cumprimento das atribuições da Comissão da Verdade: investigar os fatos, recuperar a memória do período da ditadura, viabilizar a reconstrução da história através de novos testemunhos e documentos, entre outras. A procuradora ressaltou que "a comissão vai se voltar para o passado e a reconciliação seria uma perspectiva para o futuro".

De acordo com a procuradora, as medidas de reparação e o debate suscitado pela aprovação da Comissão já contribuíram para a sensibilização da opinião pública, ainda que de maneira tímida. Para ela, esses avanços serão potencializados pelo início dos trabalhos da comissão, quando as vítimas passarão a ser ouvidas em audiências abertas, os testemunhos começarão a ser colhidos e os fatos serão esclarecidos. "Até porque um dos sentidos da reconciliação, que é estabelecer uma maior confiança nas instituições, já faz parte do próprio processo da comissão".

Ela advertiu, ainda, que não se deve fazer da reconciliação um ritual vazio, apenas com pedidos de desculpas: "A discussão sobre a reconciliação exige cuidados, pois é algo que pode ser tomado erroneamente como um sucedâneo do perdão".

CICLO
O seminário teve curadoria de Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, e integra o quarto módulo do ciclo de debates Direitos Humanos e Desenvolvimento, organizado pela Cátedra Unesco de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, sediada no IEA, pelo NEV e pelo Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) da USP.

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